O estrangeiro
As fotografias destas crianças, jovens, homens e mulheres, são, juntas, pilares
que sustentam a observação do coronavírus em um povoado sertanejo
Géssica Amorim (texto e fotos)
Graças à pandemia, estamos no meio de um processo que pode mudar para sempre a forma como nos relacionamos com as pessoas ao nosso redor — e com tudo o que há no mundo. O “novo normal”, que tem nos acostumado a rever mesmo as nossas manifestações de carinho, é só um indicativo de que os nossos padrões de comportamento foram afetados em suas estruturas.
Já são quase 6 meses de recomendações de isolamento social e, durante todo esse tempo, o vírus tem interferido na nossa rotina, nos nossos hábitos e na nossa cultura. Em Sítio dos Nunes, distrito de Flores, cidade do sertão pernambucano, não é diferente: o cotidiano da população de pouco mais de quatro mil habitantes foi afetado de forma direta e visível. No vestuário dos habitantes do distrito que, surpreendentemente e felizmente, registrou somente dois casos da Covid-19 até agora, um novo elemento se soma aos gibões, véus, calças jeans e camisetas de super-herói: as máscaras de proteção facial. São elas as responsáveis por toda uma nova rede de significados dos usuais retratos do Sertão.
A marca do “novo normal” me despertou a vontade de registrar em retratos uma reflexão a respeito de como o vírus tem atravessado as atividades dos moradores do distrito: as grandes vaquejadas e pegas de boi foram suspensas por tempo indeterminado, as aulas da única escola de Sítio dos Nunes foram adaptadas a um método remoto. A capela do distrito teve a frequência das suas atividades religiosas alterada e o número de fiéis presentes passou a ser restrito.
Para ilustrar esse sobressalto cotidiano, produzi retratos de alguns de seus moradores e de suas moradoras que talvez carreguem pontos e referências dos caminhos que o novo coronavírus cruza e modifica. Até agora, nas fotografias do ensaio sobre a Covid-19 nesse pedaço do sertão, estão as imagens do jovem vaqueiro Luís, de 14 anos, que, devido à pandemia, teve de reduzir as suas idas para pegar boi no mato. Da também vaqueira Brenda, 19, que compete na categoria feminina nas disputas de pega de boi de mourão e agora não tem data prevista para o seu retorno às pistas de vaquejada; da freira Irmã Sema, 41, que hoje abre as portas da capela de Sítio dos Nunes para poucos fiéis; do menino Miguel, 5, apaixonado por vaquejada e fã de free fire, que há meses não vai à escola e não brinca com seus amigos com a mesma frequência de antes; de dona Celina Ferreira, 76, que, por estar no grupo de risco, tem se mantido até o limite da calçada de sua casa, e do agricultor José Antônio, 73, que mesmo trabalhando na sua roça e mantendo uma distância de outras pessoas considerada segura, carrega consigo a sua máscara. As fotografias dessas pessoas, juntas, são pilares que sustentam a observação dos efeitos dos coronavírus em Sítio dos Nunes, lugar onde vivemos.
O ensaio segue aberto a outros registros e sua produção pode durar um longo tempo. Em Flores, a contaminação segue crescente: segundo a última atualização do boletim epidemiológico da cidade, divulgada ontem (23/07), na página oficial da prefeitura no Facebook, o município contabiliza 62 casos confirmados para a Covid-19, 48 casos recuperados, 20 casos em investigação e 4 óbitos em decorrência do novo coronavírus.
SURUBIM E LAGOA DOS GATOS
Duas cidades do Agreste também registram alta e servem para entender o avanço da pandemia no interior: em Lagoa dos Gatos foram contabilizados 407 casos. Entre eles, 39 estão em isolamento, 357 estão recuperados e 11 são óbitos. Além destes casos, o município ainda registra 29 suspeitos, 172 descartados e 512 pessoas se apresentam adoecidas com síndrome gripal de acordo com o boletim epidemiológico publicado na página oficial da prefeitura no Facebook (23/7).
Em Surubim, são 526 confirmados: 105 pessoas em isolamento (cinco profissionais da saúde), 20 óbitos, 22 casos suspeitos (aguardando resultado do exame laboratorial). São 396 recuperados. Um "detalhe": cinco dias antes da reabertura de restaurantes, bares e academias, Surubim registrou sete óbitos pela Covid-19, contabilizando 20 no geral (dados de 23/07), um crescimento de 35% em apenas uma semana.