O vírus que esvaziou a Toyota

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OVA UFPE
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4 min readJul 31, 2020

Em Surubim, o jipe é o transporte mais importante para cidades como Toritama (368 casos de Covid-19) e Santa Cruz do Capibaribe (com absurdos 5.409 casos notificados)

Maria Souza

José Antônio, toyoteiro: medidas sanitárias provocaram queda de mais de 50% dos passageiros. Foto: acervo pessoal

“Toritama ou Santa Cruz, senhora? Vamos que o carro vai sair agora”.

Quem circula pelas ruas de Surubim, no Agreste do Estado, provavelmente já ouviu esse chamado. Isso porque centenas de pessoas da cidade precisam diariamente deixar a cidade para trabalhar nos municípios vizinhos — para isso, usam o transporte mais importante da região, a Toyota. Mas a pandemia, é claro, também provocou estragos entre os motoristas que dependem das viagens para sustentar suas próprias famílias: o comércio fechado e o medo do vírus resultaram em carros vazios.

Veículos são essenciais na economia e locomoção das cidades agrestinas, que sofrem sem bom transporte público (fotos: Luiz Carlos Mota/Divulgação)

José Antônio, 54 anos, motorista desde 1986, conta que há dois anos e quatro meses transporta passageiros de Surubim com destino a Santa Cruz do Capibaribe e Toritama. Durante os primeiros meses do isolamento, ele conta que precisou parar. “Fiquei me preservando. Ouvi comentários que a doença era perigosa. Retornei há poucos dias, depois que a circulação foi autorizada”, comenta. Como as recomendações dos órgãos de saúde é manter distância de um metro de uma pessoa para outra, José conta que isso refletiu na quantidade de passageiros que transporta e consequentemente na renda apurada no final do dia. “As vezes saio com quatro ou cinco passageiros, antes da pandemia eram cerca de 15”, relata. A decisão da prefeitura em limitar nove pessoas por veículos acendeu os ânimos de dezenas de motoristas, que foram para as ruas protestar contra a obrigatoriedade de carregar no máximo 50% dos passageiros. Há uma característica no jipe modelo Bandeirantes no Agreste: a maioria deles são alongados, funcionando quase como micro-ônibus.

No dia 12 de julho, toyoteiros realizaram protesto contra medidas que limitam número de passageiros

Francierveton Fernandes, 29, motorista há 6 anos, conta que, devido às limitações impostas pelos decretos municipal e estadual que restringem os veículos circularem de uma cidade para outra, precisou se reinventar para garantir o sustento. “Era minha única renda . Com a pandemia, precisei parar. Então, fui trabalhar em uma confecção da família em Santa Cruz”, relata. Além do dinheiro que ganha no novo trabalho, Francieverton conta com os R$ 600 do auxílio emergencial.

PASSAGEIRA — Larissa Santos, 23, moradora de Surubim, fabrica roupas infantis desde o começo do ano e escolheu Santa Cruz do Capibaribe, a 53 quilômetros da sua cidade de origem, para vender seus produtos. Ela vende as confecções pela internet. “Sempre que vou entregar as mercadorias, preciso sair muito cedo de casa. As estradas ficam muito caóticas, lotadas de carros que vão em direção à Toritama e Santa Cruz”. A aglomeração de pessoas é inevitável e o risco de contágio também, ela conta. “Mas é de onde vem o sustento de muitas famílias.” Com 10 mil postos comerciais, o Moda Center de Santa Cruz do Capibaribe é uma das principais feiras do Polo Têxtil do Agreste pernambucano. Há outro alto número, este que não provoca orgulho nenhum: o altíssimo número de pessoas infectadas no município — no dia 30 de julho, eram quase 5.500 casos confirmados, com 41 óbitos. Surubim registrou 609 casos da doença segundo a atualização do boletim divulgado pela prefeitura municipal no Instagram.

A vendedora, no entanto, lamenta não poder ficar em casa e se proteger melhor do vírus: faz parte das milhares de pessoas precisam se locomover para garantir algum dinheiro. “Não tenho opção. É meu trabalho. Não tenho o privilégio de não ir, esse é meu sustento no momento”, relata Larissa.

De acordo com a prefeitura Municipal de Surubim, a secretaria de saúde, em parceria com a Secretaria de Defesa Social, tem realizado fiscalizações nas entradas da cidade. Com foco nos transportes de passageiros, os agentes estão fazendo aferição de temperatura, higienização e distribuição de álcool 70. Segundo a Empresa Pernambucana de Transporte Intermunicipal (EPTI), por meio de uma portaria, ficou estabelecido que veículos devem circular com até 50% da capacidade e obedecer regras sanitárias como o uso de máscaras e a disponibilidade de álcool no embarque e desembarque de passageiros.

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projeto de extensão do Observatório da Vida Agreste (OVA), Curso de Comunicação Social da UFPE/Centro Acadêmico do Agreste (CAA)