14 mitos da moda ética sustentável que precisam acabar

História publicada no blog Ecocult, no dia 24 de abril de 2017. Para ler a versão original, escrita em inglês por Alden Wicker, clique aqui.

OVNE História
OVNE
13 min readJun 7, 2017

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Tradução: Ligia Deschamps

Em homenagem a semana da Fashion Revolution, que começa hoje, vou abrir seus olhos sobre a moda.

Fundada em 2014, em memória do colapso da fábrica de roupas Rana Plaza em Bangladesh no dia 24 de abril de 2013, que matou mais de 1100 trabalhadores, a semana Fashion Revolution chama atenção às condições de trabalho perigosas, exploratórias e tóxicas as quais a moda convencional submete os trabalhadores de produção de vestuário feminino.

Na última quarta feira, fui convidado para falar em um painel mediado pela StyleLend, uma startup que permite emprestar roupas sofisticadas por algumas noites ou vice e versa. A platéia era inteligente, engajada e extremamente doce. Estava animada para encontrar vários de vocês, queridos leitores, por lá! Mas as perguntas que surgiram me inspiraram a escrever esse post. Consumidores estão começando a acordar para esse simples fato. Mas é uma questão complexa, frustrante e cheia de nuances que contraria soluções simplistas, e independente do quão bem intencionadas sejam.

1. Se você doa as suas roupas antigas para a instituição “certa” elas vão encontrar o seu caminho até as mãos de pessoas de baixa renda que irão apreciá-las.

Repita comigo: Não importa pra onde você doe as suas roupas, tudo acaba no mesmo lugar. Não importa pra onde você doe as suas roupas, tudo acaba no mesmo lugar.

A maioria das pessoas ainda acredita que quando doam suas roupas estão doando itens altamente necessários para as pessoas menos privilegiadas que vão ficar agradecidas e usar com orgulho. Mas o fato é que, americanos doam muito mais roupa do que os americanos de baixa renda conseguem absorver e muitas peças, por consequência do domínio da moda rápida, já não valem nada e estão caindo aos pedaços. Os abrigos para pessoas em condição de rua e de mulheres não querem as suas roupas velhas. Eles querem sutiãs, roupas íntimas novas, casacos, produtos de higiene pessoal básica e absorventes. Se você entregar um saco cheio das suas roupas velhas da Forever 21 é equivalente a entregar um saco de lixo domiciliar e esperar que fiquem gratos pela oportunidade de catarem as garrafas sujas. Isso é o quanto roupas velhas são descartáveis e desvalorizadas hoje em dia.

A maioria das instituições que recebem doações de roupa funciona da seguinte forma: recebem a roupa e extraem o máximo de valor possível dela para sustentar a sua operação. Revendem cerca de 20 a 40% das roupas ao público geral. O restante é agrupado e vendido por centavos o kilo para uma empresa de reciclagem que vai downcicle uma parte em panos de limpeza ou de isolamento e enviar o restante para países em desenvolvimento para ser revendido por uns 2 dólares. Caso você doe para Goodwill, Exército da Salvação, Howsing Works, the greenmarket textille collections, aquela igreja no final da rua, tudo passa por esse mesmo processo. Ou seja, o que define se a sua roupa encontra ou não uma segunda vida não é para onde você a doa, mas sim da qualidade da própria roupa. Se é bem feita, atemporal e está em boas condições, alguém em algum lugar vai usá-la novamente. Se você comprou por 15 dólares originalmente ou tem uma mancha, será reciclada.

A lição aqui é que você não precisa se preocupar para onde você doa as suas roupas, apenas escolha uma instituição com uma missão que você apoia. Se preocupe mais com qual roupa você está comprando inicialmente e se terá uma vida longa. Ah, e se algo tem manchas ou rasgos, corte em pedaços e use como pano de limpeza em casa.

Você pode ler mais sobre isso no meu artigo na Newsweek.

2. A sua roupa de segunda mão está acabando com a produção de roupas feita por países em desenvolvimento.

A verdade aqui é ainda mais complexa que no último mito. De acordo com o senso comum, quando as suas roupas vão pra África, as pessoas que vivem lá as compram e usam ao invés de comprar as roupas produzidas localmente, devastando a indústria têxtil e de vestimentas. No entanto isso pode não ser verdade, como eu descobri quando entrevistei alguns pesquisadores da área.

Vamos olhar para a áfrica ocidental, por exemplo. Quando as economias se abriram para o mercado internacional nos anos 80, duas coisas aconteceram simultaneamente. Primeiro, africanos ocidentais começaram a comprar roupas de segunda mão dos ocidentais e revender em grande mercados, porque eram vistas como roupas de alta qualidade e era uma forma dos africanos ocidentais adotarem a estética cool americana — Nike, adidas, etc — por apenas alguns dólares. Segundo, a indústria têxtil africana passou repentinamente a ter que competir com os mercados internacionais e, por serem ineficientes e com uma infraestrutura ruim, as fábricas começaram a fechar. O fato de que essas duas coisas aconteceram simultaneamente deu origem ao mito que o mercado de roupa de segunda mão fez com que as fábricas fechassem.

Os governos da África ocidental até já sugeriram banir as roupas de segunda mão. Se isso acontecer, os africanos ocidentais não irão milagrosamente voltar a comprar roupas tradicionais de algodão feitas na própria África ocidental. Vão comprar ainda mais importações asiáticas super baratas, assim como fazemos. As roupas de segunda mão, o mercado interno produtor e as importações asiáticas suprem necessidades distintas dos consumidores afro ocidentais, que querem “estar na moda”, assim como eu e você. Além disso, os mercados de segunda mão geram renda para vários afro ocidentais e sustenta o mercado de alfaiataria.

No entanto, preciso contrapor essa afirmação ressaltando que o Haiti produz as mesmas coisas que doamos, como camisetas. Então pode ser que a nossa roupa de segunda mão esteja afetando negativamente essa economia, apesar de que o Haiti tem tantos problemas econômicos que é difícil separar apenas uma causa. Mas posso te dizer que quando estive visitando a República Dominicana mais cedo esse ano, descobri que lá existe um próspero mercado de roupas de segunda mão, assim como uma grande base produtora de roupas — é o terceiro maior setor econômico, atrás apenas de remessas e turismo, maior até do que a agricultura. Esse mercado vivenciou uma queda nos últimos dez anos, mas de acordo com essa análise, foi decorrente dos “custos elevados da eletricidade, custos de transporte interno, custos de transporte marítimo e taxas alfandegárias. Mas o fator mais importante contribuindo para essa mudança foi a cessação progressiva do Acordo Multifibras (MFA) que… estabelecia limites, chamados de quotas, no volume de roupas e tecidos produzidos fora do país (que os EUA e Canadá) permitiam a entrada no país de algum outro país produtor específico. Uma vez que o MFA expirou, a República Dominicana não conseguiu competir com a produção de roupa mais barata da China, Hong Kong, Vietnã e Bangladesh, perdendo grande parte da sua parcela de mercado no contexto americano. Percebam que o mercado de roupas de segunda mão não é listado como culpado, mas sim a moda.

3. Apenas os mais privilegiados podem participar no movimento pela moda sustentável

Já que estamos falando de roupas de segunda mão, vamos abordar essa acusação, que frequentemente é GRITADA no setor de comentários da Refinery 29. Sim, eu sou privilegiada. Mas também conheço cerca de 25 lojas na cidade onde você pode encontrar moda sustentável e de alta qualidade por valores de 5 a 30 dólares: Beacon’s Closet, Buffalo Exchange, 10 Ft. by Stella Dallas, Housing Works, Goodwill, Salvation Army, Second Time Around… sim, estou falando de lojas de roupas de segunda mão. A moda de segunda mão é uma ótima forma de consumir uma moda econômica, quatro vezes mais ética e sustentável:

  • O seu dinheiro vai para uma instituição de caridade ou negócio local ao invés de uma cadeia de fast fashion;
  • Nenhum recurso está sendo explorado para fazer a sua roupa;
  • Ninguém foi explorado para que aquele item chegue até você;
  • Provavelmente é uma moda local, trazida por alguém do mesmo bairro ou cidade, então a pegada ecológica relativa ao transporte é quase nula;
  • Você está mantendo algo longe dos aterros sanitários.

E eu prometo, não são roupas ruins. Lojas como Beacon’s e Buffalo Exchange são extremamente seletivas na sua curadoria. Rejeitam qualquer coisa que tenha manchas ou esteja danificado, que esteja fora de moda e até mesmo que seja fast fashion barato. Frequentemente eu passo para ver o que eles têm e saio com algumas blusas lindas ou itens divertidos e atuais para uma viagem, ainda com as etiquetas, tudo por um preço de fast fashion. É sério, você pode ser exigente.

Além disso, quando eu falo para as pessoas explorarem seus guarda roupas para serem mais sustentáveis, meus primeiros 4 passos não envolvem gastar dinheiro Na verdade, eles envolvem economizar dinheiro! Só no último passo que lhes digo para sair às compras, e fazê-lo de forma consciente, lembrando do custo por uso e o valor de revenda.

Uma vez, a Lona da StyleLend me ensinou um ditado “Sou muito pobre para comprar coisas baratas” que significa que é um desperdício de dinheiro comprar coisas que vão estragar depois de poucos usos. Compre itens de alta qualidade, de segunda mão, moda atemporal e você não vai apenas ser super sustentável, mas também super econômico.

4. A indústria da moda é a mais poluente do mundo.

Amplamente desmentido. Na verdade é a 5a indústria mais poluente do planeta se estiver falando de emissão de carbono.

5. Se as empresas produzissem apenas dentro dos Estados Unidos, todos os problemas estariam resolvidos.

Sim, produzir nos Estados Unidos é melhor em relação a proteção ambiental. A fiscalização da nossa Agência de Proteção ao Meio-Ambiente (EPA) está longe de ser perfeita (a União Europeia nos supera em vários pontos) mas é muito, muito mais robusta do que em qualquer país asiático, onde rios em áreas de produção fabril de roupas são desprovidos de vida, com espuma e detritos tóxicos. Mas tem um detalhe: a produção têxtil Americana não é só muito mais cara, por causa do nosso salário mínimo, como tem a reputação entre os insiders do mercado de ser de baixa qualidade. Muitas startups de moda bem intencionadas tiveram dificuldades em produzir nacionalmente, receberam muitas reclamações dos clientes pelas peças inconsistentes, de baixa qualidade e acabaram desistindo e adotando o Vietnã ou a América Latina, onde conseguem acessórios e roupas de maior qualidade por um custo menor. Ou então simplesmente encontraram sucesso e cresceram além da capacidade produtiva de Nova York e LA.

Além disso, o que aconteceria com as milhões de mulheres asiáticas que trabalham na indústria têxtil na Ásia se nós, de alguma forma, absorvêssemos toda a produção? Esses empregos, apesar de serem perigosos e exploratórios, representam um passo à frente da pobreza rural e do casamento forçado para muitas dessas jovens. Representam um sonho. A solução não é parar a produção na Ásia completamente, mas sim encontrar meios de melhorar as condições de trabalho e remuneração nesses países.

6. Roupas feitas na China são baratas e de baixa qualidade.

Já que estamos falando de Ásia, isso costumava ser verdade, mas já não é. Salários da China cresceram ao ponto de, hoje em dia, as roupas confeccionadas no país serem medianas, sofisticadas e de luxo. A China investiu pesado nas últimas tecnologias necessárias para criar roupas e acessórios elaborados e de alta qualidade. Grandes marcas de moda sustentável enfrentam um grande desafio, pois encontraram fábricas com produção responsável por lá e ainda assim consumidores se enfurecem pelo que percebem ser uma opção gananciosa e pouco ética da marca. Sim, as proteções ambientais na China ainda não são ótimas, mas se você lê made in china em uma etiqueta já não pode mais assumir que é a escória da moda.

7. Couro vegano é eco-friendly.

Não necessariamente. Pode ser bastante tóxico e é definitivamente sintético de alguma forma. Existem algumas opções eco-friendly como o Pinatex. Mas sempre dê uma segunda olhada e faça perguntas.

8. Roupas feitas de fibras naturais podem ser utilizadas na compostagem.

Muito raramente isso é verdade. Algodão, linho, seda e outras fibras naturais passam por um processo intenso onde são tingidos com tintas tóxicas, banhados em químicos e finalizados com ainda mais químicos tóxicos. Você não vai querer colocá los na sua pilha de compostagem do seu jardim, a não ser que sejam de material 100% natural, de uma cor natural como bege ou off-white, venham de uma companhia sustentável e transparente, e tenham a certificação Oeko-Tex. Ou seja, esquece.

9. Empresas com modelos um por um, ou com elementos de retribuição social, são eco-friendly.

Esses são dois conceitos completamente diferentes. Um é sobre uma marca que doa dinheiro ou itens para pessoas menos privilegiadas. O outro, é sobre uma peça que é menos tóxica, envolve menos emissões de gases de efeito estufa, tem longa durabilidade e é confeccionada de uma forma ética e pode ser descartada de forma responsável. Uma marca pode doar uma parcela da sua receita para uma organização de amparo a mulher e ainda vender acessórios de PVC, tóxicos, de baixa qualidade, produzidos em uma fábrica no Camboja. Ainda por cima, existem crescentes indícios de que o modelo um por um nem sempre funciona.

10. Devíamos cortar o poliéster completamente por ser um produto sintético e a base de petróleo.

Te desejo muita sorte nessa empreitada.

11. Como consumidor você tem o poder de mudar a indústria da moda para melhor (subtexto: a culpa é sua).

Muitos dizem “Cada compra é uma escolha moral” e “Você tem o poder, como consumidor, de mudar o mercado”. Essas afirmações assumem duas coisas: que você consegue fazer uma escolha mais ecológica e ética, e que as empresas vão perceber que você está fazendo essa escolha.

Acho que já entendemos que nós, como consumidores, nem sempre sabemos qual é a escolha mais ecológica. É muito difícil acompanhar toda a informação dessa indústria que muda tão rápido. A Nike é boa ou ruim? E a H&M? Pera, a moda contribui para o desmatamento da floresta amazônica? Existe trabalho escravo em Los Angeles? Couro vegano pode ser tóxico? Fibras naturais podem ser tóxicas? Aff.

Ainda por cima, 98% do que somos expostos não é eco-friendly. Precisamos nos tornar imunes à propaganda e buscar a opção ecológica, o que é uma batalha constante.

E como as marcas devem saber que você as está evitando por não serem ecológicas? Você entra nas lojas e diz “Eu ia comprar aqui, mas vi que seus itens são feitos em Bangladesh”? Você acredita que quando você enche uma vendedora de perguntas ela liga para o CEO e conta “ Olha, teve um consumidor hoje que ficou me perguntando sobre onde as nossas roupas são feitas e acho que precisamos trabalhar nisso”? Você acha que Forever 21 repara quando você deixa um comentário malcriado na sua página do Instagram, no meio de uma enchente de 185 comentários dizendo “Nossa!” e “EU PRECISO DESSA CALÇA”? A Forever 21 está cagando para o que você pensa.

Eu acredito que hoje em dia empresas podem notar que alguns clientes se importam, quando os seus feeds ficam inundados com a hashtag #whomademyclothes. Mas estamos em um momento estranho. Não acredito que o consumismo consciente realmente funcione, mas ao mesmo tempo, não tenho outra alternativa. Não existe uma proposta de legislação sobre a qual você possa ligar para os seus representantes. Não existe uma ONG para qual você possa doar, a não ser o Greenpeace e NRDC, porque uma pequena parcela de seu orçamento vai para consertar a indústria da moda. O poder, no momento, é dos governos e das multinacionais. Ponto. A única forma que isso vai melhorar é se mais empresas participarem de coalizões para confecções sustentáveis, os governos sul asiáticos pararem de serem tão corruptos e investirem em infra estrutura, governos ocidentais encontrarem uma forma de incentivar e legislar a as práticas de moda sustentável para que se tornem a norma, e que ONGs relevantes comecem a atacar esses problemas com a mesma ferocidade que lidam com outros problemas ambientais.

Tudo isso para mostrar que a culpa não é sua, então não se sinta culpado por não estar salvando o mundo sozinho.

12. A única coisa impedindo as empresas de pagarem mais aos seus trabalhadores é ganância.

“E se mexessem nos milhões que gastam em propaganda?” esse foi um tweet que recebi quando tweetei sobre os desafios da H&M para aumentar os salários dos trabalhadores das fábricas no sul da ásia. Por baixo deste tweet tem a premissa de que a H&M pode transferir o dinheiro de propaganda para o seu orçamento de produção, e então, pagar mais aos funcionários.

Isso seria verdade se a H&M fosse dona de fábricas (o que é uma questão que gostaria de explorar mais), mas ela não é. Frequentemente eles compartilham as fábricas com múltiplas marcas. Então por mais que possam influenciar os salários, eles não podem estimulá-los. Eles poderiam dizer “Oi, dono da fábrica, a gente gostaria que você pagasse mais aos seus funcionários, então vamos te pagar um dólar a mais por item produzido”. Talvez a fábrica baixasse a cota de peças produzidas por dia para os seus funcionários, mas apenas quando estiverem produzindo para a H&M, e não quando estiverem produzindo para o Walmart, Children’s Place ou Forever21. Em média, as fábricas fornecedoras da H&M pagam mais que o salário mínimo dentre os nove países fornecedores. Também é possível que os donos das fábricas (que não são anjos, veja só o dono da Rana Plaza) embolsariam o dinheiro e continuariam pagando os seus funcionários o que é legalmente estipulado e nada mais; ou embolsá-lo e subcontratar outra fábrica exploratória de qualquer forma.

A estratégia da H&M então é, como descrito neste relatório de sustentabilidade, trabalhar com os governos e outras grandes marcas para aumentar e reforçar o salário mínimo, educar os trabalhadores sobre os seus direitos, encorajar a sindicalização e barganha coletiva. Esse é o trabalho difícil, detalhado e complexo que contraria uma solução simples.

13. Na verdade, todas as grandes empresas de moda são más e é por isso que ainda não são sustentáveis.

É um pouco mais complicado que isso.

14. Moda sustentável é feia.

Sério? Você já entrou nesse site antes? Por favor né?

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