OVNE entrevista Carolina Bergier

Conheça a facilitadora de processos vocacionais, empreendedora da Casa Sou.l e co.criadora do primeiro Curso AHLMA, o OHBRA.

OVNE Entrevista
OVNE
8 min readAug 22, 2017

--

Quando Carolina Bergier conheceu a Academia da AHLMA, ainda em obras, e soube tudo o que ia rolar por ali — da lavanderia ecológica às coleções gender free — foi lhe vivendo uma coisa. Quis colocar seus dons e talentos a serviço do projeto, co.criando com a marca uma experiência de três dias sobre a obra que precisamos viver para mudarmos a estrutura das coisas. Em um momento do mundo que pede obras profundas, que obra estamos criando? Que legado estamos deixando? Essas e outras perguntas, ela nos ajuda a começar a responder, aqui embaixo, para já.

Não é sobre uma marca de moda

“O curso nasceu de um encantamento com a materialização de tantos conceitos importantes aqui na AHLMA. Há muita coisa para se comunicar — tanta, que a gente entendeu que cabia à experiência de marca ser também um processo educacional. Há anos de estudos e vivências por trás do projeto, e o OHBRA, de certa forma, é como uma tag completa que não coube em uma etiqueta de roupa. Entendemos a necessidade de nomear os conceitos e a importância de, nesse momento do mundo, nos responsabilizarmos pela nossa estada na vida, simplesmente porque se não cuidarmos agora, não vai ter depois. Esse curso é uma maneira de honrar a nossa existência na Terra e dizer “embora possa ser desafiador, nós gostamos de viver essa experiência, e gostaríamos de continuar aqui”.

Nem sobre criar uma marca que cuida do mundo

É sobre se comprometer a cuidar do mundo. E mudar a frase você trabalha com o quê? para você cuida de quê?.

“Não temos mais tempo de abrir um departamento de responsabilidade social em uma empresa. Responsabilidade — palavra que vem de habilidade de responder — precisa ser uma virtude comum a todos os negócios. Assim, o curso foi construído de fora para dentro e terá três momentos: o de olhar para dentro e descobrir o que faz sentido a nível individual; o de investigar como uma empresa pode e precisa se responsabilizar pelo que faz; e o momento de comunicar tudo isso. Tudo comunica. E para você poder comunicar, primeiro você precisa ser. Vivemos um tempo muito conectado à coerência, de forma que é muito fácil perceber quando uma marca é incoerente e fala da boca para fora. Também não é mais sobre sustentabilidade. Gostamos de trabalhar com a ideia de regenerar (a vida na terra), criar mais vida, porque sustentá-la já não é o suficiente”.

Não é (só) sobre fazer o que se ama

Mas colocar os nossos dons e talentos a serviço do outro.

“Não vamos dar conta de, individualmente, solucionar os problemas do mundo, tão complexos. Uma só cabeça não tem a capacidade de gerar as transformações necessárias hoje, e por isso precisamos, a partir do despertar dos propósitos individuais, nos reunir em grupo e conectar uma inteligência coletiva que possa cuidar do que está acontecendo. Desde que propósito se tornou essa palavrinha que a gente usa tanto — praticamente a nova sustentabilidade — tenho percebido um certo egoísmo no ar, no sentido de que somos universos muito amorosos para nos doarmos só para nós mesmos. Podemos espalhar a essência de amorosidade que somos colocando nossos dons e talentos a serviço do outro também”.

Não é sobre largar tudo

É sobre criar as condições necessárias para que você possa se ofertar para o mundo.

“Eu não sou militante do pedido de demissão e vejo muita relevância no intraempreendedorismo, que é o empreender dentro de uma empresa.
É servir um vetor de transformação, seja você CEO ou estagiário. Temos organizações onde isso é mais fácil de ser feito, que já nasceram com o propósito de regenerar a vida; e temos todas as outras, que nasceram na competição, no ganha-perde e no comando e controle, onde consiste o maior desafio. Muitas vezes não é só uma questão de o mundo precisa que a gente faça diferente, mas dos próprios colaboradores dessas empresas já não estarem mais aguentando e já não verem sentido nesse formato. Mas para mudar o curso desses Titanics, precisamos criar as condições necessárias, encontrar pares que nos ajudem a fazer esse movimento. Da minha perspectiva, isso me remete ao que eu chamo de transbordamento, que é você viver tanto a sua própria verdade que o outro não tem nem como discordar”.

Não é sobre verdades absolutas

Mas sobre algo que é tão, mas tão verdadeiro para alguém, que as relações mudam de nível e deixam de ser sobre concordar ou discordar.

“É muito interessante porque, embora a gente fale de coisas muito práticas, exercícios, frameworks, existe uma magia que vem desse lugar de naturalmente vibrar quem se é. Deixar legado é também materializar o espírito de alguma forma, e não ficar só no papo harebô de meditar para mudar o mundo. Meditar é sim muito importante, mas vivemos na matéria e as empresas e organizações fazem parte dela. Aliás, eu quero mais é colar com quem gosta dessa matéria, do consumo, da estética, e falar ‘olha, tem um jeito de fazer que não é só novo e lindo, mas também cuidadoso e verdadeiro’ e expor todo o sentir por trás desses cabides, por exemplo”.

Não é sobre o que eu vou fazer para sempre

Mas sobre o processo de ser estar no mundo, fiel à própria existência.

“OHBRA também vem de obra de arte — e o que é uma obra de arte? A obra de um artista nunca termina, está em constante transformação e (auto)criação. Então não é sobre encontrar um propósito e dizer cheguei, acabou. Espero que as pessoas venham para o OHBRA com o desejo de se encontrar com o que faz sentido na vida delas agora, e a partir disso, começar a navegar em direção ao que elas têm para ofertar ao mundo. Eu já não acredito mais nesse é isso que eu vou fazer para sempre. Eu posso atravessar a rua, dar de cara com um outdoor e mudar a minha vida, e a minha vida já mudou. Isso de encontrar um trabalho dos sonhos e para a vida toda pode ser muito paralisante. Não adianta querer erradicar a fome na África sozinho. O ideal não existe, precisamos cair na real. O que vai existir é o que é possível agora. Se agora é possível fazer uma coleção de cinco peças com tecidos de reuso, eu vou fazê-la, vou dar esse passo. E vou me fortalecer nesse passo, entendendo o que, dentro de mim, faz sentido ou não. Vou dar esse passo e meu melhor, tudo o que eu tenho, comprometida com o que eu estou fazendo”.

Então não é sobre fazer para ser, mas fazer aquilo que se é

E se deliciar com a liberdade de se saber alguém sempre em (des)construção.

“Tem isso de estar sempre muito conectada ao que a vida dentro de mim me diz e não abrir concessõespara isso. Confiar muito na vida que pulsa dentro de mim, ela é a minha única verdade e garantia, pois posso morrer daqui a um segundo. E perceber que a vida dentro de mim não tem separação da vida fora de mim. Quanto eu me conecto à ela, eu me conecto ao mundo inteiro. Assim, qualquer ação que venha desse lugar é naturalmente uma ação amorosa, do cuidar. Não é sobre o legado que eu deixei para o outro, não é sobre isso. Mas o quanto eu me doei para a vida. O que me faz sentir viva? O que uau, eu poderia estar fazendo mais disso? Nos distanciamos muito desse sentir o pulsar interno, mas o momento de se recolher, inspirar, autoestudar e nutrir é fundamental para que depois a gente possa se expandir. Porque se eu só recebo e não dou, eu não estou sendo fiel à vida. E se eu só dou, sem me permitir acalmar, o meu doar é vazio e repetitivo. Esse de fora para dentro e de dentro para fora é o que o Humberto Maturana chama na sua biologia de autopoiese, é respeitar a vida na sua constante transformação”.

Não é sobre construir alguma coisa

E saber que casa mesmo é onde o coração está.

“Quando abri a Casa Sou.l há quatro anos, achei que aquele era um projeto para sempre e que pra sempre eu faria a curadoria dos cursos de lá. Hoje já não temos casa, seguimos em um formato itinerante, sem o custo fixo de 25 mil mensais e uma equipe de 6 pessoas; eu deixei a curadoria para criar os cursos e empreendo em rede, com ajuda de parceiros sazonais, entendendo que cheguei cheia de certezas, e hoje vivo uma jornada de volta àquilo que é essencial. O que quê é isso que, se eu não fizer, eu não tô viva, sabe? E saber que do jeito que foi, foi perfeito. Só assim eu pude, por exemplo, me encontrar como facilitadora. Entre eu e as pessoas tinha uma casa, e quando ela sai de cena, o projeto vira sobre as pessoas. Quando eu estou na Perestroika, a casa está lá. Quando eu estou na Academia da AHLMA, a casa está aqui”.

“O processo de empreender guarda muitas armadilhas do ego. Muitas vezes, empreende-se para se ser importante, reconhecido, ganhar prêmio, dar palestra. E o que eu tenho compreendido é: não tem problema. Não tem problema se maquiar, se vestir bem, dar palestra. Vivemos em um mundo onde a imagem ainda conta muito, e aí a gente faz o que o Paulo Freire dizia, de falar a língua do outro. O importante é sempre se perguntar de onde isso vem?, eu tô a serviço?. O serviço de alguns de nós, não é de todos, demanda conversar com esse mundo sem se deixar drenar por ele. O meu chamado é ajudar as pessoas a se conectarem com quem elas são e se eu precisar passar rímel, beleza. Eu quero mais é entender o que é necessário para servir, com o cuidado para não perder a verdade”.

É sobre amor.

E ser que se é.

“A gente precisa desapegar para só ir sendo, sem ter que chegar a conclusões. A Ana Thomaz costuma dizer uma coisa que, com a passagem de uma amiga, tem feito cada dia mais sentido: Qual é o objetivo da vida senão aprender sobre si mesmo? Propósito é escolher a felicidade, viver a vida por inteiro, na inteireza do seu ser. E você (também) é amor, cuidado e regeneração. Nós passamos 8 horas por dia trabalhando, mais 8 dormindo, a que horas a gente vai ser feliz e se dedicar a si mesmo? É aí que a gente manifesta o nosso legado. No fundo, no fundo, é muito simples. É poder ser quem você é.

Gostou da entrevista? A Carol, junto do Gab Gomes e do Guilherme Lito, está conosco para facilitar o OHBRA, uma experiência sobre o legado que queremos, com o nosso trabalho, deixar para o mundo. Dias 25, 26 e 27 de agosto, no Leblon. Clique aqui para saber mais e aqui para se inscrever.

--

--