Prem Ramani e o falar a língua das estrelas

OVNE Entrevista
OVNE
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11 min readJul 14, 2017

por Fernanda Cintra

Desde muito jovem, a astróloga védica Prem Ramani se sentia atraída pelos mistérios mais profundos do universo. Como a maior parte das crianças, vivia se perguntando de onde vinha o sol e as estrelas; mas diferente do que se espera, logo aos 11 anos, já se iniciava na astrologia de forma autodidata.

“Eu me interessava muito pelo lado místico das coisas porque tinha acessos internos que só muito mais tarde eu cheguei a compreender do que se tratavam. Pra mim, essa era uma realidade que eu acreditava dividir com todas as pessoas, de lembrar coisas passadas dessa e de outras vidas. E isso me intrigava”.

Ainda assim, paralelamente, outros interesses floresciam. Prem Ramani foi nadadora, tri atleta, escaladora, surfista, mergulhadora, fundou quatro ONGs ligadas à sustentabilidade, visitou ecovilas e iniciativas de educação alternativa por todos os lados, estudou feng shui, cura com cristais, geologia, história, mitologia e tudo mais que a ajudasse a compreender tanto a natureza humana, quanto os aspectos menos visíveis, porém mais essenciais da vida.

Hoje, soma 12 anos de viagens à Índia, dois deles morando lá, em Rishikesh, e agora, Varanasi — onde, ao lado do seu mestre, segue aprofundando seus estudos em astrologia; e cursa filosofia, arqueologia, história antiga e sânscrito na Benares Hindu University.

Prem, em que momento a sua atenção se voltou sobretudo para a astrologia védica?

Há muitos anos, eu já estudava vertentes mais antigas da astrologia, vertentes ligadas a Hermes Trismegisto e a alquimia. Mas foi em 2005, quando fiz minha primeira viagem à Índia, que eu percebi que muitas das coisas que eu havia estudado paralelamente — como geometria sagrada, cura com cristais e o feng shui, que na cultura indiana ganha o nome de vastu shastra — estavam incluídas na astrologia (védica). Feito o primeiro contato, fui para os Estados Unidos buscar professores, como David Frawley, até que finalmente encontrei o meu mestre. Eu pedi muito ao universo para encontrá-lo e de fato, foi só ao seu lado que a profundidade desse conhecimento se ancorou em mim.

E como foi o seu primeiro encontro com a mãe Índia, depois de já ter circulado por tantos lugares e conhecimentos diferentes?

Eu estava muito ansiosa para adentrar os mistérios da Índia, principalmente aqueles ligados aos ashrams e grandes mestres da atualidade. E é claro que eu tinha uma grande expectativa em relação a esse universo. Mas para a minha surpresa, a Índia foi se descortinando de maneira muito inusitada. As pessoas, os lugares e a própria desconstrução que a cultura local me ofereceu, e ainda oferece, são muito interessantes. Conforme você se aprofunda, muitas coisas das quais você já suspeitava começam a se confirmar, e a busca, consequentemente, passa a ser por algo ainda mais essencial, para além da ritualística e da religião.

De alguma forma, a astrologia védica ainda não se popularizou no ocidente, então gostaria que você começasse falando um pouco sobre as diferenças entre as duas linhas.

A origem da astrologia védica é milenar, é a mais antiga de que se tem notícia. Assim como as demais escrituras que compõem os Vedas, ela chegou ao mundo através dos Rishis*, que em estados de meditação e conexão profunda com o universo, decodificaram esse conhecimento. Então tudo foi traduzido em versos e deixado na forma de cálculos para que pudéssemos reproduzir, acompanhar e aferir a interação entre os corpos celestes e os nossos estados internos e externos, o que também se aplica a natureza ao nosso redor.

Ayanamsa, que é a diferença entre o ponto de partida do zodíacos tropical e sideral, devido à precessão dos equinócios, faz com que a base de cálculo sideral (védica), seja distinta da tropical (ocidental), pois computa esses micro ajustes a todo momento. Isso resulta em uma diferença de 24 graus,o que pode fazer com que todos os planetas de um mapa calculado aqui no ocidente mudem de signo. Há outras diferenças mais “sutis”, como a interpretação dos aspectos astrológicos do mapa, que são chamados de yogas, e outras mais óbvias, como os dashas**, o grau de importância dado à Lua, ou ainda, a prescrição de “remédios”. Mas sobretudo, e diferente da astrologia tropical, o entendimento da realidade aqui é muito pautado nas escrituras sagradas, o que inclui, por exemplo, a ideia de reencarnação.

*Rishis são os grandes mestres, sábios e yogis indianos.
**dashas são ciclos planetários de 120 anos, fundamentais para a leitura do mapa, assim como trânsitos e revolução solar.

E você acredita que para se conectar com a astrologia védica é preciso alguma familiaridade com a cultura hindu?

A maneira como as duas astrologias descrevem os signos tem uma mesma qualidade de fundo, mas há algumas correlações e considerações que estão particularmente atrelados à astrologia védica. Jyotish, como é chamada, é considerada a Astrology of the Seers (daqueles que enxergam). Mas de qualquer forma, não é só quem tem essa predisposição filosófica, e até religiosa, específica que pode se beneficiar. Na Índia, inclusive, a astrologia é usada de uma forma muito mais corriqueira. A única afinidade que se faz necessária é na hora da prescrição de remédios, que podem vir na forma de mantras, yantras, gemas astrológicas, gestos de caridade, cerimônias. Existem diversas maneiras de se harmonizar com a frequência que cada planeta filtra e transmite das constelações, e esses remédios nos favorecem como o diapasão favorece a música, agindo no nível sutil como a homeopatia e a acupuntura. Há quem julgue ou ache esquisito, mas isso se traduz da seguinte maneira: há muitos tipos de prescrições, portanto, a sugestão é escolher dentre aquelas compatíveis com a nossa cultura e que respeitam o nosso sistema de crenças.

Mas é possível encontrar correlações entre as astrologias? Eu, por exemplo, tenho sol em sagitário, mas na astrologia védica, o meu sol é em escorpião. Por outro lado, o meu mercúrio também muda, de capricórnio para sagitário, o que me faz pensar que a minha verve sagitariana possa estar muito mais relacionada à minha forma de pensar, do que à minha “essência” propriamente dita.

Essa pergunta é relevante, pois Vênus, e sobretudo Mercúrio, estão muito próximos do Sol, exercendo uma forte influência sobre o nosso senso de identidade — ainda mais em uma era tão voltada para a comunicação, onde as pessoas estão tão ligadas ao que pensam, falam e ao modo como se relacionam. Pode ser que você possua Sol, ascendente e mercúrio nos mesmo signos, nos dois mapas; pode ser que apenas um mude; pode ser que os três sejam diferentes. Mas, como aconteceu com você, pode ser que, o que você antes identificava como uma nuance essencial da sua personalidade, esteja mais para um padrão intelectual, para a forma como você percebe a realidade, planeja e raciocina. O mais importante é se dar a oportunidade fazer esse tipo de aferição internamente.

Eu vejo que, cada vez mais, a palavra karma tem se difundido, muito embora nem sempre sob a mesma percepção do que é, afinal, o karma. Você pode falar um pouco sobre isso do ponto de vista védico?

Excelente pergunta, porque de fato isso tem acontecido e nem sempre as pessoas interpretam o karma de acordo com o sistema de crenças que, prioritariamente, se utiliza no oriente. Mas isso não é nada impeditivo para que a gente alcance uma compreensão mais profunda do que são esses ciclos expandidos de vida. Antes de qualquer coisa: todo mapa é kármico. Do ponto de vista astrológico, nós nascemos com uma configuração específica, resultado daquilo que se conseguiu amadurecer ou daquilo que se deixou de integrar nos ciclos passados. Todo mapa é fruto do desenho do karma de uma pessoa que nasceu — se você não tem karma, é porque não nasceu, ou porque é um santo iluminado, um mestre, um avatar. Mas isso é raro, na grande maioria dos casos, chega-se ao mundo para lapidar o que deixou de ser integrado ou para se aprender os conteúdos mais essenciais, como o amor incondicional, a humildade e o altruísmo. São valores universais que independem de religião, tempo e espaço, e estão profundamente ligados a ideia de karma. Viver a experiência terrena, nesse quadrante do universo, é viver regido por algumas leis, entre elas, a de causa e efeito. Mas o objetivo final da existência é a consciência da unidade, e enquanto existirem distorções sobre essa consciência, lá estará o karma.

Então o karma não tem a ver com punir, pagar, sofrer.

O karma está a serviço, distribuindo os ensinamentos necessários e dando a oportunidade de entrar em contato com o que precisa ser integrado. É uma oportunidade. Não uma forma de punição, pagamento ou barganha — como se tivéssemos esse controle, e esse é mais um equívoco do processo de amadurecimento espiritual. Da mesma forma, o foco não é se debruçar sobre o passado kármico quando se quer adentrar o estudo de si próprio. É claro que o que você traz de bagagem é relevante, mas por outro lado, cavar memórias kármicas pode ser muito delicado. Outro equívoco comum é julgar determinadas condições como bom ou mau karma. Por exemplo, se uma pessoa é bonita, diz-se que ela tem um bom karma. A beleza pode sim ser o reflexo de um certo refinamento, por outro lado, para muitas pessoas poderem entrar em contato com aspectos menos materiais da vida, nascer sem uma beleza física pode ser muito positivo.

Isso é muito interessante, porque em geral, somos muito bons em julgar e acabamos julgando até os planetas, a exemplo do senhor Saturno.

Sim, saturno é um bom exemplo. Mas a astrologia não é inquisitiva, avaliadora, nem julga quem é bom ou mau. Você pode observar se alguém carece de força de vontade, objetividade, caráter, mas julgar do ponto de vista kármico jamais. É preciso que se tenha maturidade para entender toda a sabedoria e os conceitos acerca da realidade do karma.

Também percebo que, a cada dia, o número de pessoas interessadas em astrologia, e que até a estudam de forma bastante informal, tem crescido, mas o número de astrólogos não necessariamente. Nos acostumamos a “culpar” mercúrio retrógrado e a arriscar palpites sobre o que a lua ou ascendente representam nos mapas dos nossos amigos. Mas, isso pode ser perigoso, certo?

Eu acho que, atualmente, essa é a maneira predominante de se adentrar o conhecimento de forma geral, e não se aplica somente à astrologia. É uma questão geracional, sobre como o acesso à informação tem sido disponibilizado, o que faz com que muitas pessoas se sintam especialistas nos assuntos mais variados. Isso acontece com a filosofia, com a medicina. Mas a astrologia védica é um sacerdócio, e pressupõe muitos graus de aprofundamento que variam conforme a prática espiritual e a maneira de viver do estudante. É um estudo que exige capacidade de síntese, conhecimento técnico e intuição qualificada — o que vai muito além do “acho que hoje vai chover” ou “acho que essa pessoa não é boa companhia”. Ela vai além do que diz respeito a você e se põe a serviço do outro, afinal, se a astrologia é uma ferramenta de autoconhecimento e requer auto responsabilidade, é preciso que se dê autonomia ao dono do mapa. Sobre mercúrio retrógrado, se uma pessoa com tendências mais pessimistas lê que essa condição resulta em uma certa dificuldade intelectual, ela pode passar a se justificar ou autoestigmatizar. Isso pode se tornar um cacoete, uma desculpa, ao invés de uma oportunidade de se autoconhecer.

Então, nesse sentido, a internet pode atrapalhar.

É, a internet nem sempre é a forma mais adequada de se adentrar esse estudo. Os mestres antigos não eram bobos, não ensinavam quase ninguém. Não porque as pessoas não são qualificadas, mas para que elas tenham o empenho em se tornar. Para que compreendam e tenham respeito pelo conhecimento ancestral. De outra forma, podem cair em equívoco. Você não dá uma faca na mão de um bebê, não por achar que um bebê é incompetente, mas por entender que a capacidade de corte da faca é superior à capacidade do bebê de discernir.

Mudando um pouco de assunto, você pode me contar como foi o encontro com o seu mestre?

Eu acho que a vida tem sido a minha grande mestre, apesar de ter buscado e encontrado, com o passar do tempo, diversas pessoas que eu interpretei e acolhi no meu coração, na minha busca pela verdade, como meus mestres. Mas encontrar o meu mestre de astrologia, Sri Surendra Nath Dubey, foi um grande presente, até porque a própria prática exige que o astrólogo dialogue com outra pessoa, e assim, possa se conhecer melhor. E a cada dia eu também o conheço melhor, pois quando comecei a estudar com ele, não sabia sequer da sua importância. O nosso encontro foi um divisor de águas, que me fez entender que o mais importante não é a astrologia em si, mas a necessidade de ser um ser humano consciente o suficiente para se tornar astrólogo. E isso ele me ensina passando a roupa de escola da netinha, ou atendendo grandes políticos, personalidades e pessoas humildes com a mesma disponibilidade. Ele é um ser humano muito simples e profundo, que nos ensina a ter bastante compaixão e a favorecer o outro para que ele possa manifestar o seu melhor.

Isso é lindo. A sua fala me remete a um lugar de equanimidade, e por isso eu gostaria de saber se hoje, do lugar onde você está, e diante de tudo que você já viveu, você acredita que conseguiu atingir uma compreensão mais profunda da natureza do universo — essa compreensão pela qual você já sentia atraída desde muito cedo.

Hoje eu vivo uma fase de esvaziamento. A vida — Deus, Deus dentro de mim — quis que eu viesse morar em um lugar onde tudo é muito desconstruído, o que tem sido benéfico para esse processo. Hoje eu sinto uma conexão que eu jamais poderia imaginar sentir no passado. A maneira como estamos no mundo é muito mais importante do que o que quer que estejamos fazendo. Essa equanimidade que você mencionou é fruto de uma compreensão tanto simples quanto vasta da existência. Eu aprendi muito durante as minhas viagens à Índia, e a outros lugares, o que me exige um desprendimento material muito grande, o que inclui até a cama que eu durmo — que ora é muito dura, ora é muito mole. Estive em muitos lugares sagrados. Assisto a multidão, e a multiplicidade dos seres humanos, me tocar com a sua beleza, e cada vez mais, a minha necessidade de controlar o que quer que seja vai diminuindo.

E a leitura do seu próprio mapa também colaborou com o seu processo?

Durante alguns anos de estudo, eu costumava sonhar com aspectos do meu próprio mapa, chegavam até mim elucidações a respeito dos meus padrões internos. E continuam chegando, às vezes na forma de meditação. Com o tempo eu também aprendi que para ir adiante no estudo astrológico era necessário entrar em contato direto com o cosmos. Não podemos aprender astrologia no seu nível mais elevado sem fazer isso: eu medito na lua e a lua me ensina coisas. É um caminho, e eu continuo caminhando.

Gostou da conversa? No próximos sábado, dia 24 de junho, aprofundaremos o papo em uma palestra com Prem Ramani na Academia da Ahlma (Rua Carlos Góis 208, Leblon), no Rio de Janeiro, às 15h. Ela também estará atendendo na cidade até o dia primeiro de julho — inscrições pelo e-mail premramanirio@gmail.com.

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