Wabi Sabi: a arte e a beleza da imperfeição

História original publicada no Review Slow Living, por Bruna Miranda

OVNE História
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8 min readJul 13, 2017

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“Wabi Sabi é a beleza das coisas imperfeitas, impermanentes e incompletas.
É a beleza das coisas modestas. É a beleza das coisas não convencionais”.

Olhar para o dia a dia, para o lugar comum, e encontrar mágica no corriqueiro — um lembrete de que nada na vida é perfeito. Encorajar uma maneira intuitiva de ver que envolve se tornar consciente de quais são os momentos que tornam a vida rica e prestar atenção aos simples prazeres que são, facilmente, ofuscados pelo caos e excessos de nossa sociedade.

Você já deve ter ouvido falar do wabi sabi, uma visão de mundo inspiradora que se refere a um conceito japonês baseado na aceitação da transitoriedade. Abrangente e compreensivo, tem como origem o Zen Budismo e sua primeira nobre verdade: Dukkha, ou, em japonês, Mujyouimpermanência. O conceito surgiu nas cerimônias do chá (Chanoyu) onde o menos significa mais.

“Dê boas-vindas à imperfeição. A vida é passageira e transitória”.

Essa filosofia — e também a sua estética — se casa com muita harmonia ao slow living: ao focarmos nossas atenções e atitudes em valores mais reais e significativos, nos conectamos ao wabi sabi, que cultiva tudo que é autêntico ao reconhecer três realidades simples: nada dura, nada é completo: nada é perfeito.

Ainda sobre o slow living e os conceitos que se relacionam com ele, o Japão e a cultura oriental, em muitos aspectos, são fontes incríveis de inspiração. Podemos notar a essência do wabi sabi em várias artes japonesas como o Ikebana — arranjos florais, os jardins zen japoneses, o bonsai, a cerâmica japonesa e a já falada cerimônia do chá. De acordo com Leonard Koren, autor do livro Wabi-Sabi: for Artists, Designers, Poets & Philosophers, o wabi sabi é a mais notável característica que abrange o que pensamos sobre a beleza tradicional japonesa e ela ocupa por lá, por exemplo, a mesma posição de valores estéticos que acontece no ocidente através dos ideais gregos de beleza e perfeição. Ele analisa também que “A grandeza existe no imperceptível e nos detalhes negligenciados. Wabi sabi representa o exato oposto da beleza percebida como algo monumental, espetacular e duradouro. Ele é sobre o secundário, o escondido, a tentativa e o transitório, coisas tão sutis e instáveis que são invisíveis aos olhos medíocres”.

O conceito segue uma estética de simplicidade e valores conectados à natureza que se revelam somente quando conseguimos desapegar, mesmo que aos poucos, dos valores distorcidos que o mundo acelerado, consumista e competitivo nos impôs, sempre nos pressionando para a perfeição, para o ter para ser e para a juventude a qualquer preço. Reside nos detalhes discretos e esquecidos e é preciso ter humildade, sensibilidade e compreensão para captá-lo.

A essência do wabi sabi é que a beleza real, venha ela de um objeto, da arquitetura ou de uma arte visual, não se revela até que o caminhar do tempo tenha acontecido. Um metal enferrujado, por exemplo, tem uma essência que falta em um material novo e polido. A beleza está nos arranhões, nas áreas desgastadas e nas linhas imperfeitas.

A filosofia do wabi sabi abrange tanto as coisas naturais, orgânicas, quanto os objetos feitos pelo homem. Da espiritualidade até as questões de comportamento, hábitos de vida e estética. Se um objeto ou expressão consegue trazer em nós um senso de melancolia serena, intimidade e um anseio espiritual, então isso pode ser considerado wabi sabi. Grande parte de sua essência vem de qualidades intangíveis que giram fortemente em torno de uma experiência. Talvez seja resultado de suas origens e da língua japonesa, que descreve as experiências sensoriais metaforicamente como se fossem poesia, uma linguagem que comunica as emoções do coração com a clareza de sua imprecisão.

A ideia dessa filosofia também fala em aceitar como é o que não pode ser mudado. Diferentemente dos ideais ocidentais que focam basicamente no progresso e no crescimento como componentes imprescindíveis para a vida diária. A natureza fundamental do wabi sabi é sobre o processo, não o produto final; sobre o declínio e o envelhecer, não o crescimento. Esse conceito pede a arte da lentidão, do desacelerar, e uma boa vontade em se concentrar no que é geralmente deixado de lado: as imperfeições e as marcas que registram a passagem do tempo. Um antídoto perfeito para o estilo corporativo de beleza, que é invasivo, raso e escorregadio.

Wabi sabi é otimista. É ver beleza onde pessoas menos criativas enxergam defeitos. A experiência de wabi sabi exerce uma busca pela beleza onde já não se torna suficiente só olhar, é preciso ter o tempo para ver. Não se deixe usar a palavra beleza com pressa, porque há uma importante auto-jornada para encontrar e apreciar o que está mais escondido. Isso promove as virtudes de sermos pacientes.

Dentro da imperfeição abordada pelo wabi sabi, entram ainda a assimetria, a irregularidade e a modéstia como atributos de beleza. Uma simplicidade funcional onde a forma é ditada pela função e reduzida à sua disposição mais simples. E dá pra falar ainda mais: wabi sabi é apreciar os ciclos naturais da vida.

O termo não possui uma tradução concreta em português ou em qualquer outra língua no mundo. Em uma tradução livre, podemos dizer que wabi é a simplicidade rústica, uma elegância discreta, frescor e quietude. Pode também se referir a acidentes ocorridos no processo de construção que conferem singularidades ao objeto. Sabi é a beleza ou serenidade que vem com o tempo, quando a vida do objeto e sua impermanência são evidenciados pelo desgaste ou por qualquer conserto visível, as rugas do tempo, objetos irregulares e despretensiosos. Uma beleza escondida bem na frente dos nossos olhos. É conseguir ver essa beleza em tudo, até nas coisas mais insignificantes da vida, mesmo que estejam repletas de falhas e rachaduras.

Sabi é uma palavra originada na poesia japonesa. Ela expressa o sentimento que temos no outono quando os pássaros migram e as folhas estão caindo. É uma espécie de anseio por sombra que é percebido pelas cores suaves e o aroma de terra de uma floresta que se prepara para o inverno.

Quando os japoneses reparam objetos quebrados, eles enaltecem a área danificada preenchendo as fissuras com ouro. Eles acreditam que, quando algo sofre um dano e tem uma história, torna-se mais bonito. Essa arte tradicional japonesa de reparação da cerâmica quebrada com um adesivo forte e o spray imediatamente após a cola, com pó de ouro, chama-se Kintsugi. O resultado é que as cerâmicas não são apenas reparadas mas tornam-se ainda mais fortes do que seu estado original. Ao invés de tentar esconder as falhas e fissuras, elas são acentuadas e celebradas como as que se tornaram, agora, as partes mais fortes da peça. Kintsukuroi é o termo japonês para a arte de reparar com laca de ouro ou prata, o que significa que o objeto é mais bonito por ter sido quebrado.

Como é importante também entender que os vínculos fissurados ou quebrados dos nossos corações podem ser reparados com amor e se tornarem, assim, mais fortes. A idéia é que quando algo valioso se quebra, um bom caminho a seguir é não esconder a sua fragilidade e nem sua imperfeição, mas sim repará-lo com algo que toma o lugar do ouro, como o vigor, a virtude… Isso mostra as imperfeições e fragilidades mas é também uma prova de resiliência: a capacidade de recuperar-se, algo digno de muita consideração.

Voltando ao wabi sabi, em termos mais coloquiais, ele é o pacote completo do inevitável: admite o defeito e revela a história, o desgaste e o sofrimento. Tipo quando você pendura uma foto no seu banheiro e o vapor faz suas pontas curvarem, isso é wabi sabi. Quando a pintura da porta descasca, uma aranha faz uma teia no canto da sua garagem ou a xícara de chá de sua vó ganha rachaduras que parecem fios de cabelo depois de três gerações de uso, isso é wabi sabi. Mais na prática: sabe aquela xícara que você ama e quebrou? Que tal colar os pedaços e valorizar a história daquela peça ao invés de simplesmente a jogar fora?

Wabi sabi é, sem dúvidas, uma linda sugestão para treinarmos e colocarmos em prática. Das possibilidades universais a um aspecto bem pessoal, em tudo na vida. É aprendermos a aceitar a nós mesmos e a evitar cobranças (internas) abusivas, mesmo com nossas falhas e fragilidades. Todos somos imperfeitos e essa imperfeição faz parte do nosso ser e de nossa alma.

Leonard Cohen resume bem a ideia: “Existe uma rachadura em tudo. É assim que a luz consegue entrar”.

Wabi sabi em casa

Na decoração, o conceito sugere espaços aconchegantes em tons naturais, calorosos e minimalistas, com um lado rústico mais forte ideal para criar um contraste com peças, mobiliários e ainda uma arquitetura mais modernos. Elementos naturais são mais do que bem vindo, somados a objetos especiais, feitos à mão, e peças vintage. Objetos com significados e imperfeitos.

Rituais de bem estar

As cerimônias de chá japonesas simbolizam a pureza e simplicidade, o que são evidentes também nas peças usadas para beber, feitas à mão. Tradicionais ou não, as xícaras, tigelas e outros objetos do tipo acrescentam um enorme valor a qualquer cozinha e seus momentos.

No guarda-roupa

Apreciar as roupas que já temos e valorizar nossas peças que já acumulam histórias. Valorizar o feito à mão e o que usa matérias primas naturais. Já parou pra pensar que um pequeno sinal de desgaste pode significar uma roupa com mais identidade?

Na cozinha

Seja sobre comer mais alimentos frescos e integrais ou dar preferência às cerâmicas mais artesanais e utensílios de madeira, a cozinha é um lugar ideal para o wabi sabi. Lembre-se sempre de celebrar a energia vibrante que vem dos alimentos que nos fazem bem, do ato de cozinhar sem desperdícios e de compartilhar refeições com quem amamos.

Livros

  • Uma versão atualizada da edição de 1994 do Wabi sabi: a arte japonesa da impermanência, de Leonard Koren.
  • The Wabi-Sabi House, um livro sobre a arte japonesa de encontrar beleza na imperfeição que deixa claro que o conceito não é um estilo de decoração, mas sim sobre uma mentalidade que não traz consigo uma listinha de regras. Aborda a criação de um lar que tem como resultado o desenvolvimento de nossa mente e coração: viver com mais modéstia, aprender a sermos satisfeitos com a vida, eliminarmos o desnecessário e vivermos no momento. Tudo tão sintonizado com o slow e o minimalismo!
  • Veja também um livro infantil que aborda a descoberta da beleza simples e verdadeira em lugares inesperados. E ainda mais livros sobre o tema aqui.

Fontes: Japão em foco, Trip e Shabanladha.

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