O dia em que ela chegou

MFernandaDelmas
Página em Branco
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2 min readDec 20, 2016

Sempre soube que eu tremeria quando ela, afinal, aparecesse na minha frente — e já fazia algum tempo que a coisa toda se tornava mais uma questão de “quando” do que de “se”. Quase dois meses atrás, depois de umas saracoteadas do destino, ela se apresentou.

Foram bons 25 anos de carteira assinada, vale-refeição, plano de saúde, dinheiro com dia certo pra chegar na conta, patrão, chefe, chefe do chefe, até que veio a oportunidade de empreender. De preencher a tal da página em branco.

(Preciso confessar que a página já veio um pouco rabiscada, como aqueles papéis que a gente acha nas gavetas com as marcas de quem testou uma caneta velha ou fez um desenho de cantinho. Já veio com um primeiro trabalho encomendado, o que facilitou a vida e segurou um pouco a ansiedade.)

Tomo as palavras de Sarah Jessica Parker na série “Divorce”, quando sua personagem, Frances, decide abrir uma galeria de arte: é “legal e aterrorizante” ao mesmo tempo!

Nesta nova viagem de empreendedora — no meu caso, uma empresa de produção de conteúdo — , a primeira coisa que descobri é que a gente primeiro tem que esvaziar a cabeça para então enchê-la de novo. Tipo um detox intelectual. Não adianta tentar trocar o pneu com o carro andando.

Vinte e cinco anos com o mesmo chip não vão embora assim singelamente. Há que se mudar todo um modelo mental. Você acorda e decide que vai ler o jornal e resolver umas coisas da casa. E o diabinho canta no seu ouvido: “Preguiçosa”! (Mesmo que ele saiba que você pode trabalhar de noite, de madrugada, no feriado, no fim de semana ou quando bem entender, para compensar).

“Compensar” é outra palavra típica do vocabulário de quem carrega uma carteira assinada — e uma “culpa católica”. A gente está sempre procurando equalizar um cartão de ponto imaginário. Menos uma hora num dia, mais uma hora no outro. Almoço demorado numa sexta, 10 minutos de almoço na segunda.

Estou numa sala num escritório de coworking. Quando decido sair de lá com o dia claro, vem de novo o diabinho: “Improdutiva”! E a falta de reunião atrás de reunião? “Desocupada”!

Que venha o anjinho dizer: “Deixa a maré levar as ideias preconcebidas pra trazer novas, mulher”! Ler, pensar na vida, cuidar mais da filha, ficar no sol depois do almoço, andar de metrô, esperar o integração, tudo isso faz parte da reconstrução. A cada dia, uma descoberta.

Criei este canal para dividir meus aprendizados. Lição número 1: empreender é aprender a gozar da liberdade. E não é fácil, não.

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MFernandaDelmas
Página em Branco

Jornalista, feminista, interessada no tema de carreiras e autora do livro “Olha quem está poupando”, sobre filhos e orçamento