Trilha Salkantay — dia 01 | 13 km — Subida para lagoa

Bruna Kochi
Pé na estrada
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8 min readNov 4, 2015

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Quatro e meia da manhã e estávamos com as mochilas prontas aguardando a van. Aquele friozinho na barriga sem saber como seriam os próximos dias sem luz, sem internet, sem saber quão difícil seriam os desafios. Às 5:00 da madrugada batem na porta com tudo (tun tun tun!!!), é a van que acabara de chegar. Fomos os primeiros a subir na van, passamos em 2 hotéis para pegar os outros integrantes: um casal de alemães e um espanhol. Essa seria nossa equipe pelos próximos dias, eu e meus amigos + um casal + um espanhol totalizando 8 pessoas com o guia. Partindo de Cusco a van fez o trecho até Mollepata, uma mini cidade onde inicia a trilha Salkantay. Fizemos uma rápida parada na cidadezinha para esticar as pernas e para quem ainda quisesse comprar água ou mantimentos, em seguida partimos para o ponto de encontro. Ali tomamos nosso primeiro café da manhã, conhecemos melhor as outras pessoas e o nosso guia explicou certinho como seria o nosso dia. Pediu para escolhermos o primeiro trecho, é possível fazer os 3 primeiros quilômetros a pé ou se a equipe preferir pode pegar o ônibus chegando antes no acampamento e na parte da tarde subir para uma lagoa.

A maioria dos posts que tínhamos lido falavam que é possível fazer a trilha por volta de 65km, esse ‘por volta’ é devido essas escolhas feitas ao longo da trilha, vários trechos podem ser feitos de carro ou ônibus e se preferir serem feitos à pé. Nesse caso da lagoa disseram que o trecho é caminhando pela própria estrada no asfalto que não possui muitas paisagens legais e fazer esse trecho a pé não teríamos tempo para conhecer a lagoa. Tinha ouvido falar bem dessa lagoa e o casal de alemães queria muito ver, então decidimos ir de ônibus o primeiro trecho.

Aí vem a grande surpresa! Quando o ônibus chegou não era bem um ônibus, era mais parecido com um caminhãozinho pau de arara. rsrs. Fomos no cargueiro junto com os sacos de batata e cebola. O casal de alemães olhou para mim e disse: Esse é o ônibus? ahuUahauhauh Só olhei e disse: É o que temos para hoje..rsrs.

Fomos chacoalhando por 3 quilômetros e cada vez que o caminhãozinho parava eu achava que perderíamos nosso fígado! ahuuhaUHahu Mas paravam simplesmente para dar carona aos peruanos no meio do caminho. Nunca 3 km demoraram tanto para chegar, aquela mistura de ansiedade, tensão, medo e emoção. Chegamos na primeira parada, a partir dali deixamos nossas malas para serem carregadas pela mulas (as mulas levam até 5kg por pessoa, se passar disso cada pessoa precisa carregar seus pertences) e também havia banheiro antes de iniciar a trilha. Dali partimos andando por um caminho de trilha.

Essa primeira parte foi bem tranquila, andamos uns 5 km até o primeiro acampamento. Para mim (sedentária) esse primeiro trecho foi um pouco cansativo porém não havia quase subida. Também fizemos a maior parte do trecho todos juntos com o guia explicando um pouco sobre os Andes e a cultura inca. Nos últimos quilômetros os meninos tinham se distanciado um pouco por andarem mais rápido e chegaram primeiro ao acampamento.

Chegando lá já estavam organizando as barracas e os locais para dormir. Nosso pacote já incluíam barracas, colchonetes e alimentação. Aguardamos alguns minutos e o almoço estava servido. As refeições superaram minhas expectativas pois não fazia ideia do que teríamos como refeição, tinha visto poucos relatos a respeito. Mas em geral os cozinheiros dos grupos tentam fazer algumas comidas que agradem ao gosto de todos (comidas mais genéricas como massas, grãos, arroz) e alguns pratos peruanos. Nenhuma refeição foi repetida e achei todas muito boas.

Após o almoço deram meia hora para descansar e se preparar para subida da lagoa. No primeiro acampamento é possível ver a montanha Umantay e atrás dessa montanha está a lagoa que seria o objetivo do dia. O guia já estava a postos e o pessoal foi em direção à montanha. Eu e minha amiga já saímos um pouco atrás pois estávamos terminando de organizar nossas coisas, vimos o pessoal começando a subir e fomos atrás. Olhando para a subida da montanha parecia um trecho muito tranquilo e curto, mas nossos olham sempre nos enganam quando o assunto é perspectiva. Andamos, andamos, andamos e ainda não estávamos nem na metade da parte visível da subida. Essa foto mostra bem o trecho da subida, os pontinhos pretos lá no fim da subida não são pedras, são pessoas. Para ter uma ideia do quão comprido é essa parte.

Na metade da subida comecei a sentir os efeitos do sedentarismo. Um fator que complicou muito foi não conseguir controlar a respiração. Logo ao viajar comecei a ficar um pouco gripada e no passeio antes da trilha tomamos muito vento, o que acabou piorando a minha saúde. No primeiro dia de trilha não estava 100% e meu nariz estava um pouco entupido. Ao subir a montanha ruma à lagoa devido ao nariz congestionado e o cansaço, passei a respirar pela boca e foi a pior escolha feita. Quem já tem conhecimento de trilha nas montanhas sabe que não deve respirar pela boca, eu (novata) nem tinha me tocado de nada. Os ares das montanhas são extremamente gelados e quanto mais alta a altitude mais gelado o ar se encontra. Ao respirar pela boca toda a garganta começa a resfriar e aí vem a dor de garganta, quanto mais eu respirava pela boca mais a garganta secava e mais a garganta piorava.

Junto com o cansaço e o semi desespero de não conseguir respirar pelo nariz, mais eu abria a boca para respirar. Durante toda a subida fui respirando dessa forma e me sentindo cada vez pior. E o fato de não conseguir respirar direito era ainda mais desesperador. Ao fim da subida tinha um outro trecho não tão íngreme mas com diversas pedras e a uma altura razoável. Nisso guia percebeu que eu não estava muito bem, estava pálida e sem forças. O guia perguntou como eu estava: se sentia dores de cabeça, dores no peito ou tontura. Minha sensação era de extrema fraqueza, falei da dor na garganta, do nariz congestionado e meu coração que estava hiper acelerado. Então ele disse — Nunca respire pela boca, quanto mais você respirar pela boca mais você ficará com a garganta seca e se prejudicará. Pare, inspire profundamente e expire, faça isso 3 vezes e você conseguirá respirar.

Vou eu…Inspira…Expira…Inspira…Expira…3 vezes…meu coração desacelerou e pude respirar melhor…muito melhor…

As folhas de coca também ajudavam ao longo da caminhada. Graças às folhas de coca eu conseguia manter minha boca fechada evitando respirar pela boca. O sulco que a folha de coca solta ajuda a tirar as dores de cabeça e as dores no peito.

No início da trilha estava tentando acompanhar a equipe mas nas condições que eu estava se forçasse muito acabaria me prejudicando ainda mais, passei a ir no meu ritmo mesmo que demorasse mais tempo. Fui lentamente andando e tentando respirar, cada vez que me desesperava olhava para trás para ver quanto já tinha caminhado. Eram longos trechos e já estávamos a uma altura bem alta. Caminha, passo a passo, anda mais um pouco e algumas pedras empilhadas começam a aparecer, lá estava ela…finalmente…a lagoa.

Simplesmente indescritível, só olhando ao vivo para sentir a emoção de chegar lá e ver a obra prima da natureza. Com a sensação de meta cumprida e todo o desespero simplesmente evaporar, aliviada e extasiada. Ficamos um tempo apreciando a lagoa e depois voltamos ao acampamento.

A volta foi mais tranquila por já saber o caminho e por ser decida. Nosso guia recomendou que voltássemos logo antes de baixar o sol, quase chegando ao acampamento uma nuvem de neblina invadiu a área e mal conseguíamos ver um palmo a frente.

Mas chegamos…salvos. Agora era jantar e capotar de sono. O primeiro acampamento não tem energia elétrica, por isso ao baixar o sol o acampamento fica completamente escuro, apenas com as luzes das lanternas. Tivemos um café da tarde ao entardecer com pipoca, bolachas, chá quente e panquecas. Delicioso! E às 19:00 tivemos o jantar. Durante o jantar o guia me perguntou se eu gostaria de ir à cavalo no segundo dia, por precaução eles disponibilizam cavalos para carregar as pessoas. E como eu estava me sentindo muito fraca o guia sugeriu ir à cavalo.

O segundo dia seria mais puxado que o primeiro, mas pensei comigo — vim ao Peru para fazer a trilha, gostaria de fazer os trechos à pé — Se você vai à cavalo não é possível acompanhar o pessoal pois as mulas e o cavalos passam por alguns trechos diferentes e andam bem mais rápido que as pessoas consequentemente chegando primeiro. Falei com o guia e disse que pensaria melhor. Ele só precisava de uma resposta antes de partimos, pois os cavalos e mulas saem na frente.

No próximo dia às 5 da manhã acordaríamos para o café e logo depois partiríamos para o nosso segundo dia! :)

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