O perigoso prazer de excluir aquele babaca.

Victor Veloso
Pílula Tecnológica
4 min readJul 9, 2016

A cena é clássica: Em algum inocente compartilhamento de uma notícia de política, dois usuários começam a se degladiar defronte ao teclado, cada um com suas teorias, suas posições políticas e seus heróis. Até que chega um ponto que o debate vira uma troca de insultos generalizada, tendo seu glorioso desfecho no bloqueio de um dos usuários pelo outro. Bem recorrente essa cena nos últimos tempos né?

A maioria de nós já passou por uma situação semelhante, ou pelo menos conhece alguém que já passou. Se não é um desses, acredite: A sensação é maravilhosa. É como se todo ódio que você sentisse por todo um conjunto de ideias se depositasse em uma só pessoa e fosse descontado de forma brutal em um clique. Chega a ser terapêutico até. Mas isso é realmente bom pra você?

É claro que um ambiente abarrotado de pessoas que pensam de forma parecida é muito mais confortável. De certa forma, nossas amizades e companhias sempre são compostas mais por quem tem as mesmas preferências pra comida, diversão, cinema e, muitas vezes, política. Temos a tendência de nos agruparmos dessa forma já que, ora, faz todo sentido.

O Facebook, assim como outras empresas de tecnologia, também veem todo sentido nisso. O objetivo final delas é fazer você se sentir confortável, já que quanto mais tempo você ficar preso lá, mais dos seus dados elas poderão coletar e mais lucros terão. Tudo que você curte, comenta, posta, compartilha, procura e até o tempo que você fica olhando pra uma postagem é armazenado, analisado e cruzado por meio de um algoritmo de equações que nem eu nem você um dia chegaremos perto de entender, chegando em resultado parecido com isso:

“É óbvio que estou certo.Veja, todos estão dizendo isso”

Quanto mais você interage positivamente com algo, mais esse filtro de preferências age sobre sua atividade na Internet e mais enclausurado você fica dentro dessa bolha onde tudo é maravilhoso. Isso até pode ser bom se tratando de relações pessoais, aproximando aqueles que possuem os mesmos gostos. Mas se tratando de política, não é.

No ótimo livro “Redes de Indignação e Esperança”, o sociólogo espanhol Manuel Castells analisa como os movimentos da Primavera Árabe aconteceram, tendo em vista uma nova categoria de movimentos chamados movimentos em rede. De forma bem sucinta, estes movimentos funcionavam sem lideranças definidas e permanentes, se orientando por onde as redes que faziam parte apontavam. Ali, encontravam um espaço para expressarem sua indignação e, ao perceberem que ela era compartilhada, criavam esperança para superar o medo de sair as ruas e pedir mudanças.

Um processo similiar ocorreu aqui no Brasil em 2013, com as jornadas de junho. Após os vídeos da violência policial em um ato contra o aumento da passagem em São Paulo se espalharem pela Internet, a indignação contra a liberdade de expressão foi massivamente compartilhada. Dali, surgiu a esperança de todos saírem as ruas por um país melhor. O resultado? Milhões nas ruas em 13 de junho. A partir desse momento, o Facebook se tornou um dos principais meios de informação para política no Brasil. E nesse processo, a bolha de filtro de cada um começou a ser construída.

Com ela, todo cidadão cada vez mais foi se enclausurando dentro de sua bolha, a qual refletia todos os pensamentos que ele concordava serem os certos para ele. Entretanto, não apenas o Facebook interage demonstrando que você esteja certo, como também destaca o porquê que o outro lado também está errado. E a forma como isso é feita determina muito como levamos nossos debates.

Não apenas é importante que a indignação seja expressa, mas também a forma pela qual ela é expressa. O artigo “What Makes Online Content Viral?” observou quais sentimentos tinham maior viralização em um ambiente virtual. Os posts mais viralizados eram os que continham raiva, seguidos pelos que continham humor. Os menos viralizados eram os que continham tristeza. Com isso entendemos o porquê de tantas comentários desejando a morte dos nossos oponentes, o porquê de tantos memes, e o porquê que aquele seu post deprê da madrugada nunca ganha nenhum like.

Como principal arma de divulgação, a raiva tomou conta do nosso principal meio de informação, contaminando da mesma forma nossos debates sobre temas políticos. Cada vez mais uma cultura de intolerância foi propagada, já que esta era a única forma de enxergar a opinião do outro.

Cada qual com a sua viseira

A polarização que observamos hoje no Brasil se resume a isso? Claro que não. Vivemos um momento delicado em quase todas as esferas do nosso país. Em momentos como esse, opiniões divergentes se tornam mais extremas, já que a urgência da situação pede isso. Entretanto, tornar a política um jogo simples, no qual a derrota do outro significa a sua vitória, está longe de ser o melhor caminho.

Todas as visões possuem críticas e devem ser avaliadas. Posicionar-se cegamente sem refletir sobre qual a lógica que o outro lado possui te torna tão alienado quanto você pensa que não é. Não é ser isentão. É ser honesto intelectualmente com você mesmo. Da próxima vez que alguém discordar de você, ao invés de partir pra agressões e xingamentos, experimente ter uma conversa calma. Faça perguntas honestas. Consulte as fontes e a procedência antes de sair compartilhando qualquer notícia. Talvez isso te traga mais conhecimento do que o simples apertar do botão de block.

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Victor Veloso
Pílula Tecnológica

Pesquisador em tecnologia, ciências sociais e outras ficções.