Lucas Diana
pó e cia.
Published in
3 min readSep 15, 2017

--

Tim Robinson

a coreia do norte apontou catorze mísseis para o ocidente na última segunda-feira

eu tenho um par de tênis de aproximadamente quatro anos.
no asfalto
a sola do meu pé sentiu cada saliência do chão negro atravessando o plástico do solado
e o calor que subia diretamente do centro vulcânico da terra.

(chamamos de centro pra não chamar de leste asiático)

não, a culpa não é dos meus tênis velhos.
o clima anda mesmo meio esquisito, você não sente?
desde que a coreia do norte anunciou o lançamento dos mísseis
todo o lado de cá do mundo parece ter ficado estranho.
olhe os empresários de regata
os hippies do centro usando maquininhas de cartão
o espaço entre eu e você na cama
grande demais e gelado demais.

você é a segunda mulher a quem eu declaro paz.
esse é o quarto ou quinto teste nuclear norte-coreano.
bombas medo caos
guerra e paz
um silêncio infinito no fim de tudo.

kim jong-un tem hoje
no exato ano do anúncio dos mísseis
a mesma idade que jesus tinha quando morreu.
só pode ser um milagre.

sete dias após o começo do ano
o ditador
ou líder
ou terceiro filho
ou grande sucessor
inicia seu novo ano.

nós também.

segundo o horóscopo
os capricornianos
nascidos em 8 de janeiro
parecem destinados a causar um enorme impacto em todo o mapa
nos librianos
leoninos
taurinos com ascendente em peixes
cancerianos geminianos escorpianos
sagitarianos e virginianos
irão todos se foder.

hoje também foi o dia em que eu li sobre os flamingos.
você sabia que mesmo mortos
eles ainda se mantém apoiados apenas por uma perna?
eu ainda não sei o que isso significa
acredito que você também não.
enquanto tivermos duas pernas cada e uma vida juntos
nunca saberemos.
a descoberta virá quando perdermos uma delas.

após a coreia do norte apontar seus catorze mísseis para o ocidente
fomos nos deitar.

não separamos o lixo comum do reciclável
ou jogamos as cascas das frutas e as sementes dos tomates no minhocário
agora é tarde.
a sustentabilidade
como o amor
é uma falácia.
as minhocas se embolam de um jeito oblíquo que faz parecer que o riso delas se espalha por todo o corpo
o mundo acabando e as minhocas famintas pela última vez
(pela última última vez)
após o lançamento dos mísseis
eu e você carbonizados finalmente nos misturando
finalmente não gelados
servindo de adubo para a nova vida que irá se formar nos próximos milhares de anos
um amontoado de carne e ossos em pó e terra e cinzas
o ambiente perfeito pra elas
as minhocas
não vai faltar comida pra elas
as minhocas.

é esse o nome que dão, não é?
buraco de minhoca.
é por isso que elas sobrevivem:
porque têm tempo e espaço juntos.
eu queria que nós fôssemos buracos.
buracos de minhoca.

se sobrevivermos
seremos como adão e eva em meio a todo o barro
não, não falo da oportunidade divina de transarmos até a exaustão e além
falo do conto
do mito
da história tão bem narrada que todo o novo mundo irá acreditar
até mesmo nós.

quando a coreia do norte finalmente lançar seus mísseis
os astronautas vão ver lá do alto
pela moldura escura e infinita do universo
a pequena bola azul que já nem é assim tão azul
explodindo.
um convexo claro brotando do ocidente como a porra de um tumor
nossos pés gelados e afastados um do outro
o vazio infértil entre nós, no centro do colchão, que não deixa o carinho brotar.

no buraco de minhoca
nós dois
sobreviventes e fugitivos
nos entenderemos por inteiro
e saberemos cada fração um do outro.
e a paz, à espera, nos observará pelo horizonte de eventos.

fora dele
no ocidente
eu e você e a coreia do norte
temos esse arsenal de acusações
apontados, cada um, para o seu oposto no mapa.

rezo para que a idade de cristo signifique algo
rezo para que ninguém aperte o botão que lança os mísseis
rezo pela ciência
pelo buraco de minhoca
pelo espaço e pelo tempo.

a essa altura já é terça-feira
e não vai ter fé nenhuma para nos salvar.
pelo amor de deus vamos fazer as pazes.

--

--

Lucas Diana
pó e cia.

redator publicitário, poeta de merda, bom filho e cuzão.