Lucas Diana
pó e cia.
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1 min readOct 14, 2016

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décimo segundo andar

eu preciso das chaves do apartamento de volta

não por desconfiança ou capricho
como daquela vez em que eu acreditei
que você iria alimentar os gatos
e precisei cavar um buraco
no lote vago ao lado do meu serviço
durante o horário de almoço
carregando um saco preto de lixo
e os olhos em lágrimas e as telas
das janelas que já não servem mais
pra evitar nenhuma queda acidental

eu acredito que você tem certeza
de ter fechado as janelas na tempestade
das quatro e trinta e sete da tarde
daquela quarta-feira em que eu encontrei
o chão do apartamento alagado

não é mesquinho querer
lavar os copos e os talheres e os pratos
depois de uma refeição completa
com direito àquele abraço que chega por trás
e coloca perfeitamente
o seu queixo sobre meu ombro
e me faz ter certeza
de que o tempero do arroz está certo
e não importa se é o omelete ou a omelete
as louças sujas na pia
fazem brotar os vermes que arrepiam
o macio da pele e comprovam
o que permitiu viver alimento
também pode ser morada do nojo
porque a frigideira é alugada
e mora nela aquilo que a gente permite morar

eu preciso das chaves do apartamento de volta

embaixo daquele tapete educado
que lhe diz pela última vez
“por favor, limpe os pés”

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Lucas Diana
pó e cia.

redator publicitário, poeta de merda, bom filho e cuzão.