Considerações de um Vagalume

Ana Casilas
P-alavras
Published in
2 min readOct 14, 2013

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A noite ameaçava ser longa, ela estava pronta. Em si prendera pequenas estrelas para iluminar a escuridão. Não sentia frio, cansaço ou vergonha, apenas fome. Era toda a dimensão de sua luxúria, os limites de uma vida limítrofe. Estava em pé e continuaria de pé até que alguém decidisse parar. Procurava se equilibrar como podia nos grandes saltos altos que carregava porque o tempo não para nunca e como ela, na mesma rua, matando a fome do mundo, haviam muitas. Em noites como aquela, o som das folhas caídas no chão ressoava mais alto que as mentiras que despejavam por entre os dentes. Não era capaz de vender o corpo por algumas horas — antes, entregava-o aos poucos e voltava para casa cada vez menor, os vestígios humanos espalhados pelo centro da cidade.

Mas sempre voltava, para casa e para a rua, esperando que os carros parassem ou que o mundo parasse antes. Sabia que um dia não voltaria mais de tão pequena e despedaçada que estaria e então, se deixaria definhar, o resto do resto, até sumir completamente. Até lá, voltava e voltaria na noite seguinte. Com ela, o pesar dos que nada encontram ao retornar de um longo dia de trabalho, a solidão dos inexperientes, a euforia dos dependentes, o abandono dos penitentes.

Estava de pé e continuou de pé porque era necessário. Não se orgulhava de si, mas também não pediria desculpas aos deuses. Pediria um cigarro ao próximo que passasse e queimaria com ele suas dores marginais. Não esperaria que alguém parasse e estendesse a mão.

Naquela noite de maio, na rua Conselheiro Mafra, um carro parou e estendeu a ela algumas nota de dez.

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