Ninguém quer ler o seu conto na internet.

Ana Casilas
P-alavras

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Ninguém quer ler o seu conto na internet. Ninguém, na internet, tem tempo pra ler uma literatura meia boca que fala sei lá do que pra sei lá quem. Uma cena pitoresca que se passa num café da cidade no meio da tarde. Ninguém mais toma café na cidade, no meio do tarde, ou pelo menos não deveria, porque estamos em 2020. Ninguém quer ler sobre o seu encontro ou desencontro num ônibus lotado no final do dia. Nem você mesmo quer ler sobre os encontros e desencontros de terceiros cujas vidas são apenas tão medianamente difíceis como qualquer outra, ou mais ou menos, tanto faz, porque isso também é ser exatamente o que mediano quer dizer.

Dia desses escrevi uma bela crônica da qual tento me recordar, de madrugada, no chuveiro. As gotas apagaram qualquer vestígio daquelas frases que me saíram com tanta facilidade, ao contrário do que geralmente fazem, e com tanto propósito, como nunca acontece. Hoje tentei me lembrar pelo menos o que era que eu dizia com tanta clareza e segurança, mas recordei somente que o melhor poema que já escrevi foi feito numa longa viagem dominical de ônibus, no ano de 2010, já inteiramente desaparecido. Eu não escrevo poemas e tampouco crônicas e também não existem leitores para esses textos hipotéticos.

Desdenho e sempre desdenhei das crônicas, à exceção de uma que se chamou “Cronos” e que publiquei num já falecido blogspot depois de muita consideração, somente para apagar tudo alguns minutos depois, quando meu pai leu e achou que era uma boa ideia comentar qualquer coisa que eu também já não me lembro mais. Não falo com o meu pai e também não escrevo poemas, como uma forma de autorespeito pela quantidade absurda de poesia ruim que já povoa o ambiente virtual.

Escrevo, portanto, apenas textos fantasmas, que surgem maravilhosos e potentes apenas porque desaparecem em seguida, sem cerimônia ou rancores. Ninguém quer ler o seu conto na internet, de qualquer forma.

Nem eu.

Um texto fantasma é tão bom quanto qualquer outro, nasceu, existiu, morreu e jamais será lido, como tantos.

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