Greenwald sobre Temer: “Um corrupto neoliberal e não eleito na presidência”

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5 min readMay 11, 2016
Foto: Gage Skidmore

O jornalista norte-americano Glenn Greenwald denuncia no site The Intercept nesta quarta-feira (11) a oficialização do que ele chamou de golpe instalado por um vice-presidente corrupto com ambições neoliberais em Brasília. Hoje o Senado deve decidir se Dilma Rousseff segue ou não em seu cargo.

Em 2002, o Partido dos Trabalhadores ascendeu à presidência, quando Lula da Silva ganhou do candidato do PSDB de centro-direita (ao longo de 2002, “mercados” ficaram indignados com a simples perspectiva de vitória do PT). O partido manteve-se no poder quando Lula, em 2006, foi reeleito mais uma vez contra um candidato diferente do PSDB. Inimigos do PT pensavam que tinham sua chance de se livrar dos petistas em 2010, quando Lula foi impedido por limites de mandato de concorrer novamente, mas suas esperanças foram esmagadas quando a sucessora escolhida por Lula, a até então desconhecida Dilma Rousseff, venceu por 12 pontos em relação ao mesmo candidato do PSDB que havia perdido em 2002. Em 2014, os inimigos do PT derramaram enormes quantias de dinheiro e recursos para derrotá-la, acreditando que Dilma era vulnerável e que tinha finalmente encontrado uma estrela dentro do PSDB, mas perderam novamente, desta vez de forma estrita, com Dilma Rousseff sendo reeleita com 54 milhões de votos.

Em suma, o PT ganhou quatro eleições nacionais diretas — a última ocorrendo apenas 18 meses trás. Seus adversários têm vigorosamente tentado — e falhado — para derrotá-los nas urnas, em grande parte devido ao apoio do PT para as classes mais pobres do Brasil.

Então, se você é um plutocrata com a posse de dos maiores meios de comunicação do país, o que você faz? Você dispensa a democracia por completo — afinal, eles mantém os candidatos e as políticas que você não gosta -, explorando seus meios de comunicação para incitar distúrbios e, em seguida, instalar um candidato que nunca poderia ser eleito por contra própria, mas vai servir fielmente a sua agenda política e ideológica.

Isso é exatamente o que o Brasil vai fazer hoje. O Senado brasileiro votará mais tarde nesta quarta-feira (11) a aprovação do impeachment da presidente, que resultará automaticamente na suspensão de Dilma à presidência na pendência do julgamento final.

Seu sucessor será o vice-presidente Michel Temer do PMDB. Portanto, ao contrário do impeachment na maioria dos países com um sistema presidencial, aqui ele irá capacitar uma pessoa de um partido diferente do que o do presidente eleito. Neste caso particular, a pessoa que irá ocupar o cargo está inundada em casos de corrupção: acusado por informantes em envolvimento num esquema de compra ilegal de etanol, ele foi apenas multado ao ser considerado culpado por violações de gastos eleitorais e enfrenta uma pena de 8 anos para concorrer em qualquer cargo político.

Foto: Felipe Malavasi/Democratize

Ele é profundamente impopular: apenas 2% da população deve apoiá-lo para presidente e cerca de 60% querem que ele seja cassado (o mesmo número que favorece o impeachment de Dilma). Mas ele vai servir fielmente aos interesses do “Brasil mais rico”: ele planeja nomear funcionários da Goldman Sachs e do FMI para executar a economia e caso contrário, instalar uma equipe totalmente não representativa e neoliberal (composta em parte pelo PSDB, mesmo partido que perdeu 4 eleições diretas contra o PT).

Nada disso é uma defesa ao PT. Esse partido — como até mesmo Lula reconheceu a mim em entrevista — está repleto de graves casos de corrupção. Dilma, em muitos aspectos críticos, tem sido uma presidente que falhou em suas políticas, sendo profundamente impopular.

Mas a solução para isso é derrotá-los nas urnas, e não simplesmente removê-los e substituí-los por alguém mais adequado para a parte mais rica do país. Qualquer dano que o PT fez ao Brasil, com os plutocratas e seus jornalistas-propagandistas e a banda de ladrões em Brasília será muito mais perigoso. Eles estão literalmente desmantelando a democracia no quinto maior país do mundo. Até mesmo o The Economist — que é hostil contra partidos de esquerda até mesmo mais moderados — denunciou o impeachment como “um pretexto para expulsar um presidente impopular” e há apenas duas semanas alertou que “o que é alarmante é que aqueles que estão trabalhando por sua remoção são, em muitos aspectos piores”.

O maior golpe de todos é que as elites de mídia brasileira estão justificando tudo isso em nome da “corrupção” e da “democracia”. Como qualquer um que é minimamente racional pode acreditar que isso é sobre “corrupção” quando eles estão prestes a instalar como presidente alguém muito mais implicado em casos de corrupção do que a pessoa que estão removendo,? E se eles fossem realmente preocupados com a “democracia”, por que não também retirar Temer e realizar novas eleições, deixando os eleitores decidirem quem deve substituir Dilma? A resposta é óbvia: novas eleições quase certamente devem resultar em uma vitória de Lula ou outro candidato que não gostam, então o que eles mais temem é deixar a população brasileira decidir quem irá governá-los. Essa é a própria definição de destruição de uma democracia.

Foto: Wesley Passos/Democratize

Para além do seu significado global óbvio, a razão que eu passei tanto tempo e energia escrevendo sobre esses eventos é porque tem sido surpreendente — e irritante — para assistir tudo se desdobrar, especialmente dada a forma como a mídia dominante do país, de propriedade de um pequeno punhado de famílias ricas, permite quase nenhuma pluralidade de opinião. Em vez disso, como o Repórteres Sem Fronteiras colocou no começo do mês: “De uma forma velada, os principais meios de comunicação nacionais tem influenciado o público a derrubar a presidente Dilma Rousseff. Os jornalistas que trabalham para estes grupos de mídia são claramente sujeitos à influência de interesses particulares e partidários, e esses conflitos permanentes de interesses são claramente muito prejudiciais para a qualidade de suas reportagens”.

Como alguém que vive no Brasil há 11 anos, tem sido inspirador e revigorante assistir a um país de 200 milhões de pessoas jogar fora os grilhões de uma ditadura de 21 anos (apoiada pelos Estados Unidos e Reino Unido) e amadurecer em uma jovem e vibrante democracia. Ver como isso pode ser rapidamente e facilmente revertido é ao mesmo tempo triste e assustador para assistir. É também uma lição importante para qualquer um, em países de todo o mundo, que alegremente assumem que as coisas vão continuar como está ou que está garantida a estabilidade e o progresso contínuo.

Para ler a crítica de Glenn Greenwald no The Intercept, clique aqui.

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