Um homem a serviço da desinformação

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4 min readSep 9, 2016
Reprodução/Google

Alheio ao que acontece à sua frente, o repórter já sai da redação com a matéria pronta, apenas buscando fechar as lacunas, mesmo que a realidade seja diferente.

Por Victor Amatucci

Não é de hoje que (alguns) d@s repórteres e fotógraf@s de rua percebem a falta de transparência nas matérias feitas por Gabriel Prado para a Globo News, a Revista Fórum já havia feito uma matéria e, mais do que qualquer matéria, quem, como este que vos escreve, já o viu atuando em manifestações, percebe claramente o contorcionismo do repórter.

A primeira vez que me chamou a atenção a postura de Gabriel foi na última semana, quando as manifestações eram alvos de intensa repressão policial. Estávamos caminhando entre as ruas da Praça da República, ‘caveirão’ do choque na rua, dezenas de fotógrafos e fotógrafas na calçada e o batalhão à frente.

Não acontecia absolutamente nada. Não havia, ali, notícia alguma. A tropa buscava por possíveis resistências de manifestantes e por onde andava encontrava alguns lixos revirados na rua e mais nada. No máximo algum transeunte alheio às manifestações e claramente assustado. O repórter vinha filmando o chão e os lixos. De repente um jato de água sai do ‘caveirão’ em direção aos fotógrafos — Cristian Braga dos Jornalistas Livres foi um dos alvos — e os deixa encharcados. O repórter da Globo News, que vinha junto comigo um pouco a frente, ignorou o fato, filmou o caminhão passando por cima de um saco de lixo que estava na rua. Nenhuma referência ao que o Choque havia acabado de realizar.

Poderia ser apenas um vacilo, o sujeito não necessariamente está sendo maldoso, dirão os mais ingênuos. Pois no último 9 de setembro, no Largo da Batata, nova manifestação contra Michel Temer. Desta feita o ato iria para a casa do golpista. E lá vamos nós, Democratize em peso, fazer a cobertura.

Logo no início da caminhada encontro o repórter e seu cinegrafista. Resolve brincar de onbudsman e ver como seria a cobertura do moço. Foi mais de uma hora caminhando do Largo da Batata até a casa do esposo da Bela, Recatada e Do Lar — que era advogada, só que não. Durante o tempo que passamos caminhando ele não ligou a câmera quase em nenhum momento. Ligou quando houve um pequeno tumulto — foi preciso pegar a esquerda numa quadra e uma das ruas não estava fechada, durou 3 minutos a “confusão”.

Ao chegar, muitos gritos de Fora Temer, manifestação rolando, nada de novo. E nada de takes ou chamadas. Discursos políticos, nada de entradas. Eis que alguém faz um picho numa casa “Estado Policial” em vermelho. Lá vai Gabriel, liga a câmera, faz uma entrada, fala da pichação. Volta ao seu canto e câmera desligada. Jogral, todos sentados, baita imagem para se fazer, nada de Gabriel. Gritos efusivos de Fora Temer, baita imagem de preenchimento, Gabriel apenas observa, seu câmera apontando para o chão.

Foto: Gustavo Oliveira/Democratize

A passeata começa a dispersar, a maioria das pessoas indo embora. Gabriel se prepara, faz uma chamada com as pessoas longe, o ato vazio. E assim se encerra mais um dia de cobertura. A multidão segue em frente, Gabriel vai para trás.

Pessoalmente eu entendo que é preciso ganhar o pão de cada dia. A Globo, naturalmente, paga melhor que a mídia alternativa. E a Globo tem lá seus interesses, seus editores e repórteres (e cinegrafistas) sabem perfeitamente disso.

Mas não é o caso de falar que a Globo — empresa que busca lucro — deturpou ou distorceu o que houve nestes atos. Quem fez isso foi Gabriel Prado.

E não adianta querer desculpar o moço, afirmando que o editor é que pediu ou distorceu. Não chegará ao editor imagens de outra coisa que não a versão deturpada dos fatos. O editor não precisará deturpar nada. O repórter já fez para ele.

A Band estava no local e também foi observada por nossa equipe. O repórter fez a sua entrada no auge do ato. Não pegou falas políticas, filmou a casa de Temer e comentou as imagens com gritos ao fundo. O editor ou algum comentarista do jornal pode até deturpar o que foi dito ali. Mas o jornalista fez seu papel, mandou imagens do que ocorria. Não montou uma situação, não escondeu nada. Ligou a câmera com o ato acontecendo, falou e desligou.

Ninguém tem dúvidas de que Globo e Band fazem coberturas parciais — há quem diga que ninguém faz cobertura imparcial e nisso há também muita verdade — mas uma diferença bem clara ocorreu naquela noite.

O que motiva o repórter Gabriel? Provavelmente a inteligência de saber aquilo que faz “subir na carreira” quando o tema é rede Globo. E nesta lógica não é preciso sequer o editor pedir para que se altere uma realidade. Ele o faz de bom grado, antes de qualquer pedido, acima de qualquer verdade. Isso, claro, na melhor das hipóteses; a de que ele está interessado no “leite das crianças”, apenas. Mas poderia ser também um preconceito, puro e simples. E coisas piores.

Este escriba prefere pensar que é só vontade de “crescer na vida”, mesmo quando para isso seja preciso descer a níveis indecentes da ética.

E é bom lembrar, fazer crítica não é um incentivo ao linchamento público. Que Gabriel siga sua vida de reportagens cretinas na santa paz mundial. Mas é fundamental que jornalistas de verdade refutem esse método e imponham a realidade sobre a falsa credibilidade dada pela emissora — e seus contorcionistas.

A democracia depende de jornalistas que contam fatos, não estórias.

Victor Amatucci é repórter e jornalista pela Agência Democratize em São Paulo; blogueiro pelo ImprenÇa

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