O que acontece quando um deputado homenageia um torturador em rede nacional

eDemocratize
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4 min readApr 19, 2016
Imagem: Filme Batismo de Sangue

O deputado Jair Bolsonaro (PSC) não pensou duas vezes antes de homenagear neste domingo (17) o General Ustra, responsável pelo desaparecimento de mais de 40 pessoas durante a ditadura militar. Sabe o que vai acontecer? Nada.

Nada.

Absolutamente nada.

Enquanto os países da América Latina fizeram questão de enterrar seus torturadores e ditadores dentro da cadeia, como foi feito na Argentina e Chile, aqui parece ser diferente.

Durante a votação do impeachment neste domingo (17), o polêmico deputado Jair Bolsonaro (PSC) resolveu dedicar seu voto da pior maneira possível. Veja no vídeo.

Por incrível que pareça, Bolsonaro cometeu duas gafes. A primeira delas foi elogiar e parabenizar o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB). E a outra foi homenagear o General Ustra, responsável pelo desaparecimento de mais de 40 pessoas na ditadura militar.

Seus seguidores não gostaram e reclamaram no Facebook.

Sim, eles reclamaram!

Seus seguidores não gostaram nada do fato de Bolsonaro ter parabenizado Cunha.

Mas amaram a homenagem ao torturador.

Esse é o nível da situação. Para os seguidores de Bolsonaro, existe um grande problema quando você tem dinheiro de propina em contas no exterior. Estão corretos. Mas se você torturou centenas de pessoas e “fez desaparecer” outras dezenas, tudo bem. Você é um herói.

O General Ustra durante a Comissão da Verdade | Foto: Wilson Dias

Como isso pode acontecer, com transmissão em rede nacional, em um país que vive teoricamente em uma democracia?

A primeira coisa que pensei foi nas famílias das vítimas de Ustra, que acompanhavam a votação pela televisão no domingo.

Estamos falando de filhos e filhas que nunca tiveram a oportunidade de conhecer seus pais e mães. De irmãs que perderam irmãos. De pessoas que guardam marcas impossíveis de apagar da tortura, que fica grudada na pele e te carrega até o fim da vida.

E a repercussão disso? Como fica?

Em um país sem uma imprensa devidamente democratizada, é fácil imaginar como será a resposta.

Bolsonaro se tornou sim, de alguma forma, motivo de muitas reportagens e matérias no dia da votação do impeachment. Mas não pela sua homenagem ao torturador da ditadura. E sim pela cusparada que sofreu de outro deputado, Jean Wyllys do PSOL, durante a votação.

O deputado do PSOL afirma que Bolsonaro teria dito ofensas homofóbicas contra sua pessoa, após ter declarado seu voto pelo ‘Não’ ao impeachment. E por isso a cuspida.

A verdade é que esse fato se tornou motivo de muito mais debate e polêmica do que a homenagem de Bolsonaro ao torturador.

Pesquisando no Google por “Jair Bolsonaro Ustra” em Notícias você encontra 587 resultados, a maioria de sites como HuffPost Brasil e Revista Brasileiros. Mas se você pesquisar por “Jean Wyllys cospe” em Notícias aparecem 33 MIL RESULTADOS. Ai sim, os grandes veículos: UOL, Estadão, Folha, etc.

Agora, fica o questionamento:

E se fosse na Espanha, e um parlamentar resolvesse homenagear um torturador do regime do ex-ditador Franco durante sessão no Parlamento, exibida ao vivo em quase todos os canais de televisão do país?

E se fosse nos Estados Unidos, e um congressista resolvesse homenagear um ex-líder do Klu Klux Klan, durante sessão do Congresso, também exibida nacionalmente pela televisão em tempo real?

O problema do Brasil é que ainda não soubemos lidar com um fantasma chamado ditadura militar. Nossa democracia, ainda jovem, fica incapacitada de crescer diante do fato de não termos sentado e conversado sobre a ditadura e o que ela fez com dezenas de milhares de pessoas ao redor do país durante 21 anos.

Imagine a complexidade de explicar para um argentino ou chileno o fato de não termos prendido ou julgado os torturadores. Pior: tentem explicar ainda a existência de generosas pensões para viúvas e famílias desses homens, que foram capazes de fazer coisas desumanas com civis e inocentes, como foi o caso do jornalista Vladimir Herzog.

Temos uma imprensa monopolizada.

Uma democracia manipulada.

E uma ditadura engessada.

Texto por Francisco Toledo, co-fundador e fotojornalista da Agência Democratize

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