O Futebol Eterno e seu Ódio Moderno

Você já odiou hoje? O que não te falta é opção. Você odeia a segunda-feira, odeia o elevador que não chega nunca, você odeia o trânsito no caminho pro trabalho, odeia aquele grafite no muro que diz para odiar seu ódio, você odeia ver o filho do vizinho usando uma camisa do PSG. Pode ser o sobrinho do Thiago Motta, que joga no PSG, vestindo a camisa do tio. Não tem problema, você também odeia o Thiago Motta e o fato dele nunca ter jogado no Brasil. Odeia.

Citar a intolerância que hoje banha o Brasil é chover no molhado. E você odeia chuva tanto quanto ficar molhado. Ainda mais se for no estádio, vendo aquele lateral-esquerdo grosso que você odeia e que não faz uma mísera jogada de linha de fundo. Como você odeia toda vez que ele toca para trás. Pelo menos você não está numa dessas arenas com cobertura nas arquibancadas. Você odeia arenas. Odeia mais do que tomar chuva e talvez menos do que o lateral-esquerdo do seu time. Sem dúvida, você odeia.

Carregar sozinho suas opiniões é algo raro hoje em dia, já que num instante você encontra alguém que pensa igual — e que odeia igual. Você leu que essa função do lateral-esquerdo é fruto do esquema tático definido pelo seu treinador. Você odeia o técnico do seu time. Como você odeia aquele burro. O time joga sem centroavante, num esquema adaptado de uma seleção gringa. Você odeia esse conceito de FALSO NOVE. O time passou a fazer mais gols de contra-ataque e a defesa ficou menos exposta. Você odeia influências estrangeiras no futebol do seu time. Ele vai bem no campeonato e seu goleiro tem sido convocado para defender a Seleção. Mas você odeia a Seleção. Odeia demais.

Coisas, fatos e motivos para o ódio existem aos montes. Você se esquece de um não sem antes surgir com novos dois. Seu país ganhou e perdeu algumas Copas do Mundo enquanto você crescia. Quando parou de ganhar, você passou a odiar sua Seleção. Mereceram apanhar em casa. Você torce contra e odeia comemorar na inércia os gols marcados por ela. Você odeia assistir à sua Seleção. Odeia não poder odiar quando ela leva gol, afinal de contas é o goleiro do seu time ali de luvas, defendendo a meta do seu país. Você odeia que ele esteja lá. Porra, como odeia.

O saudosismo é primo do ódio. Você pode lembrar com saudade de como as coisas de ontem eram melhores, sem necessariamente odiar as de hoje. Mas você odeia não odiar. Você odeia o futebol de hoje e odeia que ele é diferente do de ontem. Odeia os uniformes, odeia as chuteiras, odeia os passes errados, odeia os cortes de cabelo, odeia as entrevistas coletivas, odeia os esquemas táticos. Odeia ainda gostar de futebol. Puta ódio.