Uma foto de alguma avenida em São Paulo — ao fundo a bandeira do Brasil.

O Dia que Jesus Visitou o Brasil

Uma crônica sobre o tipo de espiritualidade que praticamos por aqui.

Paulo Sales
Revista Simbiose
Published in
4 min readMay 5, 2016

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O Filho de Deus resolveu dar uma voltinha em terras tupiniquins, veio visitar o país mais cristão do mundo e conhecer a fé que movimenta tantas pessoas diariamente. O primeiro passo foi visitar lugares que professavam seu “santo” nome. Então resolveu visitar a Basílica de Aparecida. Andou por ali como um turista qualquer, entre um passo e outro lhe foi oferecido medalhinhas de Nossa Senhora, uma camiseta com a foto do Papa e até um crucifixo com seu corpo pendurado.

Perambulou pelas missas e logo percebeu que sua mãe Maria juntamente com outros santos tinha tomado o seu lugar de destaque entre os católicos. Ficou muito descontente, e foi buscar alento noutro lugar.

De volta para o lugar onde estava hospedado, ligou a TV e se deparou com um homem com trejeitos de fazendeiro vendendo toalhas ungidas com a promessa que “A MÃO DE DEUS ESTÁ AQUI”. Ouvindo aquilo ligou imediatamente para seu Pai que negou tudo, e confirmou que nunca colocou suas mãos em nenhum templo construído por mãos humanas e, aliás, achava aquele chapéu branco de péssimo gosto.

Passando as primeiras experiências, recebeu mais algumas informações sobre as terras brasileiras e descobriu que em São Paulo algum fervoroso havia reerguido o Templo de Salomão: “mas que audácia!” — exclamou o Mestre. Então pegou um ônibus e partiu para o templo. Assim que chegou foi indagado se possuía ingresso para entrada e informaram que era proibido qualquer tipo de selfie ou coisa que o valha, e acesso só pagando. Tentou argumentar que ele era o Filho de Deus e que na casa do Pai dele tinha livre acesso. Sem sucesso. Prontamente apareceu um segurança/irmão berrando: “ou compra o ingresso ou desocupa a fila”.

Voltou pra seu reduto desolado (ele estava hospedado na casa de alguém que preferiu manter o sigilo). Então resolveu ler um pouco de jornal na expectativa de se ambientar mais com essas terras e foi assim que descobriu que no parlamento havia uma bancada inteira que o defendia, era a bancada evangélica — neste momento ele não conteve a risada. Ligou então na TV Câmara (sim tem pessoas que assistem) e encontrou um fulano chamado Feliciano dizendo que Jonh Lennon foi morto por zombar do nome de Jesus.

Então o Mestre teve que entrar no Wikipédia pra descobrir quem era Jonh Lennon, e durante a pesquisa no YouTube cantarolou alguns trechos de Imagine, e imediatamente se justificou com seu amigo (o acolhedor) dizendo que nunca havia mandado matar ninguém, inclusive aquele homem era talentoso demais para morrer de forma tão banal.

Num domingo qualquer ao findar a tarde e depois de assistir uma partidinha de futebol (Jesus provavelmente torce pelo Santos), resolver ir às ruas fazer mais uma tentativa religiosa. Desta vez desembarcou dentro de uma igreja tradicionalmente evangélica. Entrou e prontamente foi recebido por um irmão que já perguntou em qual igreja ele congregava, e Jesus por sua vez não conseguiu responder, pois pra ele a igreja continuava sendo indivisível e uma só. Balbuciou algumas palavras, mas resolveu deixar a pergunta sem resposta.

Mas o contratempo não parava por aí e discretamente recebeu umas regras de etiqueta de quais seriam as vestes apropriadas para participar daquele culto, então o irmão já foi dizendo: “Aqui nós aceitamos todo mundo, mas você vai ter que vestir um terno alinhado, cortar essa barba e aparar este cabelo, desse jeito mundano você não pode entrar aqui!”. Desistiu de entrar — até porque era domingo e seria impossível achar um barbeiro e um alfaiate para fazer a barba e a roupa do Filho de Deus.

Então seguiu sua peregrinação e sentou-se num banco de praça ao lado de um bêbado que lhe contou sua trajetória de vida, de como chegou naquela situação e descarregou suas emoções e tragédias pessoais. Prontamente foi acolhido pelo abraço e pelo olhar de Jesus que respondeu: “Vinde a mim todos cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei.” Despediu aquele moço com a paz e prometeu lembrar-se dele, e assim prosseguiu sua trajetória; abraçando pessoas desconhecidas, ajudando velhinhas atravessar a rua, orientando os idosos que não conseguiam ler as placas de ônibus, brincando com crianças no colo das mães, dando moedas aos mendigos moribundos e falando-lhes palavras de conforto.

Enxugou as lágrimas de uma mulher de meia idade que chorava no meio fio, conheceu um travesti e tratou de puxar assunto e fazer algumas perguntas bem humoradas, o dispensou na paz e no amor prometendo-lhe mandar lembranças celestiais. Indignou-se com a desigualdade nas ruas e prometeu pra si mesmo que um dia tudo isto teria um fim, pois haveria um dia em que o Reino haveria de ser implantado totalmente e todas as lágrimas seriam enxugadas.

No ambiente extra-religioso encontrou um refúgio digno para o Filho do Homem, se sentiu em casa e telefonou para o céu; “Pai realmente como eu já havia dito há 2000 mil anos atrás, o Reino pertence aos pequeninos. A propósito o Senhor está sabendo que algum maluco reconstruiu o Templo de Salomão e cobram pra entrar?”

Paulo Sales ©

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Paulo Sales
Revista Simbiose

Eu sei uma ou outra coisa sobre teologia, religião e comportamento.