Eu e outro cicloviajante em uma praia uruguaia — fev/2015 (Aldo Lammel, CC BY-NC)

Acampamento & Descanso

Como ter ótimas noites de sono dentro de uma viagem com sérias limitações financeiras.

Aldo Lammel
Manual
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12 min readApr 28, 2015

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Viajando | por

Durante a viagem, seja com uma bicicleta ou sem ela, você precisará descansar tão bem quanto você já o faz no conforto de casa. Viajar consome uma energia tremenda, ainda mais se tu estiveres em uma cicloviagem por uma das grandes vantagens de se mochilar pelo mundo é você dormir por longas horas, porém isto não quer dizer qualidade do sono e é este o ponto que você e eu conversaremos. Vou lhe ajudar a dominar a arte de descansar em qualquer situação comumente vista pelos viajantes, te apresentando situações e práticas que testei, observei e documentei com centenas de noites mal e bem dormidas por países, climas, culturas e paisagens diferentes.

Abordaremos mais abaixo:

  • Descansando na Barraca;
  • Descansando em Hosteis;
  • Descansando na Casa de Nativos;
  • Descansando nos Bombeiros;
  • Descansando na Altitude;
  • Descansando no Ônibus e em Voos;
  • Descansando em Alto-mar.

Descansando na Barraca

Acampar pode ser ou não uma experiência agradável, tudo dependerá da sua habilidade em escolher o local e como usar o equipamento disponível. Depois de três ou quatro vezes montando a barraca, você perceberá questões técnicas básicas, contudo você não precisa de uma péssima noite de sono para saber de algumas coisas simples de contornar para ter seu descanso.

Minha filosofia de acampamento seguro e de qualidade precisa atender dois aspectos: imersão na paisagem e descanso; se a paisagem for meia-boca, o descanso em primeiro lugar. A filosofia que trago é simples e aqueles dois aspectos estão nela: quanto mais afastado e menos gente souber que você está acampado, melhor. Se tu estiveres na estrada, nunca monte a barraca próxima do acostamento ou de qualquer lugar onde possa haver trânsito de pessoas, veículos ou animais de grande porte. Obstáculos existem para serem superados e o mesmo vale para uma cerca que te impede de sair da entrada e ir em direção a uma colina ou campo que lhe agradou. Se tiver um portão, passe por ele, se não tiver, pule a cerca mesmo, cansei de fazer isto. Se tiver uma casinha visível, vá até lá e peça autorização já dizendo que montará a barraca para no dia seguinte cedo partir; mas quanto mais deserto o lugar for, mais você terá paz. É difícil para alguns de nós se acostumar com a ideia, entretanto te asseguro que depois de três experiências destas características de ambiente, você, se puder escolher, não escolherá dormir na barraca em lugares movimentados ou com poluição sonora. Bem-vindo ao mundo dos mochileiros de imersão, aqueles que não apenas se dissolvem em novas culturas, mas também em novas paisagens.

Uma noite bem dormida está intimamente ligada a densidade e temperatura da superfície que você se encontra e a quantidade de ruídos em um ambiente. Eu já acampei sem isolante térmico e colchão e foram experiências desagradáveis onde não pude descansar. Sendo assim, use o isolante para proteger sua temperatura corporal e, logo acima dele, adicione um fino colchão de ar que lhe dará a macies mínima que evitará dores corporais no dia seguinte. Se você for como eu, não terá problemas em dormir no meio da zoeira, porém para se descansar de verdade, você precisará de silêncio e ambientes naturais lhe proporcionarão isto. Quando o corpo humano entra em repouso profundo, o único sentido que jamais é desativado por segurança é a audição (Você esperava alguém chegar na sua casa e acabou cochilando mesmo com a TV ligada e com o som dos carros vindos lá da rua. Assim que a campainha da sua casa tocou, você despertou). Lugares barulhentos fazem com que seu cérebro não descanse como no silêncio natural e tampouco seja capaz de lhe alertar de qualquer risco devido a poluição sonora.

Jamais monte sua barraca em lugares inclinados ou no meio da vegetação rasteira alta. Fora de um lugar minimamente plano, seu corpo irá escorregar durante toda a noite na barraca e você não entenderá o porque não está descansando, mas isto ocorro porque seu corpo começa a ser pressionado em um dos cantos da barraca, te fazendo sair fora do colchão e, pior, fora do isolante térmico que é a única coisa que não deixa o solo roubar a temperatura do teu corpo. Não monte a barraca em pastos altos porque sempre haverão gravetos que você não conseguirá detectar para tirar do caminho e assim que montar a barraca ali, um deles danificará seu abrigo, mesmo colocando a tão recomendada lona no solo antes da própria barraca. Além do mais, pasto alto ou com muitas folhas secas é um ótimo lugar para formigas, aranhas e cobras fazer uma visita na barraca instalada logo acima. Opte sempre por um gramado baixo já que o gramado lhe trará mais macies para dormir e insetos detestam lugares que não os protejam do sol e do calor. Se foram muitas folhas, use seu lindo pezinho para limpar e deixar apenas a terra ou a pedra abaixo exposta. Lembre-se que aranhas, cobras e animais do tipo não caçam humanos, eles querem distância da gente; você só precisa não criar a sua casa em cima da casa deles.

Guarde dentro da barraca somente o necessário para você não ficar sem espaço de ventilação (conforto), mas também não ter de levantar roer um pouco de comida ou escutar música para provocar o sono que pode querer não vir quando você precisar. Estar em uma barraca quando não se tem experiência pode gerar preocupações adicionais como com o seu equipamento no lado de fora então deixe tudo junto da bicicleta que estará amarrada no corpo da sua barraca apenas por desencargo de consciência. Aos poucos você descansará mais ao ganhar confiança sobre a segurança que é estar na sua barraca com os métodos de escolha de lugar para montá-la e logo o excesso de preocupações, até mesmo uma cada vez mais comum paranóia coletiva de que seremos estuprados ou assassinar enquanto acampamos em paisagens fora dos limites da cidade. Se existe um lugar onde o perigo aumenta drasticamente é dentro dos limites de uma cidade grande onde estão os casos de homicídios e de violações sexuais. E se você está de bike, poucas coisas impõem mais respeito e empatia do que ver uma bicicleta ao lado de uma pequena barraca no meio do nada.

Dicas de barraca (Mochila & Bike)

Seja prudente, você está por sua conta e risco, porém recomendo ser igualmente sensato e usufruir da paz que é montar seu acampamento em um lugar único e descansar com estilo.

Chuva é uma droga para acampar, principalmente quando ela é muito forte e te deixa ilhado sem a possibilidade de sair da barraca ou, pior ainda, invade o abrigo. A única forma de você minimizar as chances de passar por isto é ficar atento ao clima. Esta é a única situação que me faz desistir de um acampamento. Também não subestime os ventos. Se você perceber que irá ventar muito a noite (a noite sempre venta mais que de dia em condições normais de clima), opte em montar a barraca próxima de alguma estrutura maior e mais forte que ela, como um grupo de árvores ou no sopé de um morro e não no topo dele. Se o vento ficar muito forte enquanto você estiver dentro da barraca, use todas as tuas coisas para ancorar seu abrigo. Se estiver muito calor, cogite a possibilidade de você tirar todas suas coisas de dentro da barraca e estender o lençol no piso da mesma. Haverá mais área para ventilar e o lençol criará uma fina camada de algodão que não te fará grudar no material sintético/plástico da barrada e a ausência do isolante térmico fará com que o solo roube a temperatura do teu corpo. Evite suar porque umidade gera mais umidade. Eu, em dias quentes, antes de entrar na barraca, eu praticamente fico nu no lado de fora da barraca esperando meu corpo secar antes de entrar no abrigo, isto evita o famoso efeito-estufa. Se o caso for oposto, o de muito frio, utilize todas suas roupas uma por cima da outra até que você sinta menos frio, mas jamais saia de cima do isolante térmico. Uma dica importantíssima em casos de frio, não permita-se suar porque se o suor resfriar teu corpo ainda mais, você corre muitos riscos de adoecer.

Evite guardar a barraca molhada ou suja de alimentos porque você está criando um habitat perfeito para a vida bacteriana prejudicial à você através de mal-odores e riscos de problemas com sua pele. Ácaros na sua pele causaram coceiras insuportáveis e na ausência de água fria e sabão, você estará condenado a se coçar compulsivamente. Para evitar o ataque de ácaros em seu saco de dormir, dê um banho de sol forte de 30 minutos em cada um dos dois lados (interno e externo) do saco de dormir que isto exterminará os ácaros e eliminará um pouco dos mal-cheiro após dormir algumas vezes sem banhar-se.

Sobre ácaros e umidade no equipamento (Mochila & Bike)

Descansar acampando é uma ciência que todo o mochileiro precisa gostar de aprender porque, caso contrário, estará fadado a sempre sofrer com o desconforto.

Descansando em Hosteis

Ah, um hostel. Quem lê meu diário sabe o nível da parada. Hostel é um dos lugares mais divertidos para ficar durante uma trip, mas em um golpe de azar você pode hospedar-se em um lugar sujo e onde a galera em um nível de zoeira hardcore demais para seu estado de espírito. Eu particularmente quando estou em lugares assim, me divirto tanto que a última coisa que penso é descansar, contudo as vezes se faz necessário pelo menos algumas horas continuas de sono e nada melhor do que cama cheirosa e lugar com algum silêncio. Com minha experiência nos hosteis mais famosos do mundo e alguns bem chinelo, separei algumas dicas recarregar as baterias nesta modalidade divertidíssima de hospedagem.

Iguana Hostel em Montañita, Equador — Out/2015 (Aldo Lammel, CC BY-NC)

Se você quer um hostel para descansar nos horários convencionais (final da noite e por toda a madrugadas), escolha um afastado das ruas das festas porque em cidades turísticas em alta-temporada, as ruas fervem 24/7 e a zoeira será constante. Se for em uma cidade turística em data comemorativa (irra!), esqueça, você conseguirá dormir somente no final da manhã até o início da noite e não se surpreenda se o quarto estiver cheio justamente neste horário alternativo.

Como você viaja com pouco, obviamente pegará um quarto compartilhado. O segredo aqui é a escolha da cama. Se faz calor, procure a cama mais ventilada e se a temperatura não te molesta, opte pela cama mais no canto do quarto possível; ela terá menos fronteiras diretas com outras camas, evitando que haja gente por todo o lado fazendo ruídos na sua cabeça. Quando a zoeira é demais, eu durmo com fones de ouvido e com uma camiseta tapando meus olhos para bloquear a luz que é ligada eventualmente.

Se você desconfiar das roupas de cama usada, peça para que seja trocada por roupas de cama limpas e se mesmo assim você ainda desconfiar, forre a cama com seu próprio lençol e fronha porque a pior coisa que existe para quem tenta dormir são as irritações na pele que os ácaros em roupas de cama sujas, provocando uma coceira descomunal que apenas com um banho de água gelada e com muito sabão te ajudará a superar. Ainda assim não seja fresco, sua barraca não é o lugar mais limpo do mundo se você é um real mochileiro que dorme sem banho por dias a fio cruzando uma região sem nada.

A alma escrachada de um hostel se resume em festa, álcool e sexo. Se você não pode ligar com isto, não opte por esta modalidade, porém se optar por ela, entre no clima que, quando você for dormir, não terá energia para se queixar. E para constar, a grande maioria dos mochileiros respeita o silêncio nas habitações compartilhadas, seu inimigo sempre será os ruídos externos ao quarto. Se o ruído vier do quarto, sorria, é você ou outra pessoa sendo feliz. Não reclame. Viva!

TripAdsivor para as melhores dicas de hostel.

Descansando na Casa de Nativos (CouchSurfing, WarmShowers, etc)

Um mochileiro que nunca se hospedou na casa de um nativo está perdendo uma das experiência mais legais de uma viagem, talvez a mais de imersão culturalmente. Sites como CouchSurfing e WarmShowers lhe proporcionam estas experiências gratuitas porém ao ir descansar na casa de alguém que não é um estabelecimento preparado comercialmente para isto, tu estas sujeito as regras da casa, culturais e ao conforto disponível, seja dormindo em uma cama de casal perfeitamente limpa e cheirosa, seja diretamente em um canto qualquer no chão. As vezes sofá pode ser luxo, mas é raro isto acontecer e se suceder, você tem seu colchão inflável e saco de dormir.

Eu na casa de outros ciclistas na Argentina — março/2015 (Aldo Lammel, CC BY-NC)

Uma dica para dormir bem na casa do seu anfitrião de qualquer nacionalidade, idade ou credo é perguntar onde você dormirá e se existem regras "da casa" sobre horários para você despertar, por exemplo. Quase 100% dos casos você poderá dormir até o horário que você quiser, mas dependendo da parte da casa que você dormirá, isto é impossível como, por exemplo, dormindo no sala da casa onde pessoas estarão nela em um horário que você estará dormindo atirado e com seu ronco tradicional. Geralmente quando estou nesta modalidade de hospedagem é quando mais descanso.

Descansando nos Bombeiros (e outras instituições)

Dependendo da sua abordagem, do oficial do torno e do clima da companhia, você poderá ou não conseguir uma cama para dormir nos Bombeiros. Independente se você estiver em uma cama do quarto dos membros da corporação, dormindo no sofá, no seu colchão inflável ou até mesmo na sua barraca, durma cedo para levantar cedo. Instituições como bombeiros têm horários controlados para tudo, com sirenes berrando não apenas no horário oficial para despertar (geralmente por volta das 6:00), mas também devido as emergência que, em cidades grandes, toca o tempo todo. Durma cedo se quer descansar. Postos policiais e militares, mesma coisa.

Descansando na Altitude

Se você não for um sherpa ou membro de outro povo que se desenvolveu em altitudes sobre-humanas ou ainda dentro de um avião pressurizado (todos voos comerciais tradicionais), você terá dificuldade para descansar em cidades e paisagens acima dos 2.000 metros como em lugares na América do Sul (países andinos), Europa (países alpinos) e Ásia (países himalaios), por exemplo. A altitude aumenta a pressão arterial e causa dores de cabeça que podem ser confundidas com enxaquecas repentinas, porém o que evita com que você descanse e não há remédio viável para você levar contigo é a falta de oxigênio que te faz sufocar ao relaxar o corpo durante o sono.

Durante minha viagem pela América do Sul, as dores de cabeça surgiram a partir de 1.500 metros e isto varia de pessoa para pessoa e que pode ser resolvido quase que por completo cortando o sal da comida e permanecendo na região por alguns dias para seu corpo se adaptar. Ainda assim sentir falta de ar é inevitável. Ao despertar na noite com essa sensação, respire fundo e tente relaxar ao seguir respirando fundo até você voltar a dormir. Pessoas com sobrepeso e com histórico de apneia do sono tem que buscar mais informações sobre o impacto da altitude sobre seu corpo. O sufocamento para dormir ocorreu em mim a partir dos 4.000 metros e aos 6.000 no sul da Bolívia eu simplesmente não conseguia descansar.

Descansando em Ônibus e Voos

Procure não ficar próximo do banheiro, o cheiro vindo dele sempre será desagradável. Geralmente os ônibus sacodem de acordo com a topografia da região aonde você está. Em países montanhosos onde as estradas serpenteiam estas regiões, você simplesmente não conseguirá dormir continuamente devido ao sacolejar do veículo. Em voos, o sofrimento pessoal é menor começando que os banheiros tem algum capricho na limpeza. Em ambos os casos, a melhor coisa a se fazer é apoiar sua cabeça com peças de roupa ou com aquela almofadinha especial para isto e relaxar reclinar-se o máximo possível para que seu corpo fique bem ancorado horizontalmente para um verdadeiro descanso por mais que possa parecer impossível em viagens longas nesta modalidade.

Descansando em Alto-Mar

E de repente o mar. Você se vê com um oceano à frente e não quer voar para transpô-lo. Alternativas? Navegar! Sem vivência em alto-mar, o enjoo náutico pode ocorrer e é provável que irá acontecer. Um dos motivos do enjoo mais comum é quando seu corpo sacode de um lado para o outro por um longo período e o líquido dentro de você balança junto porém sempre e direções opostas. Com nove anos de experiência em alto-mar, meu bom amigo Patric Santos de Oliveira diz que "em minhas primeiras viagens pelo mar revolto, o enjoo me veio. Os tripulantes mais experientes me mandaram para no centro do barco em sua área mais baixa. O movimento de balanço era menor lá e um pouco antes de dormir e se me sentia enjoado, era o que eu fazia até meu corpo se acostumar com o oceano. Os dias passaram e dormir no mar se tornou como descansar em casa, com a diferença de que antes de dormir você pode se acalmar olhando a noite com mais estrelas da sua vida". O marinheiro também conta que beber pouco no primeiro e segundo dia navegando é fundamental além de não exagerar na quantidade de comida e na gordura, mas sempre ter o estômago forrado.

Leia também: Como ser um ciclista-marinheiro (Seaman's Book) (Em breve).

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