Histórias em código

Mudar senhas é muito mais do que apenas escolher novos caracteres

Leandro Demori
5 min readApr 10, 2015

Em 20 de novembro de 2014, a New York Times Magazine publicou “A Vida Secreta das Senhas”. Foi uma investigação sobre a humanidade que muitas vezes se esconde em uma simples seqüência de caracteres, e uma reflexão sobre por que imbutimos sentido nesses códigos quando nos aconselham a não fazermos isso. Um mantra motivacional, um xingamento ao chefe, uma ode a um amor perdido, uma piada interna, uma cicatriz emocional que nos define — havia algo cativante, até inspirador, nestes souvenirs de nossa vida interior.

Ao escrever este artigo, eu catei senhas em todos os lugares que pude: sentado na sala de espera do médico, andando de trem, pensando durante aquele silêncio constrangedor do jantar de Ação de Graças com os sogros. Entrevistei centenas de pessoas, a maioria estranhos. Um número surpreendente estavam dispostos a me dar confiança e ceder não apenas suas senhas, que eles jamais deveriam revelar, mas também o segredo emocional que faz cada um desses códigos se tornar tão pessoal.

Eu marquei um café com um ex-presidiário pra saber por que seu password incluía seu número de identificação como preso.
(“Uma lembrança para não voltar pra lá,” ele disse).

Eu discretamente perguntei a uma mulher em um parque sobre ela ter decifrado a senha de seu filho (“Lamda1969”) depois que ele cometeu suicídio, e sua descoberta, dolorosamente tarde, de que ele era gay.

Eu troquei e-mails com um desacreditado católico que me contou por que seu password continha a Virgem Maria. (“É um calmante secreto”, confessou).

Enlatado em um avião, sentei-me ao lado de uma mulher de 45 anos de idade, sem filhos, que me revelou que sua senha era o nome do bebê que ela perdeu ainda na gestação (“É minha maneira de tentar mantê-lo vivo, eu acho”, ela disse).

A seu próprio modo, essas pérolas também sugeriram algo maior: como os seres humanos são criaturas criativas e sentimentais, que tipo de força nos leva a vivermos nossas peculiares rotinas, e por que transformamos algemas em arte. A New York Times Magazine e Medium publicaram notícias sobre o tema. E os leitores começaram a oferecer suas próprios histórias por trás de suas antigas senhas, as quais 15 delas estão abaixo:

  1. Tomada pela noção de que nossas senhas, repetidamente digitadas, podem ajudar a motivar e inspirar, Shelly Bredau escolheu o password “StrongMe” (“FortaleçaMe”) pra elevar a moral após seu casamento de 20 anos acabar de modo inesperado, mas ele teve que mudá-lo porque se pegava digitando “StrangeMe” (“EstranhoMe”). “Estranhos novos acordos, estranhos novos advogados, estranhos legalismos.”
  2. Tim, que pediu para não ter seu sobrenome revelado, ainda se pergunta por que usou “Waganaki”, o nome do acampamento de verão onde ele foi sexualmente abusado na juventude, e outras referências sobre aquele lugar. “Não tenho certeza por que me torturei ainda mais com esses passwords”, ele escreveu. “Talvez porque por muitos anos eu nunca quis falar sobre aquilo.”
  3. A senha de Joy Chen: o nome do personagem de um livro que ela começou a escrever e deixou de lado mesmo sem nunca ter abandonado totalmente. “A partir do momento que uma ideia é criada, ela nunca deixa de existir.”
  4. Um homem gay de Bombaim que à época ainda estava no armário, Aditya Joshi, usou por anos “Iamgay” (“Eusougay”) como senha. A cada vez que digitava, ele disse, “a confiança sobre mim mesmo crescia um pouquinho”.
  5. WhyDoTheDogsWakeMeOnSundays,” (“PorqueOsCachorrosMeAcordamAosDomingos”) e “Toomuchbakingsodamakesyourcakeabitfizzy” (“Bicarbonatodemaisestragaobolo”): são os passwords antigos de Darren Pauli, escolhidos para fazer sua mulher rir quando ele os compartilhou com ela.
  6. A senha de Nestor L. Reyes foi o número de série de seu fuzil M-16, 1132859. Treinando no 82º campo da Aeronáutica, ele dormia, comia e saltava de paraquedas com a arma. “Amável e mortal. Diferentemente das pessoas, ela nunca me deixou triste”, ele disse.
  7. “Meu casamento está desmoronando. Eu queria uma senha para superar o momento”, escreveu Sadie Welsh. “É incrível como as pessoas simplesmente deixam de conversar.” Seu password, “1WordBrandon,” (“1PalavraBrandon”) é uma lembrança, “pra dizer alguma coisa boa para meu marido ao menos uma vez ao dia”.
  8. Em seu password, “10yearstogo” (“10anosprair”) está uma promessa que ela fez a si mesma anos atrás, de terminar o colégio até os 23 anos de idade. Melisa Fernando agora tem 22. Ela ainda tem um ano para se formar.
  9. Iwillmisspeggy4ever” (“Sereimisspeggy4ever”). A mulher de Floyd Chaffee foi morta em um acidente de trânsito em 2001. Seu password o ajuda a “estar conectado com o que perdi”.
  10. Quando Rosemary Kuropat era criança, aquelas placas coloridas com dizeres bem-humorados que americanos colocam em seus carros eram inacessíveis para ela. Seu password, “MilK071120,” é em memória à sua mãe (Mil K.; nascida em 7/11/20) e à placa que ela disse que compraria se tivesse dinheiro.
  11. Na sexta série, Dorothy Pippin levava seu violino pra cima e pra baixo. Sua senha era “Dillinger,” uma referência ao mafioso que carregava sua metralhadora Tommy Gun em um estojo de violino. “Tempos divertidos de minha infância.”
  12. A senha de Vivian Tan Bo Yee, “sushifreak1308” (“sushilouca0813”) combina o apelido que seus amigos deram para sua comida favorita e a data que seus pais se separaram (agosto de 2013). “Conforto em coisas que uma vez nos assustavam.”
  13. O password de David Agudelo Restrepo, “eccehomo,” faz referência ao último livro de Nietzsche, Ecce Homo: como alguém se torna o que é, que o ajudou a superar uma desordem obsessiva. Ele lembra: “Eu sou só mais um cara, nada além disso.”
  14. Madison Romero sempre seguiu as regras. Então ele decidiu fazer algo inesperado: comprar uma tarântula pra assustar seus amigos. Não funcionou. Em vez disso, eles ficaram fascinados. Um fracasso engraçado, o episódio se tornou sua senha: “scaryspider” (“aranhaassustadora”).
  15. Depois de um verão desastroso de idas e vindas, Allison Sherry ecolheu “bettersummer2014” (“veraomelhor2014”) como password. “Apostei em um desejo profundo na minha existência cibernética.” Funcionou.

Este projeto continua. Se você tem histórias sobre suas senhas e quer compartilhar, mande um e-mail (em inglês) para urbina@nytimes.com

Crédito da imagem: Daniel Foster, via creative commons

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