DEPOIS DA CHEIA

AMAZÔNIA REAL
5 min readJul 13, 2015

--

Consórcios deveriam pagar perícia técnica, diz procurador

Raphael Bevilaqua, procurador da República. (Foto:MPF/RO)

Ana Aranda, especial para Amazônia Real

Porto Velho (RO) — O procurador da República em Rondônia Raphael Bevilaqua é um dos autores da ação civil pública por danos morais que obrigou o reestudo do EIA-Rima das usinas de Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira. Participam também como autores da ação representantes do Ministério Público Estadual, das Defensorias Públicas Estadual e União e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Segundo Bevilaqua, na primeira decisão à Justiça Federal acatou o pedido para que a perícia técnica que analise o estudo de impacto ambiental fosse paga pelos consórcios. No entanto, em segundo julgamento, o juiz Herculano Martins Nacif derrubou sua própria decisão.

“Realmente, o juiz mudou de opinião”, disse o procurador Bevilaqua à Amazônia Real.

Raphael Bevilaqua afirma que, como não há recursos para a comissão de oito peritos trabalhar nas análises do novo EIA-Rima em campo, os especialistas se limitam a analisar os dados enviados pelos consórcios ao Ibama. Não há dinheiro para pagar os deslocamentos dos peritos para as áreas que foram afetadas pelos transbordamentos dos reservatórios. O trabalho de campo foi realizado apenas uma vez, com a participação de três peritos.

Segundo o procurador, a comissão de peritos recebe os dados do reestudo das obras por meio de um Termo de Referência Complementar do Ibama. Relatórios semestrais e mensais são enviados aos especialistas.

Beviláquia disse que esses dados deveriam ser coletados pelos próprios especialistas, que representam a sociedade civil. “Não é o ideal, mas é melhor do que se não tivesse nada. Mesmo assim, a comissão está contribuindo”, afirmou.

Bevilaqua considera que a sociedade civil ficou em patamar desigual ao dos consórcios com a decisão judicial que revogou o pagamento da comissão de peritos independentes.

“A sociedade civil não tem como bancar as pesquisas, que, assim, estão sendo feitas pelos empreendedores. Em um universo em que a gente necessita de técnicos com especialização e de infraestrutura complexa para proceder estudos, estamos com armas desiguais. Existe uma disparidade muito grande nos recursos [da empresa e do poder público]”, afirmou o procurador.

Raphael Bevilaqua disse que a Legislação Brasileira é falha e deveria ser alterada, conforme já foi sugerido por estudiosos do Direto. “Dependendo da obra que estiver sendo licenciada e do interesse estratégico do Governo Federal, o interesse ambiental não necessariamente vai prevalecer. Na verdade, o governo estará licenciando a si mesmo”, justifica Raphael Bevilaqua.

Distrito de Jaci-Paraná onde famílias receberam ajuda das usinas (Foto: Marcos Freire/Decom (RO))

Segundo o procurador Raphael Bevilaqua, o objetivo principal do novo EIA-Rima das usinas do Madeira é verificar se as novas vazões, registradas em 2014, alteraram a estrutura das barragens, a passagem da água e as turbinas, além da formação dos reservatórios.

Durante a enchente do ano passado, a vazão do rio Madeira, que oscilava até 40.000 metros cúbicos por segundo (m³/s), registrou uma marca recorde de 75.000 m³/se na sua foz.

A liminar, segundo ele, abrange ainda os impactos sociais e ambientais na vida das pessoas e dos animais, fluxo migratório de animais silvestres e peixes, entre outros pontos. A proposta também é fazer um pacto sinérgico não só da bacia, mas de outros cursos de água adjacentes.

“A ideia é que se faça uma revisão geral do projeto. Com base nestas novas vazões registradas no ano passado para verificar se foi dada uma margem grande ou estreita para o aumento dos reservatórios. Se na época era possível prever [as novas vazões]”, afirma o procurador Raphael Bevilaqua.

Raphael Bevilaqua diz que no Direito existe a regra do dever jurídico previsto na “Responsabilidade Objetiva” pelo qual se um empreendedor exerce uma atividade e causa um risco para a sociedade, ele deve arcar com todos os prejuízos que o empreendimento possa provocar, independentemente do fato de ele ter culpa ou não, se podia ou não prever as causas dos impactos. “Mesmo que não tivesse sido possível prever [a cheia do ano passado], a responsabilidade pelos danos provocados pelo agravamento das alagações decorrentes das obras é dos consórcios, porque existe a Responsabilidade Objetiva”.

Saiba quem são os especialistas da comissão da perícia técnica do reestudo do EIA-Rima das usinas do Madeira

Célio Bermann e Philip Fearnside. (Foto: ESBR)

Philip Martin Fearnside — Ph.D. em Ciências Biológicas, pela University of Michigan, EUA. Pesquisador do INPA -Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Manaus).

Célio Bermann — Doutor em Engenharia Mecânica na área de Planejamento de Sistemas Energéticos pela FEM/UNICAMP. Professor Associado (Livre Docente) do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo -USP.

Edna Maria Ramos de Castro — Doutora em Sociologia pela Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales, em Paris. Professora da Universidade Federal do Pará (UFPA). Membro do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA).

Carlos Bernardo Vainer — Doutor em Desenvolvimento Econômico e Social/Université de Paris I Panthéon/Sorbonne. Professor Titular do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR-UFRJ). Coordenador do Laboratório Estado, Trabalho, Território e Natureza (ETTERN).

Alfredo Wagner Berno de Almeida — Doutor em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro — Museu Nacional. Coordenador do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia e Professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e da Universidade Estadual do Amazonas (UEA).

Sônia Maria Simões Magalhães — Doutora em Sociologia pela Universidade de Paris, Professora da Universidade Federal do Pará (UFPA) e Coordenadora do NUMA (Núcleo de Meio Ambiente)

Jorge Molina — Mestre em engenharia hidráulica e professor da Universidade Mayor de San Andres, e do Instituto de Hidráulica y Hidrologia (IHH) da Bolívia.

Paulo Andreas Buckup — Ph.D. em Ciências Biológicas na Universidade de Michigan. Pesquisador em Sistemática e Biogeografia de Peixes Neotropicais do Museu Nacional. Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas (Zoologia) da UFRJ e membro do Conselho Deliberativo da Sociedade Brasileira de Ictiologia.

Veja o documentário produzido sobre a enchente e a relação com as usinas do Madeira dirigido pela cineasta Lou-Ann Kleppa.

Leia também:

DEPOIS DA CHEIA — Trabalho de campo da perícia nas usinas do Madeira está parado por falta de recursos

* Esta reportagem especial faz parte do projeto “Amazônia Real — promovendo a democratização e liberdade de expressão na região amazônica” que recebe financiamento da Fundação Ford, por meio do programa “Promovendo Direitos e Acesso à Mídia”.

--

--

AMAZÔNIA REAL

O site da agência de notícias Amazônia Real tem a missão de fazer jornalismo independente, pautado nas questões da região amazônica e de seu povo.