Seminário sobre métodos de pesquisa para as Epistemologias do Sul:

Fernando Carneiro
11 min readAug 7, 2014

o que há de novo?

Quintela, Portugal, 22 de junho de 2014

Universidade de Coimbra

Centro de Estudos Sociais

Projeto Alice

Um relato

Fernando Ferreira Carneiro – Pós Doutorando do CES Associado ao Alice

Prólogo

Foi um Seminário diferenciado.

Aprendemos sobre “metodologias de pesquisas transgressivas”…

Portanto, me propus a colocar em prática alguns desses aprendizados, fazendo um relato transgressivo também…que buscasse se aproximar das cores, cheiros, sabores, sentimentos daquele dia e que registrasse alguns aprendizados do que foi o domingo na Aldeia do Boaventura…de Eduarda…Ema…Leonel…Rosa…Ilda…Maria do Carmo…e Sara (in memorian)

Foto da Cozinha: Vanira, Eduarda, Maya, Rosa, Fernando

A Ementa

Nossa entrada

O caldo verde que não poderia faltar…sem agrotóxicos… é claro!

Tudo do quintal…

A maravilhosa chanfana…cozida no vinho

As sobremesas…a verdadeira Ecologia de Sabores…

Dos aspectos científicos tratam vocês

Abraço,

Boaventura

Como nasce a ideia do seminário?

Foi realizado o Seminário de Pesquisa do Projeto Alice (http://alice.ces.uc.pt), no mês de maio de 2014, já com o retorno dos trabalhos de campo em 4 continentes (http://alice.ces.uc.pt/en/index.php/santos-work/boaventura-de-sousa-santos-what-is-alice-alice-interview-19/).

As apresentações me despertaram muitas curiosidades metodológicas. Esse é o tema principal de meu pós doutorado. A cada apresentação dos colegas eu fazia perguntas sobre as metodologias utilizadas no trabalho de campo.

Não saí “ileso” à minha curiosidade e interesse no tema. Boaventura sugere que organize um seminário para aprofundar a questão das metodologias.

Assumi a tarefa.

Um seminário como esse pede um lugar especial. Prontamente, Boaventura ofereceu sua casa, na Aldeia de Quintela, para realizar o seminário.

A Casa

Objetivos

Esse seminário teve como foco as reflexões fruto de experiências de trabalho teórico e metodológico que concorrem para ampliar os pressupostos em que assentam as ‘epistemologias do Sul’: aprender que existe o Sul, aprender a ir para o Sul e aprender a partir do Sul e com o Sul.

Imagem do Colóquio Internacional Epistemologias do Sul , Coimbra, julho, 2014

Introdução:

A crítica ao modelo hegemônico de produção de conhecimento moderno e a apropriação das contribuições teóricas e metodológicas produzidas a partir de outros paradigmas (emergentes) são necessárias para compreender a teia de relações de saber/poder que explicam a exaustão do modelo presente. Este empobrecimento da capacidade de compreender o mundo está na origem da crítica (interna e externa) que Boaventura de Sousa Santos tem feito à ciência moderna. De facto, se, por um lado, a ciência insiste em reclamar para si o estatuto da verdade, eliminando concepções científicas e práticas sociais como os conhecimentos populares, desqualificando-os e relegando-os à marginalidade epistêmica, é bem verdade que a diversidade epistêmica do mundo é uma realidade inquestionável.

Os outros paradigmas que se concretizam no campo empírico e teórico que buscam superar a “monoculturas” irão estar no cerne das conversas nesta tertúlia. As conversas desenvolveram-se em torno a reflexões fruto de experiências de trabalho teórico e metodológico que concorrem para ampliar os pressupostos em que assentam as ‘epistemologias do Sul’: aprender que existe o Sul, aprender a ir para o Sul e aprender a partir do Sul e com o Sul.

O Método — a Tertúlia

O seminário teve vários momentos: numa primeira parte tiveram lugares várias apresentações, curtas, que avaliaram e debateram experiências e inovações metodológicas. Seguiu-se um segundo momento, onde a discussão fluiu de forma horizontal e informal. Na parte da tarde tivemos uma tertúlia aberta, com breves apresentações e comentários dos colegas que não apresentaram as suas reflexões, apresentações estas, que estimularam o debate.

Acolhidos pela árvore da vida

As recomendações de leituras contidas no final desse documento foram estudadas como etapa preparatória para esse seminário. A maioria dos apresentadores fizeram pequenos textos de suas falas.

Os participantes

Antoni Aguilló

Boaventura de Sousa Santos

Bruna Muriel

Bruno Sena Martins

Catarina Laranjeiro

Cristiano Gianolla

Dhruv Pande

Eber Quiñonez

Élida Lauris

Erick Morris

Fabio Merladet

Fernanda Belizario

Fernando Carneiro

Flavia Carlet

Francisco Freitas

Gabriela de Freitas Figueiredo

Isabel Gomes

Joana Ricarte

José Luis

Maisa Lins

Mara Bicas

Maria Paula

Mariana Lourenço

Marina Mello

F. Orlando Aragón

Sara Araújo

Teresa Cunha

Tiago Miguel Knob

Vanira Matos Pessoa

Ximena Peredo

Como foi a programação?

Início

O caminho

fomos a maioria de autocarro…

Estrada para a Serra da Estrela

Depois de viajarmos 30 km chegamos a Quintela…

Acolhedor

As apresentações começam…com os comentários de Boaventura de Sousa Santos

· Sara Araújo –Licuati como desafio epistemico e metodológico. Texto de Maria Paula Meneses

· Bruno Sena Martins –Capitulo 2 ao Espelho: do Direito dos Oprimidos. Texto de Boaventura Sousa Santos

· Elida Lauris: Perguntar e observar não basta, é preciso analisar. Algumas reflexões metodológicas. Texto de José Manuel Mendes

· Maria Paula Meneses – Entrevistas e diálogos: a ‘construção’ do campo. Anexo do livro de Boaventura Sousa Santos O Direito dos Oprimidos

Gabriela Rocha Freitas – Potencialidades e Limites da Pesquisa Ação: a experiência do Programa Polos de Cidadania, Brasil

José Luis Exeni Rodríguez – Participação Observada e outras inovações metodológicas a partir das Epistemologias do Sul

Hora do almoço…e que almoço!

O sorriso de Elida diz tudo

Saciando várias fomes nesse dia

Visita a casa… e ao museu do Cristos

Mais de 400 Cristos de todo o mundo

Continuando a visita — Foto de Bruna Muriel

Vista do escritório

Invadindo a casa

Continuação da Tertúlia de debates

14:00hs às 19:00hs

• Fabio André Diniz Merladet – UPMS, uma nova metodologia para a Pesquisa?

• Fernando Ferreira Carneiro (facilitador)– O processo de criação da proposta de pesquisa do OBTEIA

Debate

Sarau Cultural (foi previsto, mas nossa Tertúlia tomou todo o tempo…ainda tentamos no autocarro de volta…mas fica a lição de sempre garantirmos o tempo para momentos como esse.)

Resultados

De todo o debate é possível elencar alguns princípios metodológicos de pesquisa para as Epistemologias do Sul ?

Uma tentativa:

A Carta de Quintela

Da relação sujeito objeto para uma relação entre sujeitos

1. Buscar boas surpresas (ignorância esclarecida) e evitar as más surpresas (ignorância ignorante);

2. É preciso comparar contextos;

3. É fundamental saber com chegar, como entrar, e o mais difícil…como sair do campo;

4. Devemos tratar as subjetividades e as objetividades sem neutralidade;

5. O tempo é o nosso maior desafio;

6. A construção de relações de confiança é um pressuposto cotidiano;

7. Os estudos de caso podem ser “alargados”;

8. O observador pode ser observado;

9. É melhor conversar do que entrevistar;

10. Esses princípios metodológicos também podem sofrer transgressões…

Os textos usados para o estudo

BRINGEL B e R. V. S VARELLA, 2014. Pesquisa Militante e Produção de Conhecimentos: o enquadramento de uma perspectiva. Seminário Diálogos Universidade e Movimentos Sociais na América Latina: pesquisa militante, construção de conhecimentos e bens comuns (Rio de Janeiro, 9 e 10 de maio de 2014). Disponível em <http://netsal.iesp.uerj.br/images/diversos/Texto-base.pdf>. Acesso em 19 de maio de 2014

Mendes, José Manuel de Oliveira (2003), Perguntar e observar não basta é preciso analisar. Algumas reflexões metodológicas.

Mendes, José Manuel (2004), Uma localidade da Beira em protesto: memória, populismo e democracia, in Boaventura de Sousa Santos (org.), Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo multicultural. Porto: Afrontamento, 159 — 191.

Mendes, José Manuel (2010), “Pessoas sem voz, redes indizíveis e grupos descartáveis: os limites da teoria do actor-rede”, Análise Social, 196, 447–465.

Mendes, José Manuel (2001), “A cada um a sua modernidade: as Ciências Sociais entre peritos e profanos”, Forum Sociológico, 5/6, 37–40.

Meneses, Maria Paula (1999), “A natureza, a biodiversidade e o conhecimento local: qual o papel dos cientistas sociais”, Estudos Moçambicanos, 17.

Meneses, Maria Paula (2003). “Os ‘outros’ e ‘nós’: a questão do acesso, uso e gestão dos recursos naturais em Licuáti”. In: Boaventura de Sousa Santos e João Carlos Trindade (org.). Conflito e Transformação Social: uma paisagem das Justiças em Moçambique. Porto: Afrontamento. Vol., 2, 451–476

Meneses, Maria Paula (2011), “Images Outside the Mirror? Mozambique and Portugal in World History”, Human Architecture: Journal of the Sociology of Self-Knowledge, IX, Special Issue, 121–137.

Meneses, Maria Paula& Lopes, Julio (Orgs) (2012). Direito por fora do Direito: as instâncias extrajudiciais de resolução de conflitos em Luanda. Edições Almedina, Coimbra.

Santos, Boaventura de Sousa (1983), “Os Conflitos Urbanos no Recife: o caso do ‘Skylab’”, Revista Crítica de Ciências Sociais, 11, 9–59.

SANTOS, Boaventura de Sousa Renovar a teoria crítica e reinventar a emancipação social. 1. São Paulo: Boitempo, 2007.

SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula. (Orgs.) Epistemologias do Sul. São. Paulo; Editora Cortez. 2010. 637páginas. Epistemologias do Sul.

SANTOS Capitulo 2 ao espelho Direitos dos Oprimidos ( no prelo).

Algumas reflexões depois de Quintela…pelos participantes…

“De um lado, a exigência da objetividade na produção acadêmica foi tão massacrante (não aos adjetivos! Não às metáforas! Não à imaginação! Não à 1ª pessoa!) que hoje, ao produzir um artigo acadêmico, quase não me reconheço como autora do mesmo. Sem contar que a construção sofrida deste autor invisível (cuja inexistência não passa de mera ficção) trouxe a perda do elemento do prazer, que a escrita sempre me proporcionou.

Diferente de quando escrevo textos de teor mais político, poético, crônicas, que não me parecem mais ou menos verdadeiros do que os artigos científicos. O que me remete as afirmações do poeta brasileiro Manoel de Barros: ”Só 10 por cento do que escrevo é mentira. O resto, é invenção”. Ou: “Tudo o que não invento, é falso”. E ainda “Há muitas maneiras sérias de não dizer nada. Mas só a poesia é verdadeira”.

Boaventura comenta a censura nas ciências sociais em relação ao discurso poético e ao seu principal recurso, a metáfora. Me questiono: terei tempo, ainda, de harmonizar esta produção escrita que ficou tão fragmentada? E perceber o texto acadêmico como um novo lugar, mais integrado com a subjetividade, a imaginação e a poesia?”

Bruna Muriel

“Caras e caros,

Meu Caro Fernando,

Acho que esta uma maravilha este relatório. Bela ideia Fernando! As fotos dizem mais que o texto e completam tudo. Porque nas teses, relatorios e sitematizações somos tão avaros em incluir fotos e outros documentos que pela sua diferente linguagem exprimem o que a escrita nao consegue dizer? E depois há a escrita e a meta-escrita: a minha carta de agradecimento as vizinhas e a respectiva ementa dava para fazer uma tese de doutoramento partindo de cada ideia cotidiana (cada prato, cada sabor) para os conceitos, relações, escalas, modos de produção , culturas, estado, relações internacionais que lhe subjazem. Buscar o extraordinario no ordinario!

Parabéns, Fernando. Não tenho nada a acrescentar. Divulguem ao máximo. estamos a fazer coisas novas de maneira nova. Mas um novo que se revê maravilhado em Paulo Freire, sem complexos de novidade ou ruptura

Estamos aprendendo a ser contermporaneos de maneira activa criativa e critica.

Há que fazer mais Quintela, lá e noutro lugar. A idéia da carta e ótima, é assim como se fosse em twitter.

Um abraço grato

Boaventura”

Um pouco mais de Quintela

Daqui saiu o nosso vinho

FIM

Anexos

A convocatória

Car@s Pesquisad@res do Alice, associados e apresentadores,

Como desdobramento do Seminário de Pesquisa do Projeto Alice, realizado no mês de maio, foi sentida a necessidade de aprofundarmos nossas reflexões sobre as inovações metodológicas surgidas à partir das várias experiências de campo analisadas.

Por isso gostaríamos de convida-l@s para participar do Seminário: Métodos de pesquisa para as Epistemologias do Sul:

o que há de novo?

O seminário será realizado no dia 22 de junho de 2014, domingo, de 10:00hs as 19:00hs, na Quintela do Boaventura.

Buscamos desenvolver uma proposta de seminário que valorizasse, principalmente, o conhecimento já produzido pela equipe do Projeto Alice com mais algumas contribuições voltadas para o foco do seminário.

A proposta de Seminário segue em anexo, bem como alguns textos inéditos que ainda estão no prelo para serem publicados.

Para o sucesso do seminário é importante a leitura de todo os textos de subsídios. Os que não estão disponíveis na internet serão enviados por correio eletrônico a exemplo dos que já seguem . Os textos curtos dos apresentadores também serão enviados para todos os participantes com antecedência.

O grupo prioritário para participação é o que está recebendo essa mensagem (somos entorno de 20 pessoas). Abriremos 10 vagas para pesquisadores e estudantes do CES, que tenham participado do Seminário de maio do Alice e que tenham condições de ler o material de subsídio. A coordenação executiva do Alice vai nos ajudar nesse processo.

Contaremos com almoço no local, mas os demais detalhes logísticos serão informados no início da próxima semana.

Além da rica produção teórica e metodológica, teremos um almoço coletivo e ao final, um sarau cultural.

Contamos com tod@s, pois é um seminário que também buscará desenvolver práticas de Bem Viver!

Abraços

Fernando Ferreira Carneiro

Equipe de facilitadores do Seminario

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Fernando Carneiro

Biólogo, Mestre em Saúde Ambiental, Doutor em Epidemiologia, Pós Doutor em Sociologia. Pesquisador da Fiocruz Ceará e do Obteia/Nesp/UNB