Liberdade de expressão?

Quem fala o que quer, lê o que não disse

Vagner Vargas
HIGH FIVE

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por Vagner Vargas

— Podemos dizer que vocês são os azarões?, perguntou o repórter.

— Ahn? Azarão? Eu?, questionou LeBron James.

— Eu não acho que você seja…, tentou acrescentar o repórter.

Nem eu. Eu nunca seria o azarão, encerrou LeBron.

O diálogo acima ocorreu depois que o Cleveland Cavaliers eliminou o Chicago Bulls nos playoffs da NBA. Os Cavs se classificavam então para a final da Conferência Leste. O próximo adversário? Atlanta Hawks, dono da melhor campanha durante a temporada regular.

Diante do cenário apresentado, o repórter fez uma pergunta válida. Os Cavs se acertaram aos trancos e barrancos depois de um começo de temporada complicado e ainda perderam o ala-pivô Kevin Love nos playoffs. Os Hawks, embora tenham tido seus altos e baixos, tiveram uma temporada bastante sólida e dominante no Leste.

Quem é o favorito?

Não importa. O que me motivou a escrever isso foi a atitude de LeBron James. Confiante? Sim. Arrogante? Não acho. Menosprezou o adversário? Nope. Sincero na resposta? Absolutamente.

Conhecendo o esporte aqui no Brasil e o peso que a imprensa costuma dar a cada declaração, eu afirmo: coitado do LeBron se fosse brasileiro. Já imagino até as manchetes após o diálogo lá de cima.

LeBron James detona os Hawks e diz que Cavaliers são favoritos

LeBron provoca os Hawks antes da final: “Não sou azarão”

Para LeBron, time do Atlanta é inferior ao dos Cavaliers

E por aí vai. E a repercussão? Ah, o que ia ter de repórter correndo até Atlanta para tentar arrancar uma resposta atravessada de alguém. Ou uma declaração de que o técnico vai utilizar a matéria na preleção para incitar os jogadores, um clássico por aqui.

O politicamente correto forçado pela sensacionalização das declarações deixou o dia a dia esportivo chato no Brasil. Não é que tenhamos poucos jogadores autênticos a ponto de dar uma resposta assim, sincera e objetiva. O problema é que estão todos vacinados: qualquer declaração fora do padrão “temos que respeitar o adversário e vamos buscar os três pontos” é tratada com uma espetacularização absurda. Pior, é induzido a ser visto como desrespeito ao rival.

Não digo que os Estados Unidos são o paraíso neste sentido. Recentemente vimos o duelo Paul Pierce e imprensa de Toronto, por exemplo. Mas até mesmo as provocações são mantidas em seu lugar e não são levadas para a quadra. O jogo é o jogo, as notícias são as notícias. Lá, o trash talk faz parte do negócio, principalmente nos playoffs.

Ora, se queremos mais autenticidade dos atletas, é preciso respeitar o que eles dizem. Ao transformar frases soltas em títulos flamejantes, a própria imprensa passa um recado controverso àqueles que são parte essencial do produto final.

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