Força Feminina Colorada: trincheira de combate ao machismo no Beira-Rio
Há nove anos no clube, torcida organizada no estádio do Internacional é a única coordenada por mulheres
Um grupo de mulheres apaixonadas pelo Sport Club Internacional se une, move e realiza trabalhos sociais com crianças de escolas públicas desde 2009. É a torcida organizada (TO) Força Feminina Colorada (FFC). Elas torcem juntas no Beira-Rio como um ponto de resistência feminina entre os homens, que ainda são maioria nos jogos do Inter. Numa sala, num recanto do gigantinho, é onde as histórias e conquistas da FFC, a mais nova do quadro de TOs do colorado, se prendem.
Ainda em 2009, numa comunidade da extinta rede social Orkut, um grupo de 12 mulheres debatia sobre a vontade de ir aos jogos, mas se sentiam sozinhas. Resolveram unir-se e, aos poucos, o movimento começou a tomar corpo. No começo não eram reconhecidas pelo clube, nem pelo Ministério Público. Foi na gestão de Vitório Píffero, em janeiro de 2010, a partir do convite para uma reunião com os dirigentes, que o grupo foi admitido no quadro de TOs.
“O mote da nossa torcida sempre foi termos umas às outras para torcer”, relata a atual presidenta da organização, Maria Lúcia Barbará, a Malu. Com quase 10 anos de torcida organizada, ela frequenta o Beira-Rio desde 1996 e conta que houve uma “emancipação feminina nos estádios”, na medida que o tempo foi passando.
A torcida se organiza entre os portões 2 e 3 da arquibancada inferior do Beira-Rio, com direito a bandeirão, faixas e até banda, que acompanha as gurias desde 2016. No entanto, segundo a presidenta, mesmo sem episódios de violência envolvendo a FFC, ainda há punições ao grupo por parte do Ministério Público. “Eles diminuem instrumento, nos impedem de entrar com bandeirões, às vezes”, comenta, sem entender o porquê disso.
Ao entrar na sala onde se localiza a torcida organizada, no Gigantinho, nota-se um bandeirão secando ao fundo, no lado de uma prateleira com instrumentos, faixas e bandeirolas. Em frente a ela, está a mesa onde conversamos, um bandeirão do Mulheres Unidas Pelo Inter (MUPI) — um movimento de mulheres de todas as torcidas organizadas do clube, e uma grande sacola, que ocupava boa parte do espaço próximo à porta. “Nós temos diversas ações sociais e um projeto social. Nesta (apontou para a enorme sacola de pano), em homenagem ao outubro rosa, recebemos doações de lenços que serão repassados depois para instituições de combate ao câncer de mama”, explicou Malu, mostrando os mais de 500 lenços arrecadados nos jogos do Inter.
Crescendo juntas
Malu destaca que, logo no início da organização da torcida, na qual ela começou a participar no primeiro jogo, o pensamento delas enquanto torcedoras era diferente. “O lema, naquele tempo, era ‘paz e beleza no futebol’, aquilo até me chocou à época”, relembra. Entretanto, a união do movimento foi moldando as ideias das meninas e as conversas sobre suas posições no estádio foram mudando o posicionamento da torcida em geral.
“Começamos a conversar mais sobre a mulher, as questões femininas, sobre o nosso espaço e as posições que a gente quer ocupar. Hoje não é mais esse lema, porque ninguém é enfeite. Agora é ‘paz, empoderamento e representatividade’”, conta a presidenta, que observa um amadurecimento durante toda a trajetória da torcida dentro do clube. “No nosso setor, não aceitamos nenhum tipo de discriminação. Sem racismo, sem homofobia, nada. Ali, são as nossas regras que predominam”, completa.
Com 16 mil curtidas em sua página no Facebook, a TO se sente acolhida pelos torcedores do time. “Os jogos são muito bons para nós. Sentimos essa questão da representatividade. A mulher colorada se sente muito representada por nós”, expõe Malu.
A socióloga Patrícia Belém é fundadora e vice-presidenta da FFC. Antes de iniciar na torcida, sentiu a falta de identidade feminina no clube ao levar o filho no estádio pela primeira vez, ainda em 2009. “Fui sozinha com meu filho pequeno. Havia acabado de me separar. Na chegada ao estádio, eu e ele sozinhos, sem conhecer ninguém, é um momento que jamais esquecerei”, explica. Durante o jogo, ela recebeu abraços de um estranho por conta da comemoração de um gol e se sentiu constrangida. “Ali eu percebi que precisava estar com outras como eu”.
É com essa pegada da representatividade feminina nos estádios que a torcida foi se moldando. “Esse movimento crescente de mulheres nos estádios é algo lindo. Por muito tempo, o futebol foi tido como um evento unicamente masculino, agora as mulheres estão se empoderando”, exclama a torcedora organizada Amanda Rosa, 38 anos, que ingressou na FFC por um convite da mãe, em 2010. Para ela, o crescimento desse movimento de mulheres se dá, também, pelo combate ao machismo e ao assédio nos estádios. “O Inter é um clube que se preocupa muito com esta questão da mulher. Tem uma diretoria de mulheres que nos ajuda muito”, celebra.
Projeto Social
Entre as ações anuais da Força Feminina Colorada está o projeto social desenvolvido para crianças de escolas públicas ou com bolsa integral em escola particular. “São jovens que aprendem a tocar instrumento conosco na torcida”, diz a presidenta Malu. Os ensaios ocorrem todos os sábados, no Beira-Rio.
Há dois anos o projeto promove ações de final de ano com os jovens e os integra, aos poucos, à banda da FFC nos jogos do Inter no Beira-Rio. “Eles chegam aqui sem saber tocar nada. Começam com instrumento de percussão e alguns já praticam sopro”, explica Malu. Os meninos e meninas que participam também recebem auxílio de lanche e passagem quando estão nas atividades da torcida. Para fazer parte do projeto basta entrar em contato com a FFC pelo Facebook.
Como participar da torcida organizada
Aquelas que desejam participar da Força Feminina Colorada precisam preencher um formulário de inscrição no clube, no Centro de Atendimento ao Sócio (CAS), localizado no Beira-Rio. A mensalidade é de 25 reais, sendo necessário ser sócio do Club para fazer parte da torcida. O dinheiro da mensalidade é investido nos ensaios para as crianças, na aquisição de materiais da torcida e no pagamento dos músicos profissionais que fazem parte da banda.