Poder da incompetência.

Quando somamos ignorância, viés de confirmação e excesso de confiança temos a tempestade perfeita: pessoas cheias de certezas e incapazes de availar a própria incompetência.

Eden Wiedemann
6 min readOct 13, 2022

Esse texto é uma provocação — termo da modinha, desculpem — motivada pelo chorume das redes sociais, provas claras e cabais do que o professor David Dunning e seu aluno Justin Kruger apontaram um grande risco social e profissional.

Vamos começar com uma breve e curiosa historinha.

Um banco foi assaltado em Pittsburgh, em 6 de janeiro de 1996, em plena luz do dia. Até aí tudo bem, um assalto a banco em plena luz do dia é o que os cariocas chamam de terça-feira. O curioso é que o ato foi perpetrado — também sei falar bontito, hein? — por um único sujeito de cara limpa, sem máscara ou sem tentar esconder o rosto das câmeras de segurança (que naquele tempo tinham menos resolução que seu smart watch).

As imagens, mesmo com baixa resolução, foram mostradas algumas horas depois na TV aberta e o bandido, McArthur Wheeler, foi identificado e preso poucas horas depois.

Em seu depoimento, quando questionado a respeito de sua total falta de preocupação com sua identificação o gênio do crime alegou não entender o que tinha acontecido, já que tinha passado suco de limão no rosto e devia estar invisível para as câmeras.

Não, o cara não era doido. Ele mesmo tinha dúvidado do fato de que ficaria invisível usando tal estratagema… até que resolveu experimentar. Meteu suco de limão no rosto e, com os olhos ardendo, tirou uma selfie (olha aí, ela foi inventada por um bandido em 1996?) com uma câmera Polaroid. Só que o desgraçado, com os olhos queimando, não enquadrou direito e, pimba, a foto resultante não mostrava sua cara avermelhada. Ele, inteligente como poucos, ignorou a Navalha de Ockham — que se não estava aparecendo na foto a causa mais óbvia devia ter sido o mau enquadramento — e chegou a conclusão que estava invisível a equipamentos eletrônicos. E o ungulado foi preso, revelou seu artifício e quase matou os policiais de rir.

Quando essa história foi publicada em um jornal um professor de psicologia, David Dunning, ficou curioso. Como alguém podia confiar tanto em uma ideia de jerico como essa? Ele convidou um aluno, Justin Kruger, para investigar uma hipotese de que a confiança que uma pessoa deposita em seu próprio conhecimento não tem relação com quantidade ou qualidade do conhecimento em si e sim com o fato de que eles não enxergavam a própria ignorância.

David e Justin — chamo pelo primeio nome porque sou assim, cheio de intimidade— resolveram fazer uma série de testes com os alunos da faculdade. Abordando temas como humor, lógica, matémática e gramática os testes levaram a conclusão de que os alunos que menos sabiam sobre esses assuntos eram aqueles que achavam que mais sabiam, que defendiam com maior certeza seus erros e, vejam só, eram os que julgavam que os que sabiam mais que eles na verdade sabiam menos.

Resumindo: quanto mais incompetente você é em alguma área, menos você percebe sua incompetência — e mais confiante você se sente no seu (pouquíssimo) conhecimento.

Isso pode ser explicado pelo fato de que as habilidades que faltam a você naquela área são as mesmas habilidades que seriam necessárias para reconhecer o quão pouco você sabe sobre aquilo. É por isso que os ignorantes são tão confiantes: eles nem sequer fazem idéia do tanto de conhecimento que não possuem! Nem sabem o tanto que eles não sabem. Assim temos terra planistas, anti-vaxxers, fãs de políticos, negacionistas e outras raças menos inteligentes que os bichos que crescem em meu umbigo.

Isso também explica por que um indivíduo incompetente fica realmente surpreso, contrariado ou até ofendido quando descobre que estava errado. Ele tinha tanta certeza!

Por outro lado, pessoas que são realmente competentes em alguma área, com vasto conhecimento e experiência, tendem a ter uma confiança mais moderada nas suas capacidades. Os experts conseguem reconhecer melhor a vastidão do conhecimento na sua área e, comparativamente, os limites do seu próprio conhecimento. Eles muitas vezes confiam mais no conhecimento coletivo de determinado grupo ou até mesmo sofrem da sindrome do impostor.

Mas por que estamos lendo sobre isso afinal?

O tema é tão importante que David e Justin ganharam o Prêmio IgNobel no anos 2000, que é um maravilhoso prêmio concedido a descobertas cientificas que parecem improváveis e divertidas até se provarem fantásticas (para quem quiser saber mais sobre o IgNobel recomendo esse episódio — 1 de 2 — do maravilhoso Naruhodo, um dos melhores podcasts que abordam temas cientificos de maneira leve e divertida).

O efeito Dunning-Kruger pode ser visto ao nosso redor o tempo todo. Ele transborda em redes sociais e tem sido o combustível para a maior parte das discussões políticas. Muita gente se considera muito mais competente do que realmente é — e nem se dá conta de que pode estar errada. E isso pode — e chega — ao local de trabalho.

Por exemplo: um estudo com engenheiros de software de duas grandes companhias mostrou que 32% dos engenheiros em uma empresa e 42% dos engenheiros na outra consideravam-se entre os 5% de profissionais mais competentes. Os Devs já perceberam o erro mas deixa eu explicar para a turma de humanas: isso é simplesmente impossível, matematicamente falando!

Na medicina há um indice absurdo de diagnósticos errados por parte de médicos recém formados não pela inexperiência mas pela certeza de que seu primeiro diagnóstico está certo e de que não precisam consultar colegas.

Um exemplo muito bom desse fato aparece num estudo feito por Friedman e colaboradores em 2005. Os autores apresentaram uma série de casos clínicos de diagnóstico difícil a um grupo de estudantes de Medicina, um grupo de residentes de Clínica Médica e um grupo de médicos atendentes e preceptores.

Primeiro, analisaram a acurácia diagnóstica (a taxa de acerto). Nenhuma novidade até aqui: os médicos atendentes, mais experientes, acertaram mais diagnósticos (50%) do que os residentes (44%) e os estudantes (26%).

Depois, analisaram um dado mais interessante: a discordância entre a percepção de confiança dos sujeitos (se eles achavam que tinham acertado ou não) e a acurácia diagnóstica (se eles haviam acertado ou não).

Os estudantes, menos experientes e mais conscientes das suas limitações, tenderam a subestimar suas habilidades de diagnóstico: em 75% dos casos em que a confiança e a acurácia eram discordantes, os alunos achavam que haviam errado quando, na verdade, tinham acertado.

Por sua vez, os residentes apresentaram a tendência oposta: em 59% dos casos de discordância, eles superestimaram suas habilidades (achavam que tinham acertado mas, na verdade, tinham errado).

Preocupante, não é?

O objetivo desse texto é lembrar a vocês que conhecimento nos enche de dúvidas, não de certezas. Precisamos SEMPRE estar abertos a aprender, nos manter curiosos e conscientes de que o conhecimento está em todos os lugares e que boas ideias podem surgir de pessoas que acreditamos saber menos que nós sobre assuntos que dominamos.

O víes de confirmação é muito arriscado. Acreditar em algo simplesmente porque ele corrobora uma crença anterior é um erro crasso, tanto em questões sociais, políticas e profissionais.

É fundamental que sintam-se desafiados, que estejam estimulados a pensar em outras opções, a acreditar que por mais competentes que sejam — e vocês são — nenhum de nós tem a verdade absoluta.

Lembrem de Darwin quando ele diz que “a ignorância gera confiança com muito mais frequência do que o conhecimento”. De Socrates (não o jogador de futebol) quando disse “só sei que nada sei” ou de Renato Russo quando disse que “maturidade é não saber”.

E, por fim, cuidado com o efeito Dunning-Kruger, fuja dele mas não o confronte de peito aberto em outras pessoas. Lembre que ao corrigir um sábio você faz dele mais sábio, mas ao corrigir um idiota você faz dele um inimigo.

Boa semana para todos!

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