O MBL largou as ruas e partiu para o lobby em defesa de Michel Temer

eDemocratize
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7 min readMay 16, 2016
Foto: Felipe Malavasi/Democratize

Das ruas para o lobby político. A rotina do Movimento Brasil Livre, um dos principais protagonistas do impeachment de Dilma Rousseff, parece ter mudado bastante nos últimos dias. Antes ocupando as avenidas, e hoje passando o dia postando em defesa do presidente interino, Michel Temer.

Muita coisa aconteceu na última semana.

Na madrugada da quinta-feira (12) o Senado Federal oficializou o afastamento da presidente Dilma Rousseff de seu cargo por 180 dias. No mesmo dia, o novo presidente interino Michel Temer deu as caras e fez seu primeiro pronunciamento oficial.

Temer começou logo de cara indicando pelo menos 7 ministros investigados na Justiça. Alguns deles envolvidos nas investigações da operação Lava Jato, endeusada pelos movimentos pelo impeachment de Dilma.

No mesmo dia da posse de Temer como presidente interino, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, resolveu suspender as investigações sobre o senador Aécio Neves (PSDB), sobre seu envolvimento em casos de corrupção na estatal mineira Furnas.

Ao mesmo tempo, os ministros de Temer anunciavam que as coisas provavelmente não iriam mudar tanto assim.

O novo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, chegou a citar a necessidade de um imposto como a CPMF para segurar a sangria nos cofres públicos.

Estamos falando de: mais impostos, detrimento das investigações contra políticos corruptos e presença de ministros investigados até mesmo na Lava Jato nessa nova gestão em Brasília.

Foto: Gabriel Soares/Democratize

Todas as bandeiras citadas acima foram defendidas pelos grupos “anti-corrupção” que tiveram um importante protagonismo no impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Foram esses movimentos de rua, em conjunto com a oposição (e hoje governo) que fizeram pressão contra o retorno da CPMF e de possíveis novos impostos anunciados pelo então governo Dilma desde o final do ano passado. Também foram esses movimentos que colocaram o juiz Sérgio Moro em um pedestal, chegando a fazer um verdadeiro escândalo nacional com a possibilidade do ex-presidente Lula assumir o Ministério da Casa Civil. Disseram: “um homem investigado pela operação Lava Jato não pode assumir um ministério para simplesmente se safar de Moro”. Toda vez que algum político governista “escapava” da Justiça através de decisões questionáveis do STF e do Ministério Público, um verdadeiro escracho virtual e presencial acontecia.

Com Aécio não aconteceu. Com a possibilidade de um imposto novo como a CPMF no governo Temer não aconteceu. Com 7 novos ministros investigados pela Justiça e alguns pela Lava Jato também não aconteceu.

Afinal, onde foi parar o Movimento Brasil Livre?

Resolvemos pesquisar a frequência de novas publicações do Movimento Brasil Livre em sua página nacional e oficial no Facebook. Separamos em alguns tópicos o “teor” adotado pelos posts pós-queda de Dilma.

O lobby em defesa do presidente interino Michel Temer

Reprodução/Facebook

Duas medidas de Temer acabaram rendendo polêmica e discussão nas redes sociais nos últimos dias:

  • O fato de não ter nenhuma mulher nos ministérios
  • Acabar com o Ministério da Cultura

Sobre os dois temas, o Movimento Brasil Livre saiu em defesa de Temer.

Segundo post do grupo, o fim do Ministério da Cultura é motivo de comemoração: “Temos outras prioridades”.

Só esqueceram de citar que o MinC praticamente não conta com um orçamento anual significativo. Em 2015, foram determinados apenas R$2,6 bilhões para a pasta. Se formos descontar as despesas fixas, esse valor caiu para R$320 milhões para todos os programas e editais.

O Movimento Brasil Livre preferiu apoiar o fim do MinC do que o fim das pensões vitalícias para filhas de militares. Em 2015, a União gastou cerca de R$3,8 bilhões com o pagamento dessas pensões, direcionadas para apenas 185.326 pessoas. Esse valor significa mais de 1 bilhão de reais do que foi investido no Ministério da Cultura no ano passado.

Por outro lado, o MBL parece “se divertir” com a inexistência de mulheres comandando os ministérios de Temer — algo que foi criticado até mesmo pelo senador Aécio Neves.

Mas ainda sobra espaço para outros elogios e lobby em defesa de Temer.

Reprodução/Facebook

O colunista oficial dos grupos pró-impeachment de Dilma, Reinaldo Azevedo (da revista VEJA) é presença constante nas publicações do grupo.

Se antes um ferrenho critico do governo e da situação, hoje Azevedo já pode se considerar o Emir Sader de Michel Temer, elogiando o novo ministro da Justiça do governo federal — o autoritário Alexandre de Moraes, conhecido em São Paulo por ter sido o responsável por mais de 20 jornalistas feridos apenas neste ano por conta da truculência da Polícia Militar.

O passado de Moraes é questionável, tendo advogado para uma empresa reconhecida como de propriedade da facção criminosa Primeiro Comando da Capital, o PCC.

Mas isso não importa — afinal, o grupo preferiu endeusar a imagem de Michel Temer em detrimento a do ex-presidente Lula, em uma notícia provavelmente sem conteúdo jornalístico algum, citando que Temer “não quer papo com Lula”. No mundo da política, onde os bastidores fazem a real politik funcionar, todo mundo sabe que isso é uma falácia.

Mas ainda sobra espaço para mais “puxa-saquismo” ao novo presidente interino.

Reprodução/Facebook

Aqui o Movimento Brasil Livre elogiou a medida de Michel Temer de “repudiar os países bolivarianos”. Se quem comanda o Itamaraty hoje é José Serra, ex-governador de São Paulo que teve recentemente a Justiça na sua cola — com a juíza Roseana Cristina aceitando a denúncia contra cartel de trens em licitação de R$1,8 bilhões em seu governo em 2009 — , não importa. Afinal, “é contra os bolivarianos”, não importa se o novo ministro das Relações Exteriores é um notório político envolvido em escândalos de corrupção.

Já o novo ministro da Saúde, o primeiro a comandar a pasta a não ser médico desde 2002, também é aplaudido pelo lobby político nas redes sociais do MBL.

Ricardo Barros, deputado licenciado do PP (principal partido envolvido nos escândalos da Lava Jato) disse recentemente que “a fé move montanhas”, sobre a fosfoetanolamina, nome da substância conhecida como “pílula do câncer”.

Vale lembrar que no ano passado o Supremo Tribunal Federal decidiu por manter aberta a investigação contra Barros por fraude licitatória. Mas para o MBL, Barros é importante e deve ser defendido por fazer “a devassa na gestão do PT”.

Ainda sobra espaço para: vender!

Reprodução/Facebook

O Movimento Brasil Livre, mesmo sem atuar nas últimas semanas com mobilizações de rua e já estar praticamente com um pé no Planalto com Michel Temer, ainda vende seus produtos na internet.

Já que a “corrupção acabou”, sobrou espaço na timeline do grupo para a venda de camisas contra o Partido dos Trabalhadores e contra a presidente afastada Dilma Rousseff.

Mesmo com doações individuais, venda de produtos e até mesmo financiamento estrangeiro por parte da ONG Students For Liberty, o Movimento Brasil Livre ainda se nega a abrir a transparência de seus cofres.

Mas nem tudo é só com o MBL.

O Vem pra Rua mudou de nome: agora é Fica em Casa e Trabalhe por Temer

Reprodução/Facebook

Até mesmo o Vem pra Rua, maior grupo e articulador do impeachment da presidente Dilma Rousseff, resolveu praticar lobby em defesa de Michel Temer.

Uma das postagens celebrava a nomeação de José Serra para o Itamaraty, enquanto outra aplaudia o “corte do aparelhamento petista no Estado”.

O último post chamou a atenção: um seguidor resolveu questionar o posicionamento do grupo que, assim como o MBL, parece ter abandonado a “luta contra a corrupção” para agora praticar lobby político para o novo presidente interino. Em resposta, a página disse: “O Vem pra Rua tem como um de seus lemas: fora corruptos, todos”.

Claro, não pareceu ser bem assim ao elogiar o novo ministro das Relações Exteriores, José Serra, citado lá em cima como um dos ícones da política mais blindados contra investigações envolvendo corrupção.

Mas, e agora, como fica?

Agora fica como o vídeo acima, produzido pelo Democratize na última grande manifestação contra Dilma Rousseff, em meados de março.

Conversamos com muitos os manifestantes que demonstravam não seguir a linha política e ideológica defendida pelos grupos que organizavam os atos — MBL e Vem pra Rua — , mas que mesmo assim estavam presentes por sua insatisfação com a classe política, a crise econômica e a corrupção.

Esse grupo de manifestantes, que representa a grande maioria da mobilização de 2015 pra cá, ficou orfão.

Isso porque a tendência é que a crise econômica continue, e que quem vai “pagar o pato” no final das contas será a classe média — com uma nova CPMF defendida por Meirelles, por exemplo. A corrupção não vai sair do cenário, com pelo menos 7 ministros investigados pela Justiça e alguns até mesmo pela Lava Jato. Isso além da classe política se demonstrar mais consolidada do que nunca, com o senador Aécio Neves se livrando de novas investigações sobre seu envolvimento em casos de corrupção na estatal Furnas.

A indignação continua, a insatisfação também.

Mas agora, as peças do tabuleiro simplesmente mudam de lado. Algumas máscaras devem cair.

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