Em apenas três semanas, 2 ministros pediram demissão — mas mídia não vê crise

eDemocratize
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4 min readMay 31, 2016
Foto: Alice V/Democratize

Apesar de 2 ministros do governo interino de Michel Temer já terem pedido demissão após escândalos, a mídia tradicional não enxerga a mesma crise que teria visto em outros governos. Com apenas três semanas de trabalho, a gestão Temer já demonstrava ser frágil e impopular, e agora se mostra cada vez mais instável.

Nas primeiras semanas do governo Dilma Rousseff em seu primeiro mandato, se formos comparar com a gestão interina de Michel Temer, veremos a diferença de abordagem da mídia nos fatos e nas críticas.

Pesquisando no Google por notícias relevantes sobre seu governo do dia 1 de janeiro de 2011 até o dia 1 de março de 2011, com as palavras “Dilma Rousseff Escândalo”, encontraremos no máximo as seguintes páginas:

Mesmo com o nível de gravidade dos fatos acima terem sidos superados por Michel Temer em menos de um mês, a mídia tradicional já puxava “crises” a cada passo de Dilma Rousseff no Planalto.

Foto: Alice V/Democratize

O Estadão destaca: “Toda de preto, com uma saia esvoaçante e uma bolsa vermelha, Erenice ficou na ala destinada a convidados especiais — e não na de ex-ministros de Estados — e foi efusivamente cumprimentada pela nova presidente”.

E continua o jornalismo sensacionalista: “Acompanhada do marido, José Roberto Camargo Campos, Erenice recebeu um longo abraço de Dilma, com direito a beijo, mão na cintura e tapinhas no ombro”. E pra piorar: “Ao fim, depois de tirar foto ao lado da presidente e do marido, Erenice acariciou a faixa presidencial”.

Para quem não sabe, na época, Erenice Guerra foi afastada da Casa Civil sob suspeita de envolvimento e montagem de um esquema de lobby dentro do Palácio do Planalto.

Por isso o destaque “jornalístico” na relação entre ela e Dilma Rousseff, na tentativa de estabelecer uma crise moral na imagem da recém-empossada presidente.

Mas, para a infelicidade deles, esse foi talvez o máximo de “escândalo” que a mídia convencional conseguiu nos 3 primeiros meses de governo Dilma, em 2011. Mas e no governo Temer?

Já se passaram 3 semanas desde que Michel Temer assumiu de forma interina a presidência da República, após o afastamento de Dilma Rousseff pelo Senado Federal. De lá pra cá, o presidente interino já colecionou várias “mudanças de opinião” sobre pautas específicas — como a extinção ou não do Ministério da Cultura, defendida e posteriormente cancelada.

Foto: Alice V/Democratize

Mas são as gravações que tem colocado Temer em xeque.

Pelo menos 2 ministros já foram afastados por conta de conversas vazadas pelo empresário Sérgio Machado: Romero Jucá no Planejamento, e Fabiano Silveira na Transparência.

O interessante é analisar a cobertura da mesma mídia sobre o caso.

O Estadão destaca: “Uma coisa é Lava Jato no governo PT, outra pe no governo Temer, diz Jucá”. Na reportagem, os jornalistas fazem questão de “separar” e “individualizar” as ações de Jucá como membro fora do governo interino — ou seja, alguém distante de Michel Temer, mesmo que todos saibam que isso não é verdade.

O foco da reportagem acabou ganhando outro corpo: “Por diversas vezes durante a coletiva de hoje, Jucá criticou a gestão da presidente afastada. Ele avaliou que Dilma cometeu crime fiscal, financeiro e de responsabilidade e que a “sangria” que teria citado durante conversa com o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado é resultado desse governo”.

Em nenhuma das reportagens foi vista uma tentativa de “aproximação” entre Temer e Jucá e/ou Fabiano.

Nenhum abraço longo, aperto de mão camarada, tapinhas no ombro.

Agora, imaginem se fosse o seguinte cenário:

Dilma Rousseff assume a presidência, e coloca ministros ligados ao PT no Planejamento e Transparência. Além disso, conta com a presidência da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

Seu companheiro de partido, presidente da Câmara, é pego pela justiça estrangeira com dinheiro sujo em contas no exterior, mais precisamente na Suíça, com um valor de pelo menos U$5 milhões. Para manter seu cargo e estabilidade política, realiza manobras autoritárias e questionáveis. Ao mesmo tempo, seu presidente do Senado é pego em gravações com seus dois companheiros do Planejamento e Transparência. Nas conversas, os 3 planejam brecar a operação Lava Jato.

A partir desse momento, você percebe a diferença.

Se o PMDB fosse PT, e Michel Temer fosse Dilma, talvez esse governo interino já não mais existiria.

Texto por Francisco Toledo, co-fundador e fotojornalista da Agência Democratize

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