Leonardo Dominiscki
O Parrote
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7 min readNov 25, 2014

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ހ Nov, 25 2014 ހ

Por que não ser conservador no século XXI

Será que os elementos atuais se diferem tanto da inquisição?

u·to·pi·a

substantivo feminino

1. .Ideia ou descrição de um país ou de uma sociedade imaginários em que tudo está organizado de uma forma superior e perfeita.

Façamos um exercício. Pare por um instante e tente imaginar a composição social mais satisfatória possível. Talvez a sua idealização não vá ser tão diferente da minha ou de qualquer outra pessoa. Recursos básicos disponíveis a todas as pessoas, erradicação da fome e da desigualdade social. Educação, saúde e cultura de boa qualidade e acessibilidade. Respeito mútuo e tolerância às diferenças, construção psicológica e social saudáveis, longe do controle de massas expostos pelos meios de comunicação. Foco na produção intelectual e científica. O máximo de bem estar e o mínimo de injustiça.

Soa um tanto utópico. E é mesmo.

Mas enquanto um pensamento e uma ideologia não estão em sintonia com essa idealização e muito longe de tentar torná-la real, por si só já é uma grande força para mantê-la como mera utopia inalcançável.

con·ser·va·dor |ô| (conservar + -dor)

adjetivo e substantivo masculino

[…]

6. Que ou quem não gosta de mudanças em relação ao que é habitual ou tradicional. = .REACIONÁRIO

Vamos nos situar historicamente

Durante o longo período da idade média houve uma instituição religiosa conhecida hoje como Inquisição, atualmente vista como um modelo brutal, assassino e conservador. A ideia geral que se tem é que nesse período milhões de pessoas foram condenadas e mortas, com as mais criativas e dolorosas maneiras de se tirar a vida de alguém.

No entanto existem estudos que indicam que esse número está na casa dos milhares, dentro de alguns séculos. Fica tudo menos assustador quando levamos em consideração que mais de 50 mil pessoas foram assassinadas no Brasil só em 2012.

O ponto aqui não está relacionado a número de mortes, está relacionado a causas. Ir para a fogueira era a consequência de ser um herege, ou seja, se opor às imposições sociais, morais e religiosas. Ser um livre-pensador, ter ideias científicas revolucionárias, ou questionar a hierarquia proporcionavam a morte e o esquecimento.

Não é necessário ser um pagão para admitir que toda a idade média— e os pilares que a sustentaram — foi um período de grande retrocesso e que se ela não tivesse durado tanto, oprimindo revoluções culturais e científicas, hoje provavelmente gozaríamos de uma sociedade mais avançada.

Concomitantemente, no ano de 1499 toda a América do Sul era povoada por civilizações indígenas. Se você parar pra pensar, o exato lugar onde você está agora, séculos atrás, era habitado por alguma comunidade indígena ou, no mínimo, a terra qual eles usufruíam.

Estima-se que 15 milhões de índios foram assassinados desde o começo da colonização, o que é um número maior do que a população de muitos países europeus. Não foram apenas homens, mulheres e crianças que morreram. Foram assassinadas culturas, línguas e ideias.

Séculos depois, após o período imperial, entre os anos de 1894 e 1930 o Brasil passou pela da República das Oligarquias, comandada por proprietários rurais e marcada por fraudes eleitorais, coronelismo, trabalho semiescravo e revoltas sociais. Marcas de menos de um século atrás que ainda deixam cicatrizes nas políticas atuais do país

2014

Após o acontecimento das eleições de 2014, houve um aumento da representatividade das bancadas ruralista e evangélica no congresso nacional — que já eram as maiores.

Tenho a tese totalmente empírica de que a sociedade humana é um processo e que os seus eventos criam algo análogo a uma pedra caindo num lago e gerando ondas concêntricas. Ainda utilizando a Inquisição como exemplo, assumindo ela como um evento, podemos observar que as religiões ortodoxas atuais seriam as últimas ondas projetadas. Ou seja, são reverberações longínquas e distorcidas daquilo que fez parte do maior retrocesso da história da humanidade.

A igreja evangélica é um dos grandes exemplos dessa ortodoxia no Brasil, como uma das diversas ramificações e alterações da igreja católica da idade média. Agora o ponto não é usar o poder para assassinar hereges, a prática é usar o controle de massas pra conquistar poder democrático e fazer todos os esforços para impor as convicções da religião a toda uma nação, vetando e aprovando projetos que oprimem diversas liberdades individuais.

A bancada ruralista nada mais é do que a herdeira da oligarquia, que embora tenha uma grande responsabilidade na economia nacional, não tem o menor compromisso ambiental, não permite abertura para a reforma agrária, e representa toda uma classe de acusados de assassinatos de indígenas, ambientalistas, ativistas e camponeses.

A necessidade do governo de agir a favor dos interesses dessas pessoas, funciona como um reflexo do pensamento conservador que elege e não se opõe a essas classes. O que acaba tornando o Brasil um país que cada vez mais ignora os interesses indígenas, que é um atraso vergonhoso a respeito de demarcação de terras; e não fornece os direitos básicos para os homossexuais, dando força de expressão para uma maneira de pensar que tem como consequência um gay assassinado a cada 28 horas, vítima de homofobia.

Será que esses elementos atuais se diferem tanto da Santa Inquisição, a colonização e os demais processos históricos destrutivos?

Nações desenvolvidas como Reino Unido, França, Bélgica, Holanda e alguns estados dos EUA já aprovaram a criminalização da homofobia. No Brasil esse projeto continua travado. O Uruguai deu um passo grande nos últimos anos, criminalizando a homofobia e descriminalizando a maconha — o que reduziu a zero o numero de mortes ligadas à “droga”.

Aqui as pessoas tem ido às ruas pedir intervenção militar. Tem elegido Feliciano, Maluf e Bolsonaro. Ao mesmo tempo existem seres humanos criando projetos de comunidades sustentáveis e conseguindo pousar uma sonda espacial num cometa.

O mundo hoje está caminhando para um processo que alia a evolução tecnológica absurda obtida nas últimas décadas, resultando em breve na automação quase completa do trabalho, e a consciência ambiental que cresce naturalmente por conta da destruição de recursos causados pela competição frenética e sem conscientização de grandes empresas. E nessa jogada, o próprio capitalismo tende a ceder, ou no mínimo, se transformar.

O futuro

Não tenho a pretensão de abordar todos os temas que tornam o pensamento reacionário um retrocesso em um texto de pouco mais de mil palavras. A religião, as liberdades individuais e as políticas sociais foram os temas mais recorrentes no momento histórico atual pós-eleições. E não é difícil entender que cada pessoa neste momento é um personagem relevante dentro deste contexto histórico.

O século XXI tem exigido certas transformações no modo de pensar o mundo a partir da geração dos anos 90, que se desenvolveu intelectualmente já no terceiro milênio. A própria pós-modernidade tem ficado ultrapassada, e fatalmente vai fazendo com que diversas convenções sociais destrutivas e os próprios sistemas capitalista e comunista se tornem obsoletos.

Não é justificável, mas explicável que as pessoas de gerações mais antigas sejam resistentes ao tema, pois nasceram dentro de um modelo e se acostumaram a ele e todos os seus podres. Mas felizmente uma boa camada das novas gerações já sinaliza um pensamento mais aberto e flexível.

Mesmo em meio a todos os problemas, é necessário compreender que o imperialismo, a oligarquia e o próprio capitalismo podem ser vistos com frações complicadas e problemáticas, mas necessárias do processo humano em busca de uma sociedade equilibrada. Mas também é necessário admitir que a palavra do século XXI não é nem tradição e nem revolução. É transformação.

trans·for·ma·ção (latim transformatio, -onis)

substantivo feminino

1. .Ato ou efeito de transformar; metamorfose.

2. Alteração.

Leonardo Dominiscki

O PARROTE

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