A Era das Notificações

Fomos de grandes portais para feeds de notícias e, por fim, chegamos às pequenas notificações na tela de bloqueio do celular. Os smart watches podem nos levar à crise, mas há uma solução…

João Brizzi
Revista Poleiro

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Por Steven Levy
Tradução por João Brizzi

algumas semanas, enquanto eu atravessava uma rua no frio infernal do inverno da costa leste — era final de fevereiro — , meu iPhone tocou. Eu vestia um pesado casaco com um bolso interno para o aparelho e, no momento que senti a vibração, meu coração acelerou. Corri os metros restantes até o meio-fio, tirei minhas luvas, desabotoei todo atrapalhado os botões do casaco e quase derrubei minha bolsa no processo. Por fim, consegui pegar o telefone. A tela mostrava a seguinte mensagem:

Nota do tradutor: B.J. Upton é o antigo nome de Melvin Upton, center fielder do Atlanta Braves na Major League Baseball (MLB)

Isso chegou até mim como uma notificação de mensagem padrão, sem qualquer diferença para um alerta do New York Times informando que um prédio a duas quadras da minha casa explodiu ou um iChat da minha irmã dizendo que está desesperadamente tentando falar comigo. Vale dizer que eu não tenho nenhum tipo de parentesco com B.J. — desculpe, Melvin — Upton e nem ao menos sou torcedor do Atlanta Braves. Em outras palavras… isso poderia ter esperado. No entanto, o MLB.com At Bat (app da Major League Baseball para celular) aparentemente considerou essa notícia relevante o bastante para ser transmitida a centenas de milhares de usuários que, sem dar muita atenção a essa possibilidade, marcaram a caixinha que perguntava se eles queriam receber notificações da MLB quando baixaram o aplicativo. Não importa o que esses usuários estavam fazendo — uma reunião de trabalho, planos futuros, jogando basquete, assistindo um filme, almoçando com a família, pintando uma obra de arte, pedindo alguém em casamento, entrevistando um candidato para um emprego, transando ou qualquer outra coisa — , a notícia da Identidade Melvin (o novo livro de Robert Ludlum?) chamou a atenção de cada um deles como quem dizia olhe para mim agora! Ainda que eles deixassem os telefones em seus bolsos, o simples fato de ter havido um alerta já estava impregnado em seus cérebros, mantendo-os incomodados até que o telefone finalmente fosse checado para descobrir sobre o que ele falava.

A Identidade Melvin foi apenas uma interrupção entre bilhões de outras que configuram de maneira inquestionável a Era das Notificações. À medida que nossa confiança sobre informações entregues eletronicamente aumentou, uma enxurrada de ícones que nos direcionam para algum tipo de informação surgiu em nossos aparelhos, iluminando as telas de bloqueio com seus breves avisos. É muito raro encontrar um app que não te peça para escolher receber ou não tais mensagens. Na maioria das vezes — já que você vê a caixinha em que faz essa escolha quando está em lua de mel com o aplicativo, logo depois de comprá-lo — você diz sim.

Os fabricantes dos maiores sistemas operacionais móveis tentam lidar com essa enxurrada: o Android tem uma “barra de notificações” e a Apple tem sua “central de notificações”. (Por exemplo: a Apple é consciente o suficiente para configurar um status de “não perturbe” para prevenir que essas coisas te acordem umas mil vezes por noite.) Mas isso mal está funcionando — e agora, com a iminente chegada do Apple Watch e de posteriores aparelhos do tipo, estamos próximos de entrar no hiperespaço das notificações.

E, na verdade, isso vem acontecendo há muito tempo.

Desenterremos as eras de distribuição de conhecimento como se fôssemos geólogos explorando camadas de rocha subterrânea. O primeiro período de acesso à informação online era focada em portais, coleções colossais que contavam com seções de notícias, esportes, meteorologia e caixas de e-mail nas páginas iniciais de serviços como o AOL ou o Yahoo. À época, acreditava-se que tais portais deveriam ocupar o mercado que os jornais atendiam no mundo pré-digital.

Os portais não exatamente desapareceram, mas foram suplantados por feeds internos de serviços como o Facebook. A ideia de organizar conteúdo em um fluxo que se atualiza constantemente era simples, atrativa e maravilhosamente adequada às nossas constantes visitas aos serviços que amamos. Os dois gigantes dos feeds — ainda no topo da cadeia — eram o Facebook e o Twitter. Enquanto isso muitos, mas muitos outros serviços e aplicativos adotaram a mesma abordagem. O LinkedIn reorganizou radicalmente a estrutura de seu site para colocar seu fluxo de notícias em primeiro lugar e novidades como o Snapchat abraçaram a tendência desde o início. Conforme o tempo passava, os gigantes — sem contar o Google nessa corrida — começavam a amadurecer a ideia de fazer de seus serviços uma espécie de stream unificado, onde outras aplicações e serviços teriam espaço e poderiam se tornar parte do fluxo. Os usuários ainda utilizariam outros aplicativos baseados em feed (o Snapchat, mesmo isolado, não vai deixar de existir), mas o Santo Graal para as grandes empresas da internet seria ver o feed em que estavam inseridas se transformar no feed central, aquele que as pessoas precisam acessar, o que te abastece com notícias, música, vídeos fofinhos de animais e as últimas novidades de seus amigos.

Em última instância, a ideia de Um Feed Para a Todos Governar é uma grande viagem. É fantasioso pensar que serviços como Facebook, Twitter ou Google podem comportar tudo em suas páginas. Além disso, como hoje em dia muitas pessoas os acessam de seus celulares, há bem menos tempo dedicado a navegar pelos feeds. A ideia se torna ainda mais ridícula conforme a Internet das Coisas se materializa. A IoT (Internet das Coisas, em inglês) incluirá um conjunto de dados relevantes completamente novo ao nosso universo de informações, com sensores personalizados indicando o nível de detergente na sua lava-louças ou em que estado estão as roupas que você mandou para a lavanderia. Mas será que você consegue confiar no Facebook para enviar um alerta sobre alguém que está invadindo a sua casa? Será que o Twitter abandonaria a ordem cronológica para colocar um tweet automático importante no topo de sua timeline?

Não, já que para essas coisas você quer alertas instantâneos e isso é, em parte, o motivo pelo qual a era mobile ajudou a catalisar a Era das Notificações. Em vez de fazê-lo visitar compulsivamente dezenas de apps, esses apps passam a te enviar, mesmo fechados, as coisas mais importantes que eles geram para que você tenha uma prévia do que está acontecendo. Se feitas adequadamente, as notificações se tornam um maravilhoso Feed dos Feeds, eliminando o joio do trigo e te apresentando só o mais importante.

O Feed dos Feeds funcionaria maravilhosamente bem não fosse o fato de que todo e qualquer app quer te mandar notificações. Mesmo que o sistema se limite a notícias de real importância para notificação imediata — sendo a Identidade Melvin uma evidência do contrário — , ainda assim há muitas notificações brigando por seu espaço em um supostamente estreito funil chamado “Coisas que eu preciso ver de qualquer jeito”.

Isso diminui o valor de todas as notificações. Se você quer um exemplo vindo de outra área, pense na situação dos alertas ignorados em hospitais, algo abordado no livro The Digital Doctor: Hope, Hype, and Harm at the Dawn of Medicine’s Computer Age (disponível apenas em inglês), de Robert Wachter, que teve um trecho recentemente publicado no Backchannel. Das 350.000 receitas de medicamentos prescritas em um mês no hospital de Wachter, os farmacêuticos só tomam conhecimento de metade delas. Nas cinco UTIs do hospital, as unidades de problemas cardíacos têm seus botões de emergência acionados 187 vezes — por paciente, por dia. Isso dá um total de 381.560 avisos por mês. Se você não ignora alguns deles, acaba ficando maluco. Mas e quando os alertas são realmente sérios?

Nós ainda não chegamos a esse nível de desespero com as notificações online, mas a Era das Notificações está próxima de enfrentar seu maior problema com a passagem dos alertas das telas dos telefones para visores de relógio. As notificações são simplesmente tudo de que um smart watch é feito — você não lerá livros, assistirá filmes ou fará planilhas nele. E um pequeno bipe no pulso é o sistema perfeito para entregar tais coisinhas.

O fato é que ter esse sistema de entrega atrelado ao seu corpo faz as notificações ainda mais difíceis de serem ignoradas. Já é suficientemente incômodo ter um toque de telefone notificando cada alerta. Quando algo está encostando em sua pele, isso se torna ainda mais imperativo. Por ser tão fácil simplesmente virar seu pulso para checar o que aconteceu, a tentação se torna ainda mais difícil de resistir. O resultado será um sem-fim de interrupções sobre coisas que não merecem interromper seu dia. Virtualmente todos os analistas do Apple Watch reclamaram que para evitar esse inferno, era necessário passar horas configurando suas notificações até que restassem só as coisas mais simples.

Então qual é a solução? Nós precisamos de uma melhor inteligência artificial para selecionar nossa informação, avaliar sua urgência e relevância e usar um conhecimento profundo de quem somos e do que achamos ser importante para enviar as notificações na hora certa. Com o passar do tempo, nós confiaremos em um sistema para que ele efetivamente filtre toda a nossa informação e tire dali só o necessário. (É claro que o sistema deve avaliar cada notificação levando em conta o aparelho mais adequado para que ela apareça. Enquanto um laptop teria uma censura relativamente baixa, um telefone teria um critério mais rigoroso e, por fim, só o mais crucial apareceria no relógio.)

Eu acredito que um sistema como esse eventualmente funcione bem a ponto de se popularizar. Assim como pilotos confiam no fly-by-wire em aviões que funcionam praticamente de maneira autônoma, a adoção de sistemas inteligentes que consigam separar as coisas mais úteis das mais irrelevantes fará com que nós, em breve, confiemos no processo de automação da informação. Eles farão uma curadoria melhor do que qualquer humano poderia imaginar.

De qualquer forma, suspeito que algo pode se perder no processo. Conforme dependemos mais do que precisamos saber, nós provavelmente veremos menos do que nós talvez simplesmente quiséssemos saber. Para realmente sermos educados e entretidos pelo mundo à nossa volta, teremos de desviar a atenção de nossos pulsos e fazer o que a Apple parece nos pressionar para que não façamos: tirar nossos aparelhos de nossos bolsos e bolsas e navegá-los até que achemos informação que talvez não seja urgente, mas que nos ajude a entender o espírito de nossa época.

Observe a Identidade Melvin. Ainda que eu quase tenha derrubado meu telefone de raiva quando a notificação apareceu pela primeira vez, pesquisar mais sobre esta história enquanto escrevia esta coluna me fez descobrir uma coisa que eu não sabia: o nome que Upton abandonou, “B.J.”, não era seu nome de nascença, mas sim uma abreviação do apelido “Bossman Junior”. Bastante interessante. Mas certamente irrelevante para um relógio sabichão.

Outros Voos é a seção de traduções da Poleiro. Selecionamos o melhor do conteúdo internacional e traduzimos para você. A história de hoje veio do Backchannel.

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João Brizzi
Revista Poleiro

Designer e jornalista no The Intercept Brasil. Antes, trabalhei na revista piauí e fundei a Revista Poleiro.