Foto: AP

Eu invejo os argentinos

Uma confissão de quem sempre achou a grama do vizinho mais verde

5 min readJun 7, 2015

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Yuri Eiras

Isso é somente um desabafo.

— Você viu? Teve um jornal aí que chamou a gente de merda amarela! — foi assim, com jeitão de indignada, que minha prima enterrou minhas esperanças naquele time com Ronaldinhos, Adriano, Kaká e Robinho.

Capa do diário argentino Olé, em 2 de julho de 2006.

Corria o ano de 2006 e eu, com 12, já era um apaixonado por futebol e recém pentacampeão (que nunca teve hífen, mesmo antes da reforma). Na minha cabeça de criança aquela era uma seleção velha, mas mesmo assim vencedora. Os 11 titulares eram grandes craques mundiais, garotos-propaganda (com hífen, mesmo em 2006) em diversas marcas conhecidas. Quase ninguém, dos 23 convocados, jogava no Brasil; mesmo assim, eu tinha alguma identificação. De um dia para o outro, por causa de um gol, todos os jogadores e nós, torcedores, viramos Merda Amarela, intitulados assim pelo jornal argentino ‘Olé’.

Minha relação com a Seleção Brasileira sempre foi de amor e ódio. Mais crítica que ódio e mais forçação de barra que amor, aliás. Por acaso, escolhi adotá-la nos momentos mais frustrantes. Em 2006, com um time descompromissado e gordo, torci para todos aqueles craques. Perdemos nas quartas-de-final (com hífen) por culpa da nossa empáfia.

Os motivos são vários, entre eles dois termos que se confundem. Uma coisa é alegria, parte fundamental do futebol brasileiro. Outra coisa, essa muito mais prejudicial, é o famoso oba-oba (hífen!). Na pré-temporada para a Copa de 2006, em Weggis, Suíça, o reino do já ganhou estava exposto. Até invasão no treino para abraçar o Ronaldinho Gaúcho teve. Isso sem contar com o formato redondo da dupla de ataque Ronaldo e Adriano. Achei que treinamentos serviam também para a parte física. Perdemos para a França e uma imagem não sai da cabeça: o Fenômeno sorria de gargalhar e conversava tranquilamente com o amigo Zidane após o jogo.

Foto: AE

Em 2014, com a Copa do Mundo aqui, resolvi torcer mais uma vez. Em plena Fan Fest de Copacabana, vi todas as bocas do planeta gargalharem da minha cara. Um 7 a 1 intragável para mim, que consumi tudo aquilo que critico. Comprei camisas da Nike com escudos da CBF, parti para o FIFA Fan Fest da Praia de Copacabana. Até Copacabana, bairro que não vou muito com a cara, resolvi engolir. Não valeu a pena.

Desde o começo as declarações do questionável Carlos Alberto Parreira e sua turma me arrepiaram os pelos. Se a CBF é o Brasil que deu certo, o que deu errado por aqui? É sério que estou torcendo para esses caras?

Nesta Copa, até o queridão Luciano Huck pousou de helicóptero no gramado, parando uma simulação de treinamento. Uma festa que acabou mais cedo, com direito a ressaca moral.

Foto: Flavio Florido (UOL)

Espécie em extinção

Eu acho a cor do uniforme do Brasil linda e seu apelido mais ainda. ‘Seleção Canarinho’ é um dos termos mais bonitos que já ouvi. Sempre imagino um passarinho a voar pelos belos gramados verdes do Brasil, driblando brutamontes estrangeiros com sua ginga. Queria que o futebol-arte — que não vejo há tanto tempo que nem sei se é com hífen ou sem — fosse verdadeiro, coisa nossa mesmo. Arte com a bola, hoje em dia, quem faz é o Messi, nosso vizinho argentino, no Campeonato Espanhol, que já nem é tão espanhol assim também.

Nós já fizemos, é verdade, em uma época que até as pessoas enxergavam em preto-e-branco (com hífen). Hoje é bola na área no campeonato falido, onde todos lutam contra o rebaixamento e vence o que errar menos.

Digo o que sinto, então: tenho inveja dos torcedores argentinos. Durante a Copa, tentei fingir para mim mesmo que éramos iguais no quesito amor à camisa. Eu sabia que era uma mentira deslavada, mais até que a carta da Dona Lúcia à CBF, até porque ninguém mais envia cartas.

Invejo mesmo os argentinos, torcedores e jogadores, que vestem o azul e branco como verdadeiros guerreiros defendendo seus territórios, por vezes de forma literal.

É diferente daquela mentira que a Brahma tentou nos vender, mas que nunca desceu redondo.

Eu até gosto do Luís Fabiano. (Foto: Alvaro Povoa, divulgação Brahma; Copa de 2010)

Eles fazem festa para sua Seleção, com papel picado, bandeirolas, barras e cantos. São cânticos que aqui só vemos — e cada vez menos — na torcida dos clubes. Assim como as mentiras da Dona Lúcia, da Brahma e a minha, não ‘somos brasileiros com muito orgulho, com muito amor’. Até somos, em situações que não em frente à TV vendo o jogo do Brasil.

Eu sou brasileiro, com orgulho e com amor, quando vejo um canarinho voar, por exemplo. Os canários-da-terra (com hífen) são tipicamente brasileiros. Como o Garrincha um dia foi.

A Copa América começou. No nível técnico, essa edição talvez seja uma das melhores de toda a história. Arturo Vidal e Alexis Sánchez no Chile, Cuadrado e James Rodríguez na Colômbia, Tévez e Messi na Argentina, Guerrero no Peru, Cavani no Uruguai. E Neymar, apenas ele, no Brasil.

Neste momento, muitos argentinos devem estar na estrada rumo ao Chile, sede da Copa. Bebendo Quilmes, desdobrando bandeira, picotando papel. Mesmo com aquelas cores ralas de azul e branco eles fazem de qualquer lugar sua própria Buenos Aires.

Com nosso amarelo-canarinho, com nosso futebol-arte, com nosso potencial eterno para ser uma grande economia, já pensou se a Seleção Brasileira fosse realmente dos brasileiros? Já pensou se o Brasil jogasse no Brasil? Com jogadores brasileiros, de times brasileiros, com material esportivo brasileiro? Imagina a festa!

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