A teoria de (quase) tudo.

Natri (Fabio Natrieli)
MIND o>er matter
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5 min readFeb 4, 2015

No fim do mês — fevereiro de 2015 — , estreia no Brasil, o filme que narra a vida de Stephen Hawking, aquele famoso físico teórico e cosmologista inglês.

O filme chama-se “A Teoria de Tudo”.

Na física, a teoria de tudo ou teoria M (M-Theory, que se atribui a Mother, ou algo como Teoria Mãe) é um hipotético framework em que alguns físicos trabalham com objetivo de unir, em uma só conta, a física relativista e quântica. Isso não quer dizer que uma ou outra vertente esteja errada.

Apesar de conflitantes, a física relativista e a mecânica quântica não são excludentes. Elas apenas não dialogam entre si. Ou, talvez seja melhor dizer que sim, elas dialogam entre si, afinal temos o Universo aí que não nos deixa mentir. Na verdade, é mais razoável considerar que nós é que ainda não fomos capazes de criar uma teoria que unifique o conhecimento que possuímos, não só entre as correntes da própria física, que, individualmente, funcionam perfeitamente bem, mas também integrá-las com outras disciplinas, como a química e a biologia, que também têm vertentes entre si.

A física é a ciência mais precisa que temos. Com os dados corretos, somos capazes de fazer previsões com algumas casas decimais de precisão e repetir o experimento por um zilhão de vezes e obter o mesmo resultado.

São estas observações regulares e sistemáticas, exaustivamente comprovadas, que dão origem às leis da ciência, como as leis da física, que diferem de uma teoria justamente porque existem independente de qualquer coisa. E aqui, abro um parênteses: cabe à ciência constatar uma lei, mas não é uma preocupação explicar o por quê desta lei ser como é (e não por que não existe qualquer outra lei em seu lugar). Esta é mais uma questão para a filosofia do que para as ciências exatas. Vou dar um exemplo. Sabemos que existe a lei da gravidade, sabemos como funciona, mas não fazemos a menor ideia do por quê a gravidade ser como é. Das 4 forças fundamentais que temos na física, a que menos conhecemos é a gravidade, embora possamos simular como ela age de forma incrivelmente precisa. Guarde este ponto. Fecha parênteses.

O grande problema é que mesmo as leis da física são, de um certo modo, relativas.

No mundo quântico, por exemplo, os fundamentos da física relativista não são respeitados, e o contrário também é verdadeiro.

As leis da física relativista funcionam com exatidão para alguns corpos, como maçãs, elevadores ou mesmo planetas inteiros. Contudo, elas não funcionam da mesma forma quando se trata de elétrons e prótons e nêutrons e suas partes menores. É como se, ao cruzar uma determinada camada de realidade, a relatividade de Einstein, por exemplo, não fosse um fato como é no mundo que vemos e tocamos. O próprio tecido do tempo e espaço parece deixar de existir. Um elétron uma hora está e outra hora não está, e para percorrer de um ponto ao outro, ele simplesmente salta (ou seja, desaparece de uma órbita para surgir em outra) sem ter de percorrer com sua massa um espaço dentro do tempo para chegar lá.

Pois é mais ou menos sobre isso que a teoria de tudo diz respeito: é a esperança de que, um dia, possamos unir em uma única teoria estes dois mundos, hoje inconciliáveis.

Mas a teoria de tudo, que dá nome ao filme, seria a teoria do Todo?

Porque, veja, sem tirar e nem acrescentar méritos para a ciência, a física não é capaz de descrever a realidade como um Todo. Para isso, cito o físico brasileiro, Marcelo Geiser:

“A ciência não descreve a realidade. A ciência descreve a pequena parte da realidade acessada pelo ser humano, seja ela acessada diretamente pelos cinco sentidos ou por instrumentos de observação. Ou seja, apenas uma ínfima parte do todo e que está sujeita ao filtro e à interpretação da mente humana é que é descrita pela ciência.”

Como o filósofo Ken Wilber bem colocou: a física pode explicar muitas coisas, mas dificilmente irá explicar o significado de um poema humano.

Ou você acha que sim?A física tem um modelo para explicar como a economia funciona? Ou então a dinâmica da história de uma forma puramente mecânica?

Claro que a física é uma das ferramentas mais importantes que dispomos para entender o mundo… físico, que, estamos a descobrir, não ser tão físico assim em sua essência.

Eu diria que a física e as ciências (hard sciences) são essenciais para nos ajudar compreender a realidade. Mas ela desvela uma parte da realidade, não tudo e muito menos o Todo.

Todos nós sabemos isso, empiricamente, quando vivenciamos a existência e colocamos atenção nela.

Quando fazemos isso?

Quando ouvimos uma sinfonia de Bach, quando vemos um pôr do Sol, quando sorrimos para alguém e alguém nos sorri de volta, quando vemos um filho nascer, quando saboreamos uma comida, quando vemos uma paisagem deslumbrante.

Um computador pode ter um sensor que indique se o ambiente está quente, mas ele (ainda) é incapaz de sentir o calor. Um computador pode reconhecer fotos, mas não se emociona quando vê o rosto humano.

Os gregos tinham uma palavra linda para descrever a realidade mais abrangente que podiam conceber: Kosmos.

O Kosmos seria a soma de toda a existência: os reinos físico, espiritual, mental e emocional.

Para eles, a realidade mais profunda não era meramente compreendida pelo que chamamos de cosmos, ou seja, a observação da restrita interação da matéria entre si, mas sim a totalidade da matéria: corpo, mente, alma e espírito.

Nós reduzimos o Kosmos ao Cosmos. Reduzimos Corpo, Mente e Espírito a corpo apenas. Criamos um framework reducionista de materialismo e cientificismo que julga que explicar os fenômenos físicos é o mesmo que explicar tudo!…

A definição no dicionário de tudo é “a totalidade das pessoas e das coisas”. Uma teoria de tudo é, portanto, uma teoria que engloba tudo o que existe fisicamente: pessoas, ainda que apenas sua parte tangível e material, e coisas. Já a definição de todo é “integral, inteiro”.

Desvendar o mistério de tudo (ou seja, de todas as pessoas e coisas) é de fato algo a se admirar. Mas, cá entre nós, se o objetivo é desvendar os segredos do Universo, eu quero desvendá-lo Todo, por inteiro, em sua totalidade.

A palavra tudo me diz respeito ao que é relativo. "Isso é tudo que sei". Mas, veja, tudo que eu sei, apesar de ser tudo, é diferente de tudo que sabe, por exemplo, o Stephen Hawking.

Tudo é uma parte relativa que está completa.

Tudo é, portanto, parte integrante do Todo e, embora possamos encontrar o Todo na parte e em tudo, uma teoria sobre tudo jamais resumirá a infindável beleza do Todo.

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