Existe Vida Virtual?

Breve introdução à uma filosofia do Baixo Cidade

Azumi
4 min readJan 10, 2014

Esse artigo é o primeiro de uma série que propõe uma filosofia do mundo virtual. O objeto de estudo desta série é o Baixo Cidade, um software que permite a criação de avatares 3D, construção de propriedades, interação online incluindo danças e até mesmo sexo explícito. Um jogo que procura simular a vida real através do virtual, onde não há objetivos além dos que nós mesmos criamos.

Quais as implicações filosóficas de uma vida social tão complexa, mas com as limitações do virtual? Existe virtual? O virtual é bom? Existem vantagens no virtual sobre o real? O que é mais verdadeiro, o virtual ou o que chamamos de real?

Para começar esta série, vamos pensar sobre a dicotomia entre real e virtual.

No Baixo Cidade existe o jargão “separar o real do virtual”, endossando a ideia de que no jogo somos pessoas diferentes, construindo uma outra vida, em uma outra “realidade”, a realidade virtual.

Chamamos de real a vida que levamos no nosso dia a dia, fora do jogo. Lavar a roupa da casa, trabalhar, cuidar dos filhos, fazer a janta, ir à balada, entre outras coisas do mundo físico, são para nós coisas reais.

Chamamos de virtual aquilo que fazemos dentro do jogo. Decorar as zabys, comprar roupas de outros usuários, dançar nas pistas com outros avatares, fazer sexo, e outras coisas no mundo 3D, são para nós coisas virtuais.

Muita gente considera que separar o real do virtual, significa que no mundo 3D nada é de verdade, é tudo falso ou inventado por nós que controlamos meros bonecos feitos de pixels. Segundo esse pensamento, se os avatares e todas as coisas com o que interagimos existem apenas no virtual, logo não existe de verdade. É tudo fantasia.

Será mesmo?

O termo “virtual” existe muito antes do surgimento da internet – e, óbvio, antes do Baixo Cidade ser criado. O conceito de “virtual” já havia nos tempos de Platão e Aristóteles, e segundo o francês Pierre Levy, um dos mais importantes autores sobre o assunto, o virtual é algo que não se opõe ao real, mas sim uma possibilidade. Virtual não é algo “falso” ou “fantasioso”, como se acredita.

O que é então o virtual? A definição vernacular de virtual é algo como “uma potencia, algo sucetível de acontecer”. Algo que existe em essência ou efeito, embora não seja formalmente reconhecido e admitido como tal. A palavra veio do latim Virtuale ou Virtualis, de radical Virtus (que significa virtude, força, potência).

Ou seja, o virtual é algo com um potencial de existir ou algo que exista na sua essencia, mas que ninguém reconhece formalmente.

A segunda definição é o caso de nossas ações no mundo 3D do Baixo Cidade.

Nós temos dificuldades de definir o mundo 3D porque nele estamos fisicamente isolados, sozinhos. Não há a percepção de que alguém esteja fisicamente conosco. Se não há ninguém fisicamente conosco, temos dificuldades de percebermos a nossa própria existência física, pois só temos a noção do “Eu” quando reconhecemos o “Outro”, ou melhor, como definiria Lacan, a imagem do “Eu” se forma a partir da percepção do “Outro”, ou ainda, Eu só existo a partir da interação com o outro. Como é então a percepção do Eu no mundo 3D?

Se o Outro é um avatar 3D em uma tela de computador, nossa tendência é assumirmos nossa existência como se fôssemos nossos avatares 3D em uma tela de computador. Ou seja, ao invés de trazermos a essência do virtual para nossas vidas reais, nós transportamos para o virtual de nossos avatares a nossa essência virtual, aquela essência que há em nós apenas como uma potencia de acontecer pois a sufocamos na sociedade e jamais será admitido como existente.

Quando projetamos em nossos avatares o nosso “Eu Virtual” pré-existente, assumimos essa nova personalidade. É mais ou menos quando em uma rodada de RPG acontece aquilo que chamamos de “encarnar o personagem”. Nós vivenciamos aquilo sob a perspectiva do personagem. E não a nossa, olhando de fora, como se supõe ser o mais lógico.

Em outras palavras, nos envolvemos com o Baixo Cidade porque há um “ Eu Virtual” dentro de cada um de nós, e é com esse “Eu Virtual” que nos relacionamos com o “Eu Virtual” das outras pessoas.

Mas não podemos nos iludir dessa forma pensando que todas essas coisas “virtuais” não existem. Elas existem, são reais e podem causar diversas consequencias se não lidarmos bem com elas.

Somos seres humanos controlando avatares, criando zabys, clubes, e interagindo com outros seres humanos por trás de outros avatares. Reconhecemos o virtual no outro e refletimos neles o nosso “eu virtual”, aquilo que existe em essência mas não é reconhecido e admitido. Precisamos encarar tudo isso como coisas que existem de verdade, para não nos machucarmos no Baixo Cidade.

Usarei sempre nesta série o jogo Baixo Cidade (abraviação: BC) como objeto de estudo. Caso esteja curioso sobre o jogo, instale o Baixo Cidade e conheça um pouco. Pode me procurar para tirar duvidas sobre a jogabilidade e conhecer os lugares (apenas +18).

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Azumi

Escritora amante da filosofia e psicanálise. Atualmente faço pesquisas no âmbito sociológico, psicológico e filosófico no mundo virtual do jogo Baixo Cidade.