Serra: a nossa bandeira jamais será vermelha… a não ser que veja o vermelho da Chevron

eDemocratize
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5 min readFeb 29, 2016
Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

O patriotismo é a doença infantil do nacionalismo. Prova disso é a cara de pau de setores da sociedade, que se dizem tão preocupados com o “patrimônio nacional”, com suas camisas da CBF gritando “xô corrupção”, e abrindo os braços para a venda do pré-sal ao capital externo.

Não é de hoje que setores da velha classe média brasileira, apegadas na lógica do poder de consumo como forma de desenvolvimento, abrem os braços para a entrega de patrimônios nacionais para o capital externo, multinacionais sem bandeira.

O discurso desse setor dito patriota, já deu ao Brasil cerca de 21 anos de ditadura, censura e atraso. Contra as reformas de base de João Goulart no começo dos anos 60, diziam temer que o Brasil se transformasse em uma “nova Cuba”, mais um país satélite da União Soviética. Não entendiam o significado de reforma agrária, muito menos a necessidade de uma. Mas não gostavam de ver aquela gente pobre, humilde e simples, tendo um pedaço de terra para chamar de seu. No fundo, não temiam o autoritarismo — tanto que o abraçaram posteriormente — , mas sim que todo o seu patrimônio privado, o seu poder de consumo inspirado no estilo de vida norte-americano, fosse simplesmente embora. O resultado foi drástico.

E a novela se repete. Não na paranoia dos governistas que, de forma ingênua ou lamentavelmente estúpida, acreditam que os Estados Unidos estão por trás de um novo “golpe” contra o governo de Dilma Rousseff (PT). A tragédia se repete com esse patriotismo cego, burro e analfabeto. O líder revolucionário russo, Vladimir Lenin, dizia que o “esquerdismo era a doença infantil do comunismo”. Pois bem, vamos reformular: o patriotismo é a doença infantil do nacionalismo.

Assistimos de um tempo pra cá o crescimento desse patriotismo infantil no Brasil. Prova de sua característica mais estúpida é o “traje”: vamos lutar contra a corrupção vestindo o uniforme da seleção brasileira, colocando a mão no peito, em cima do logo da CBF — a instituição mais corrupta do esporte brasileiro. Vamos gritar de forma horripilante nas ruas: “a nossa bandeira jamais será vermelha”.

Esse patriotismo presente nas manifestações pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff é o mais claro sinal da doença infantil do nacionalismo, e como foi dito acima, já o vimos antes — e soubemos no que deu. O argumento deles é que o governo petista, com sua política “bolivariana”, tem destruído em pedaços a identidade brasileira, estragando valores da família tradicional, e desta forma colocando em prática a sua corrupção. Se soubessem que a identidade brasileira é justamente aquela que eles mais odeiam: a de pessoas simples, que batalham por um pedaço de terra para chamar de seu; a de trabalhadores que sofrem no transporte público por um salário mínimo, por uma vida digna. Os chamam de “mortadelas”. Não sabem o que falam.

E mais um sinal da tamanha estupidez e contradição que representa esse patriotismo estupido é o silêncio sobre a aprovação do parecer no dia 24 deste mês no Senado, um substitutivo ao projeto original do senador José Serra (PSDB), que propunha o fim da participação obrigatória da Petrobras na exploração do pré-sal.

Patriotismo exibido incondicionalmente na manifestação pelo impeachment de Dilma Rousseff, em São Paulo. Mas e o patrimônio nacional, como fica? | Foto: Gabriel Soares/Democratize

Abrir mão do pré-sal é um sonho antigo do tucano José Serra — sonho que ele queria colocar em prática em 2010, quando tentou mais uma vez o cargo de presidente da república pelo PSDB.

Segundo informações disponibilizadas pelo íntegro site WikiLeaks (de Julian Assange, preso na embaixada do Equador em Londres), o senador tucano estava em contato direto com diretores da Chevron e lobistas norte-americano, com o objetivo de abrir mão do pré-sal para o capital privado e estrangeiro. O WikiLeaks divulgou seis telegramas que mostram como a missão americana no Brasil tem acompanhado desde os primeiros rumores até a elaboração das regras para a exploração do pré-sal, fazendo lobby descarado pelos interesses das petroleiras.

De 2011, os documento revelavam a insatisfação das pretroleiras com a lei de exploração aprovada pelo Congresso na época — em especial, com o fato de que a Petrobrás ser a única operadora — e como elas atuaram fortemente no Senado para mudar a lei.

“Eles são os profissionais e nós somos os amadores”, teria afirmado Patrícia Padral, diretora da americana Chevron no Brasil, sobre a lei proposta pelo governo . Segundo ela, o tucano José Serra teria prometido mudar as regras se fosse eleito presidente — não foi eleito, mas o fez.

Todo o documento adquirido pelo WikiLeaks pode ser visto aqui, na íntegra.

E o que possibilitou que o senador tucano conseguisse aprovar sua promessa antiga com as petroleiras estrangeiras? Provavelmente o caos político no qual se encontra o Brasil.

Os culpados? Podemos, claro, jogar a culpa no colo do governo petista. Mas isso seria simplista demais. Se formos observar como o cenário político, econômico e social se deteriorou em poucos anos, veremos que vai muito além de interesses partidários e ideológicos. Os meios de comunicação privados, controlados por meia dúzia de famílias bilionárias no Brasil, também possuem sua parcela de culpa. Aquele 10% da população que controla 90% das riquezas do país, os “patos da Fiesp”, também são culpados. A oposição de direita, insatisfeita por não ter em suas mãos o controle de todo um país — e poder fazer aquilo que criticam que o PT faz — também não deixam de ser culpados.

Mas claro. Não podemos deixar de citar o principal culpado: você, patriota. Você que a cada três meses vai nas manifestações pelo impeachment de Dilma, em pleno domingo de sossego, sem afetar praticamente nada da sua rotina. Coloca sua camiseta da CBF, o nariz de palhaço, e faz a sua revolução.

Você não faz ideia da catástrofe que é capaz de fazer. Diretamente ou indiretamente. Com sua revolta seletiva, baseada em achismos e conteúdos de redes sociais.

Mas já faz parte da história. Se nos anos 60 tivemos a geração patriota e autoritária, hoje temos outra geração. Os patriotas bunda-mole.

Texto por Francisco Toledo, co-fundador e fotojornalista da Agência Democratize

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