Por que não questionar o “bolsa banqueiro” de R$1,35 trilhões ao invés da Cultura?

eDemocratize
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5 min readMay 20, 2016
Foto: Alice V/Democratize

Prioridades: o novo governo interino de Michel Temer quer acabar com o Ministério da Cultura, que arca com apenas R$2,6 bilhões do orçamento. Mas não questiona a dívida pública (o “bolsa banqueiro”) que gastou em 2015 R$1,35 trilhões aos bancos e investidores. A classe artística diz que não vai deixar isso acontecer.

Ocupações ao redor do Brasil estão explodindo nos últimos dias em prédios públicos ligados ao Ministério da Cultura.

No Facebook, um grupo chamado “Ministério Paralelo das Culturas” surge, com mais de 2 mil pessoas debatendo sobre arte, política e questões sociais que devemos enfrentar nos próximos anos.

Tudo isso acontecendo por conta da extinção do Ministério da Cultura pelo novo governo federal de Michel Temer. A pasta foi colocada dentro do Ministério da Educação.

Eu me pergunto: será que existem pessoas que realmente acreditam que economizar R$2,6 bilhões [orçamento da Cultura em 2015] realmente vai aliviar os cofres públicos?

Outro aspecto interessante desses valores: se formos descontar as despesas fixas do MinC, em 2015 sobrou apenas R$320 milhões na pasta para o ano.

Oras. Se é esse valor pequeno, como o governo liberou então tanta grana para artistas através da Lei Rouanet? Se a internet diz, acho que é verdade né?

Pois é amigo, é mentira. Você caiu no conto do “meme politizado de Facebook”.

Em outubro de 2015 um boato surgiu em torno da Lei Rouanet [como surge quase sempre]. Nas redes sociais, apareceu uma “notícia” de que o governo federal, através do MinC, liberaria uma verba de R$843 mil para um filme sobre a vida do deputado federal Jean Wyllys (PSOL). Mas era isso. Nada mais que um boato, uma mentira. Através de financiamento coletivo, o filme conseguiu captar os valores que precisava. Sem MinC, sem governo federal.

É desta forma que a direita em geral através das redes sociais criminalizou o Ministério da Cultura nos últimos anos. Falavam: “Em tempos de crise, ficar gastando o dinheiro dos nossos impostos com show de axé? Filme sobre deputado comunista?”.

Isso acabou viralizando e mesmo depois de comprovada a mentira muitos ainda acreditavam na farsa.

Mas quem é artista e vive disso sabe que não é assim.

Foto: Alice V/Democratize

Os artistas que vivem de sua arte, do seu trabalho árduo, entendem que o Ministério da Cultura é essencial — mesmo sem o orçamento necessário para um país com uma cultura tão atuante em larga escala. E por isso eles estão resistindo.

Em São Paulo, nas duas últimas semanas, ocorreu uma ocupação no prédio da Funarte, na região do Centro.

Artistas, apoiadores e ativistas estão ocupando o prédio contra a extinção do MinC. A ocupação vai além: debates, apresentações, intervenções, tudo isso faz parte do dia-a-dia do “Ocupa Funarte”.

Nesta quinta-feira (19), o Democratize acompanhou uma manifestação promovida pelo grupo nas ruas de São Paulo, com cerca de 3 mil pessoas presentes.

Foto: Alice V/Democratize

Usando máscaras de ministros e do presidente interino Michel Temer, os manifestantes fizeram do ato uma verdadeira apresentação teatral e política.

Os “ministros mascarados” seguravam faixas e cartazes com o nome dos ministérios que foram fechados pelo novo governo federal, os queimando em uma fogueira improvisada feita no meio da rua. Mulheres vestidas de políticos engravatados arrancaram suas roupas em protesto contra o número de ZERO ministras mulheres no atual governo.

A reação da classe artística é histórica.

E não acontece por acaso. Estamos falando de uma das pastas de menor representatividade no Orçamento da União nos últimos anos — pra não dizer nos orçamentos de sempre. Mas que mesmo assim, tem como responsabilidade atingir a população como um todo — da classe mais baixa até a mais nobre, do bairro mais periférico até o Centro da cidade.

Existem tantos programas necessários que são administrados pelo MinC que não cabem nesse texto.

Mas resolvi pontuar alguns de que mais gosto para depois fazer a reflexão.

  • Pontos de Cultura

“ É a entidade cultural ou coletivo cultural certificado pelo Ministério da Cultura. É fundamental que o Estado promova uma agenda de diálogos e de participação. Neste sentido os Pontos de Cultura são uma base social capilarizada e com poder de penetração nas comunidades e territórios, em especial nos segmentos sociais mais vulneráveis. Trata-se de uma política cultural que, ao ganhar escala e articulação com programas sociais do governo e de outros ministérios, pode partir da Cultura para fazer a disputa simbólica e econômica na base da sociedade.”

  • Política Nacional de Cultura Viva

“ A Política Nacional de Cultura Viva foi criada em 2014 para garantir a ampliação do acesso da população aos meios de produção, circulação e fruição cultural a partir do Ministério da Cultura, e em parceria com governos estaduais e municipais e por outras instituições, como escolas e universidades.

Tornou-se uma das políticas culturais com mais capilaridade e visibilidade do Ministério da Cultura, presentes nos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal, além de cerca de mil municípios, promovendo os mais diversos segmentos da cultura brasileira.

Desde 2004, já foram implementados 4.500 Pontos de Cultura em todo o país. Até 2020 a SCDC pretende fomentar mais 10.500 Pontos de Cultura para atingir a meta prevista no Plano Nacional de Cultura de 15 mil pontos em funcionamento.

Em 22 de julho de 2014, a presidenta Dilma Rousseff sancionou a Lei nº 13.018, que institui a Política Nacional de Cultura Viva, simplificando e desburocratizando os processos de prestação de contas e o repasse de recursos para as organizações da sociedade civil.”

Foto: Alice V/Democratize

Com isso, fica a pergunta e reflexão: estamos realmente dispostos a abrir mão de um ministério de tamanha importância, que atinge todos os públicos independente de classe social e cor de pele, para “economizar a verba federal”?

Fica o questionamento: então por que não cortamos o pagamento da dívida pública, a chamada “bolsa banqueiro”?

Só em 2015 o governo federal enviou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei Orçamentária que previa 47% dos recursos da União para o pagamento de juros e amortizações da dívida pública. Estamos falando de R$1,35 TRILHÃO. SIM. TRILHÃO.

Estamos aqui, discutindo sobre economizar dinheiro público cortando da nossa pele, enquanto os banqueiros e investidores internacionais não dão a mínima. Só querem saber daquilo que realmente importa: o pagamento sem calote da dívida do Estado com os bancos e fundos investidores.

Portanto, se você acha que o Estado gasta demais com o que não deve, quem sabe não chegou a hora de questionar aonde vai a maior parte dos seus impostos?

Texto por Francisco Toledo, co-fundador e fotojornalista da Agência Democratize

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