bruxaria moderna

cultura wicca no rio

Bolívar Torres
5 min readNov 29, 2013

Quando nasceu, Thaiz foi oferecida à lua. Sua mãe ergueu-a em direção ao satélite, e seu corpo nu respirou o ar leve da madrugada. Vinte cinco anos depois, ela é uma das muitas bruxas — ou wiccas — espalhadas pelo Rio, praticando rituais de forma solitária ou em grupo (conhecidos como “covens”). Espécie de neo-paganismo, que mistura ritos celtas com elementos gregos, africanos e indígenas, a bruxaria contemporânea seduziu esta professora de inglês nascida no bairro de Guadalupe. Desde 2002, quando um colega de faculdade lhe apresentou a prática, nunca mais parou de se envolver.

Do tempo das cavernas

“Bruxaria moderna é apenas uma adaptação dos rituais de outrora, que remontam aos tempos das cavernas, e que foram eliminados pelo cristianismo”, define. “É mais um estilo de vida do que uma religião, uma busca de aperfeiçoamento espiritual. Apesar de ter sido batizada na igreja católica e na umbanda, eu era uma criança que prestava atenção no vento, na natureza… Por alguma razão, adorava cristais. Mas não soube nada sobre wicca durante muito tempo. Quando descobri que havia uma crença que juntava tudo que eu sentia, fui ao céu”.

As pessoas têm um certo preconceito

Thaiz está montando o altar. Com um punhal, desenha na terra uma esfera astral para afastar energias, ou “seres espirituais”. Dentro dele, dispõe uma série objetos. Um cálice com líquidos consagrados, representando o elemento água e a força feminina da Deusa; uma colher de pau, usada na produção de poções e para canalizar energias para os ingredientes; um castiçal com símbolos mitológicos, acompanhado de velas de diferentes tamanhos; e um recipiente de metal, o “incensário”, cujos pequenos orifícios são enchidos com ervas, óleos e carvões, para gerar fumaça e aroma. Ela posiciona tudo cuidadosamente, de acordo com uma lógica específica relacionada aos pontos cardeais, e segura firme o seu Livro das sombras.

Começam agora invocações ao Deus e à Deusa. Thaiz usa um mantra próprio, de palavras enigmáticas, que saem de forma desconexa. Enquanto isso, seu marido, Adolfo, um dissidente do candomblé e simpatizante wicca, que se diz “apenas um secretário” da esposa, conta a rotina do casal. “Nós levamos uma vida normal como qualquer outra pessoa, com emprego e outras atividades. As pessoas têm certo preconceito, então costumamos ser discretos. Quando o assunto surge numa roda, não levamos adiante. Por causa dos vizinhos e da família, não podemos ter um altar em casa”.

Ao contrários do que muitos pensam, reitera Adolfo, os wiccas não têm nenhuma ligação com o satanismo. Trata-se, segundo ele, de uma prática que promove uma integração generosa com a natureza. Uma espécie de “bruxaria do bem”, cujos rituais celebram as estações do ano e fazem pedidos para prosperidade e saúde. É, inclusive, ecológicamente correta — não deixa lixo na rua e nem faz sacrifícios de animais.

“A Natureza é a nossa Grande Mãe”, afirma Thaiz. “Dela viemos e pra Ela voltaremos”.

Nos filmes, nos livros, nos colégios

Em evidência no Brasil desde os anos 90, o fenômeno wicca não para de crescer, principalmente entre os mais jovens.Estimulada por livros e filmes de magia e esoterismo, a moda está nas ruas, lojas, colégios…

“É um movimento amplo, que mescla neo-xamanismo, budismo com o universo do new age”, avalia a antropóloga Andrea Osório, que entrevistou mais de vinte bruxas de diferentes idades em sua dissertação de mestrado sobre a religião. “Geralmente, são mulheres que passaram por várias religiões. Algumas ficam, outras partem para outra coisa. A procura é por uma espiritualidade mais centrada no feminino, numa deusa mulher. É um olhar feminino sobre o mundo. Tanto que nos EUA, a wicca faz intersecções com movimentos feministas, ecológicos e dos direitos dos homossexuais”.

Não costuma ser fácil de se identificar um wicca na rua. Os sinais, como roupas pretas e maquiagem mais acentuada, são discretos — em alguns casos, até dispensado por seus adeptos. Volta e meia, cruzam-se na rua e se reconhecem um ao outro graças ao indefectível pentagrama (simbolizando os cinco elementos naturais) pendurados no pescoço.

Veneração em terrenos baldios

Low-profiles, bruxas e bruxos querem evitar o julgamento da sociedade, que muitas vezes acontece dentro da própria família. É o caso da jovem J., 16 anos, moradora de Bonsucesso. Os pais católicos não simpatizam com as práticas da adolescente. Junto com amigas do colégio, ela venera e estuda o Deus e a Deusa longe de casa, em campos abertos e terrenos baldios. “Meus pais não são contra nem a favor. Mas na minha casa, não pode. Tanto que não tenho altar, nem nada”, conta.

Já R. (codinome Anjo caído), 16 anos, que não foi autorizado pelos pais a se identificar, planeja realizar o seu próprio ritual de iniciação. Adorador dos deuses gregos, ele acredita que já passou seu período de auto-conhecimento, a preparação inicial e teórica a qual os bruxos se submetem antes de passar à magia na prática. Finalmente considera-se apto para a cerimônia, que deverá ser realizada com seu grupo em noite de lua cheia, num campo tranquilo de Nova Iguaçu.

“Depois do ritual, serei um sacerdote da Deusa”, prevê. “Assim… ser wicca está na moda, mas não entrei nessa por causa disso. Eu levo a sério. Tenho visões, mas não do futuro; posso sentir energia tanto positiva como negativa, e vejo alguns espíritos ou fantasmas”.

Um wicca tem dois caminhos: ou partir para a prática solitária e auto-ditata ou então juntar-se a um coven. A carioca Lilian Sampaio, 40 anos, organiza encontros de magia e a manipulação de elementos em sua chácara de Itaipuaçu, que possui diversos palcos de adoração, como círculos de natureza, altares, biblioteca e até um templo de 66 metros quadrados. As bruxas se reúnem toda a semana para rituais (os sabats a luz e os para a lua cheia), além de discussões sobre os rumos religião. Durante as atividades, que incluem trabalhos com ervas, banhos e orações, os símbolos característicos se fazem presentes: velas, pentagramas, vassouras… Mas outros assuntos cotidianos surgem naturalmente nas reuniões, como num jogo de baralho entre amigas. O que fazer com as notas ruins do filho no colégio? E, afinal, como vai terminar a novela? “Somos como irmãs, que passaram da fase de competição”, diz Lilian, também proprietária do Grupo Isis Gaia, no Centro, onde unifica as terapias naturais a base de cristais e cromoterapia e florais.”

A chácara é um referencial de encontro de grupos pagãos. Nela, plantamos e colhemos as ervas necessárias para nossos rituais e alimentação mágica”.

A vestimentária das reuniões pode remeter a uma festa de Dia das Bruxas, mas ela deixa um recado àqueles que se deixam influenciar pelos estereótipos.

“Não nos identificamos com halloween. Me considero bruxa, abracei o curanderismo. Pertenço a esta classe desde que comecei a ouvir vozes e prever o futuro. Mas sou uma wicca purista. O que fazemos é um trabalho de auto-cura física e espiritual, que só pode ser usado se não influenciar o livre arbítrio das outras pessoas. Somos do bem”.

--

--