A mulher que vem antes

Marília Valengo
4 min readNov 15, 2017

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publicado originalmente no peloraloblog.wordpress.com

Toda vez que começo a formular um pensamento sobre algo relacionado ao momento que estou vivendo, fico inclinada a etiquetar meu raciocínio com a cola da minha geração. Tudo bem que, mesmo sem estar focada nisso, acabo mesmo consumindo coisas de pessoas da minha faixa etária, o que faz com que os algoritmos me mostrem mais coisas dentro dessa bolha e por aí vai. Ainda assim, desconfio que é reducionista e até arrogante achar que minhas conclusões podem ser ditas como “conclusões da minha época”. Mas, é curioso perceber que invariavelmente, um monte de gente ao meu lado está passando por coisas parecidas com as que eu estou passando, tendo insights parecidos com os meus, experimentando clímax de questões antigas, assim como eu estou.

Não faz muito tempo, eu estava falando com minhas amigas do retorno de saturno como o grande divisor de águas existencial (sou de humanas). E ele é mesmo, me deixa com minhas miçangas. Esse marco do começo da terceira década foi tão poderoso, revelador, transformador, que nem me dei conta que bioquimicamente (dizem que a adolescência só acaba pelo fim dos 30 anos) também rolou um feitiço mucho loco, que não para de reverberar pelos anos afora. Desconfio que não irá jamais, mas não tenho como afirmar nada pelo futuro (se você pode, vamos teclar), nem pelos hormônios.

Então agora estou aqui, vivendo os problemas, as alegrias, os descobrimentos de uma nova fase da vida, me encaixando em clichês de quando eu lia entrevistas com mulheres mais velhas (eu sou essa mulher mais velha agora) na Marie Claire e pensando, “ufa, tudo isso que sinto, o desconforto, o medo, tudo isso vai melhorar”. Elas diziam que a melhor coisa de ter 30 e poucos era a autoestima generosa, a segurança de fazer acontecer, de falar o que se quer, de não se submeter a nada que não estão dispostas. E olhe que há 18/15 anos não tinha música ensinando para a massa sobre a importância do sexo oral feminino, nem ressignificação de padrão de beleza, de orientação sexual, discussão de gênero… Isso pra falar o mínimo do nosso tempo, com esse monte de mina abrindo as estradas aí pra gente se sentir bem, poderosa, ocupando espaços, respeitando espaços… se bem que é pelo menos o máximo um Lalá decente, vamos combinar. Que eu me lembre, todo encarte sobre o sexo perfeito nas revistas femininas se tratava de satisfazer o “boy”. Tempos sombrios, que fiquem pra trás!!!

Eu queria muito ser menos prolixa, acho que tenho conseguido. Talvez não nesse texto, cheio de janelas para que você interprete como quiser e também para me deixar isenta de responsabilidade já que eu cito coisas sem nenhumazinha referência bibliográfica pra dar aquele tom sério à minha fala. Mas, olha, vem comigo que vou tentar mais um pouquinho explicar o que estou sentindo.

Fiz uma lista de coisas sutis que acontecem ao meu redor e que têm sido basicamente a melhor ilustração de como viver tem ficado cada vez mais maravilhoso agora que eu olho bem mais para além de mim mesma.

- A amiga que chorou quando eu contei da vez que meu pai respondeu que me amava de volta, no lugar do agradecimento costumeiro.

- Outra amiga, que no processo de lidar com sua dificuldade de engravidar, acabou se reaproximando da mãe.

- Ouvir dos meus pais histórias sobre suas vidas antes de eles serem meus pais, ou serem um casal, o que humaniza eles pra lá do papel de pai ou mãe e faz com que eu definitivamente comece a conhecê-los de verdade e até ser mais generosa no amor que dou e espero receber.

- Ver meus irmão, primos e primas terem seus próprios filhos e viajar nesse barato de uma infância continuada.

- Fazer novas amizades assim, do nada. Cada vez mais aberta pra não me prender aos estereótipos e apenas me conectar.

- Errar. Pedir desculpa. Ter as desculpas aceitas. Desculpar de volta.

- Sorrir para as pessoas na rua sem esperar sorrisos de volta e me contentar com o que vier de retorno.

- Ver pessoas queridas tendo êxito, achando seu lugar, ou tentando coisas novas.

- Aliás, ver pessoas queridas com coragem de entender o mundo, de revolucionar o mundo, de praticarem a sinceridade.

- A tendência, acho mesmo que é uma tendência, da sinceridade, da auto-análise, do jogo limpo. Máscaras são soooo last season.

Enfim, toda vez que fico muito feliz, plena, satisfeita, resiliente, eu penso que o baque vai ser grande. E eu tenho histórico, sempre tropeço quando estou "me achado". Dá uma certa ansiedade. Mas poxa vida, não se trata de esperar o furacão, né? Ele já está aí. O mundo já está uma loucura. E quem está lutando todo dia é a minha geração. A minha bolha. O meus algoritmos. Acho que tudo bem se eu falar um pouquinho em nome dela.

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