Sobre como os holofotes de Cannes foram dominados pelas mulheres

Amanda Machado
Água de Salsicha
Published in
6 min readMay 20, 2016

O Festival Internacional do Filme de Cannes, que está rolando desde o dia 11 e termina no próximo domingo dia 22, já tem muita história feminina pra contar. De cara, precisamos falar sobre como o grande Festival está — ainda que de maneira muito ínfima — dominado por representantes femininas. Para início de conversa, dos 21 filmes selecionados para a competição de longas-metragens, 3 (sim!, apenas três) foram dirigidos por mulheres. O número é baixo mas ainda é o maior em comparação aos anos anteriores, que de filmes dirigidos por mulheres, contaram com dois selecionados em 2015 e em 2014, um filme selecionado em 2013, e nenhum em 2012.

Os filmes sob direção feminina foram exibidos no Festival no último fim de semana e foram dos aplausos às risadas. Toni Erdmann, exibido no sábado, conta com direção da alemã, Maren Ade, e explora uma relação não muito afetuosa entre pai e filha, aonde na tentativa de estreitar laços, o pai se disfarça de um personagem caricato e acaba levando a filha a um extremo desconforto. O enredo ainda desnuda o machismo no ramo executivo e, após exibição, foi considerado um dos favoritos a levar a Palma de Ouro para casa.

Dois outros filmes dirigidos por mulheres foram exibidos no domingo. Mal de Pierres, da diretora Nicole Garcia, tem como protagonista a atriz Marion Cotillard, considerada figura certa no Festival. O filme conta a história de uma mulher que é obrigada a se casar com um homem que não ama, porém, ao ser diagnosticada com cálculo renal — o Mal que dá nome ao filme — acaba se apaixonando por outro homem e tendo que lidar com esse sentimento. A exibição do filme terminou em risadas. Já o terceiro filme, American Honey, da diretora Andrea Arnold, conta a história de um grupo de jovens americanos que em busca de viver o “sonho americano” começa a vender assinaturas de revistas batendo de porta em porta. O filme tem como protagonista a atriz iniciante, Sasha Lane.

Dos filmes dirigidos por homens mas protagonizados por mulheres, muitos tiveram destaque. Loving, do diretor Jeff Nichols, é baseado na história real de um casal interracial que foi preso por conta do seu relacionamento, o filme está entre os favoritos e conta com a participação de Ruth Negga. De Pedro Almodóvar, Julieta, conta a história de um relacionamento fracassado entre mãe e filha, expondo ao público momentos do passado e do presente da mulher que dá título ao filme. Dos filmes que tiveram destaque durante o festival, temos The Last Face, filme dirigido por Sean Penn e estrelado por Charlize Theron, que nos conta a história de amor de um casal de médicos humanitários e o desenrolar desse relacionamento ao meio de um conflito na região.

Entre os favoritos, está o filme brasileiro Aquarius, do diretor Kléber Mendonça, que conta com a atriz Sônia Braga no papel principal. O filme mostra a resistência da protagonista a vender um imóvel e como a situação leva a personagem a repensar sua vida. Vale o adendo de que o elenco do filme prestou uma manifestação contra o afastamento da Presidente eleita, Dilma Rousseff, se referindo ao mesmo como “golpe”, antes da exibição do longa no Festival. O último — e único — filme brasileiro a ganhar a Palma de Ouro foi O pagador de Promessas, em 1963. Ficamos na torcida.

Fora das telas, as mulheres continuaram dominando a cena. Em diferentes momentos, as atrizes, Julia Roberts, Kristen Stewart e Sasha Lane, protestaram contra a “obrigatoriedade” de usar salto alto em eventos como esse, caminhando descalças pelo tapete vermelho. O protesto aconteceu pois na edição anterior, convidadas foram impedidas de entrar na exibição do filme Carol por estarem usando sapatos sem salto. A restrição foi corroborada pela produtora, Valéria Richter, que tem parte de um pé amputado. Ela disse ter sido parada quatro vezes durante o evento por estar usando sapato sem salto. A organização do evento emitiu um comunicado informando que não existe uma regra formal quanto ao uso de salto alto no evento. Já o diretor artístico, Thierry Frémaux, se desculpou e disse que a restrição se deveu a um “excesso de zelo” por parte dos seguranças. Excesso de zelo por quem? Afinal, por qual motivo uma mulher sem salto alto estaria em perigo? Ou eles estavam zelando pelos homens? Não faz sentido, eu sei.

Para atingir as expectativas de todos que leem um texto escrito por uma mulher sobre uma premiação e aguardam o momento das vestimentas e fofocas, informação única: Blake Lively, para o bem e para o mal. A atriz, que está no Festival para divulgação do filme Café Society, do diretor Woody Allen, brilhou em Versace, Gucci, Vivianne Westwood. E ganhou milhares de críticas quanto a um comentário racista no Instagram. Não há perdão.

Dos filmes que estão fora da seleção mas estão em exibição no Festival, além de Café Society, que ainda conta com a participação de Kristen Stewart, ganhou destaque o filme Jogo do Dinheiro, dirigido — oba! — por uma mulher, a não menos famosa, Jodie Foster, e estrelado por Julia Roberts e George Clooney. O filme foi aplaudido de pé.

O Festival se encerra domingo, com a premiação, que tem como presidente do jurí, o diretor George Miller, de Mad Max: Estrada da Fúria. O que podemos aguardar de um jurí que tem como presidente um diretor que colocou uma mulher como personagem principal de um filme de ação? Espero que os holofotes não mudem de direção no momento mais esperado.

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Amanda Machado
Água de Salsicha

Médica, dançarina, educadora em Projeto Luar de Dança, escritora do quadro Mulheres em Ação na página Água de Salsicha. Sobretudo, feminista!