AQUAMAN, O SENHOR DOS SETE MARES!

Claudio Basilio
sobrequadrinhos
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22 min readJul 14, 2021

E em 2021 um certo super-herói aquático virou octogenário. Em seus oitenta anos de existência ele assumiu muitos e muitos papéis. Ele foi filho de um explorador oceânico. Herdeiro de um império submerso. Descendente de um mago da Atlântida. Marido de uma rainha extradimensional. Primogênito de um faroleiro. Líder de uma irmandade dedicada a causa da justiça. Cria adotiva de golfinhos. Pai amoroso. Piadinha de nerds com mais de trinta e poucos anos. Tutor de jovens heróis. E, apesar de tantas qualificações ele é mais conhecido no mundo inteiro apenas como… Aquaman, o Senhor dos Sete Mares! Nos acompanhem em uma longa jornada que esmiuçará a carreira de um dos mais importantes personagens da história da DC Comics!

Filho de um oceanógrafo

A Era de Ouro do Quadrinho Americano (período geralmente compreendido entre 1935 e 1953) teve uma boa quantidade de aventureiros cujo habitat natural era a água. Em abril de 1939 a Centaur Publications levou para as bancas de jornal The Shark e no mês seguinte a Timely Comics (hoje mais conhecida como Marvel Entertainment) usou a revista Marvel Comics #1 para lançar oficialmente Namor, O Príncipe Submarino, uma das mais famosas criações do cartunista Bill Everett. O mesmo Everett criou em 1940 para a Eastern Color Printing o Hydroman e no ano de 1941 de volta a Timely ele concebeu o Barbatana, um oficial da Marinha Americana que se tornou soberano de um reino submerso no oceano. Porém, por mais interessantes que fossem esses heróis aquáticos de certa forma eles foram ofuscados por um certo personagem de roupa laranja…

Shark, Príncipe Submarino, Hydroman e Barbatana: super-heróis aquáticos criados durante a Era de Ouro do Quadrinho Americano.

No segundo semestre do ano da graça de 1941 a revista More Fun Comics #73 trouxe a estreia de dois heróis que marcaram a história da DC Comics: o primeiro era o sempre simpático Arqueiro Verde e o segundo era o Aquaman, que em suas primeiras aparições era um personagem um pouco diferente daquele que conhecemos hoje.

Página de abertura da primeira história de Aquaman, publicada em 1941 na revista More Fun Comics #73. Arte de Paul Norris.

Criado pelo escritor e editor Mort Weisinger e pelo desenhista Paul Norris, o Aquaman da estreia era o filho de um oceanógrafo que descobriu as supostas ruínas submersas da lendária Atlântida. Fazendo uso dos registros científicos encontrados no local o oceanógrafo fez com que seu rebento adquirisse as habilidades de sobreviver sem aparelhos nas profundezas oceânicas e de se comunicar com a fauna marinha. Assim que cresceu o rapaz adotou a alcunha heroica de Aquaman e passou a combater piratas modernos e — bem de acordo com o espírito da Segunda Guerra Mundial — as forças marítimas do Eixo.

A primeira versão da origem do Aquaman é mostrada nas páginas de More Fun Comics #73. Arte de Paul Norris.

As primeiras aventuras do Aquaman passam longe de serem consideradas clássicas ou espetaculares (tanto que a DC Comics nunca se preocupou em republicá-las em encadernados), mas escritores como como Manly Wade Wellman, Joseph Greene, Ruth Lyons Kaufman (uma das raras mulheres que escreviam quadrinhos na época) e Otto Binder e artistas como Louis Cazeneuve e John Daly fizeram com que no mínimo elas fossem divertidas. Provavelmente foi este nível de “diversão” que garantiu a “vida” do Aquaman quando o mercado estadunidense de gibis passou por mudanças expressivas.

No transcorrer da Segunda Guerra os super-heróis foram a força dominante da Indústria Americana de Quadrinhos, porém após o término do conflito em 1945 o interesse por aventureiros fantasiados com habilidades sobre-humanas decaiu e as editoras passaram a investir em outros gêneros, como o Humor, Faroeste e o Policial. Na virada dos anos quarenta para os cinquenta a maioria dos “colegas” heroicos do Aquaman teve a produção de suas aventuras cancelada sem choro nem vela, todavia milagrosamente o herói aquático escapou do “facão”, tanto que no início de 1946 as suas histórias migraram para Adventure Comics, revista que tinha como personagem principal o Superboy.

Mudanças

No final de 1956 a quarta edição de Showcase (revista que era usada para testar junto ao público a viabilidade ou não de um herói ganhar titulo próprio) trouxe a primeira aparição do Flash, um super-velocista inspirado em um aventureiro homônimo da DC Comics dos anos quarenta. A estreia do novo Flash é considerada o marco zero da Era de Prata do Quadrinho Americano, um período marcado pelo resgate dos super-heróis como força motriz dos gibis americanos, e o Aquaman não ficou alheio a essas mudanças.

Desde meados dos anos quarenta o Senhor dos Sete Mares vinha tendo suas aventuras publicadas de forma discreta e ininterrupta em Adventure Comics, e ele se adequou aos novos tempos quando em 1959 o roteirista Robert Bernstein e a desenhista Ramona Fradon (uma das poucas artistas que principiou sua carreira na Era de Ouro que ainda permanece conosco) recriaram totalmente o advento do personagem, em uma história que é tida como a “entrada oficial” do Aquaman na Era de Prata.

A segunda origem do Senhor dos Sete Mares é mostrada em cenas do gibi Adventure Comics #260. Arte de Ramona Fradon.

A nova origem do Aquaman foi publicada em Adventure Comics #260 e ela começou com o faroleiro Tom Curry, que em uma noite tempestuosa encontrou a deriva no mar uma misteriosa mulher chamada Atlanna. Rapidamente o Amor floresceu entre os dois, e um ano após este primeiro encontro a Natureza seguiu seu fluxo natural e eles tiveram um filho, batizado com o nome de Arthur. Mas os mistérios em torno da companheira de Tom Curry ainda persistiam, e se intensificaram quando o faroleiro descobriu que seu pequerrucho conseguia respirar debaixo d’água e trocava altas ideias com peixes. E então… no leito de morte a mãe do pequeno Arthur revelou ser a herdeira da mítica Atlântida e que foi expulsa da cidade submersa por explorar sem autorização o mundo da superfície. Para finalizar suas revelações Atlanna afirmou que o seu filho estava destinado a comandar os todos os oceanos da Terra e, após o seu último suspiro da sua esposa Tom Curry treinou arduamente Arthur para que ele se tornasse apto a cumprir seu fado quando se tornasse adulto.

Cenas extraídas de Adventure Comics #260, onde a mãe do Aquaman vaticina que seu filho está destinado a ser o soberano de todos os oceanos. Arte de Ramona Fradon.

A despeito das óbvias semelhanças com a origem do Príncipe Submarino da Marvel (que era filho de um capitão da Marinha Americana com uma princesa atlante) a história concebida por Bernstein e Fradon abriu um enorme leque de possibilidades para ao Aquaman. E, acreditem: nos anos subsequentes muitas delas se concretizaram!

Expansão

A década de sessenta chegou e ela foi marcada por uma profunda expansão na mitologia do Aquaman. Tirando a companhia de Topo (uma adorável lula que fazia as vezes de mascote e parceira de combate ao crime e que estreou em 1956 na revista Adventure Comics #229) o Senhor dos Sete Mares praticamente andava (ou melhor, nadava!) por aí sozinho, até que no comecinho de 1960 o gibi Adventure Comics #269 introduziu aos fãs Aqualad, um adolescente que foi expulso da Atlântida por ser portador de uma mutação genética que além de lhe conferir olhos púrpuras supostamente o tornava inapto a sobreviver nas profundezas oceânicas. Ah, para piorar as coisas o rapaz era acometido de uma estranha fobia de peixes!

Na sua estreia em Adventure Comics #269 o Aqualad demonstra um medo irracional de peixes. Arte de Ramona Fradon.

Com jeitinho Aquaman contornou os problemas do garoto (que várias edições depois os leitores descobriram que se chamava Garth) e o tomou como seu tutelado e sidekick, no melhor estilo Batman e Robin. Com o tempo Aqualad ganhou um certo relevo e se tornou membro fundador da Turma Titã, equipe que reunia os parceiros juvenis dos principais heróis da DC Comics, e aí… como quem não quer nada… outros companheiros entraram na vida do Aquaman.

Capa de The Brave and The Bold #28, que trouxe a estreia da Liga da Justiça, os novos aliados do Aquaman. Arte de Mike Sekowski e Murphy Anderson.

Praticamente no mesmo mês em que o Aqualad surgiu o gibi The Brave and The Bold #28 apresentou ao mundo a Liga da Justiça da América, superequipe que colocava o Aquaman lado a lado com os maiores heróis da DC Comics. Aliás, vale citarmos aqui uma curiosidade histórica: The Brave and The Bold #28 foi o primeiro gibi a trazer o Senhor dos Sete Mares na capa, em uma cena onde aliado aos outros pesos-pesados da DC ele encarou Starro, um conquistador alienígena em forma de estrela-do-mar.

Capa de Showcase #30, que trouxe a primeira capa totalmente dedicada ao Aquaman. Arte Howard Purcell e Sheldon Moldoff.

Aparentemente a DC Comics tinha grandes planos para o Aquaman, já que no ano de 1961 ele encabeçou quatro edições de Showcase. O público gostou do que viu, tanto que finalmente o herói aquático ganhou um título bimestral para chamar de seu. E finalmente foi também distinguido como um dos principais super-heróis da editora.

Super-herói casado

A revista Aquaman #1 foi posta nas prateleiras no começo de 1962 (vinte um anos após a estreia do personagem More Fun Comics #73), e de cara o escritor Jack Miller e o desenhista Nick Cardy (um dos mais refinados artistas da DC Comics daquele período) apresentaram para os leitores Quisp, um duende aquático vindo de outra dimensão que seguia de perto a tradição do Batmirim (também conhecido no Brasil como Duende Morcego) e Sr. Mxyzptlk, dois personagens brincalhões e absurdamente poderosos que infernizavam respectivamente as vidas do Batman e do Superman, só que… apesar de algumas aparições nas edições subsequentes de Aquaman o duende não caiu no gosto dos leitores, tanto que ele desapareceu do Universo DC. Todavia, outra visitante extradimensional “substituiria” Quisp e assumiria papel fundamental na mitologia do Senhor dos Sete Mares.

Capa de Aquaman #1: finalmente o herói tinha uma revista própria. Arte de Nick Cardy.

A revista Aquaman #11 foi marcada pela estreia de Mera, uma rainha dotada de poderes hidrocinéticos oriunda de Xebel, uma dimensão aquática paralela a nossa. Rapidamente ela se tornou interesse romântico de Arthur Curry e de repente — não mais que de repente — os pombinhos contraíram núpcias no ano de 1964 em Aquaman #18.

Capa de Aquaman #18, que trouxe o casamento de Aquaman e Mera. Arte de Nick Cardy.

O Senhor dos Sete Mares não foi o primeiro super-herói casado dos Quadrinhos Americanos (o Gavião Negro, Homem-Elástico e o Flash da Era de Ouro o precederam neste quesito), mas certamente foi o primeiro a ter seu casório retratado com pompa e circunstância nas páginas de um gibi. E definitivamente foi um dos primeiros a ter um filho, já que em Aquaman #23 Mera deu a luz a Arthur Curry Jr., que ficou mais conhecido entre os leitores como Aquababy.

Cena de Aquaman #23, que mostra o nascimento do Aquababy. Arte de Nick Cardy.

A família do Arthur Curry crescia e coisa e tal, mas o verdadeiro mérito de um herói é medido pela qualidade dos seus adversários, e em 1966 no gibi Aquaman #29 o roteirista Bob Haney lançou Orm Marius, o Mestre dos Oceanos. Filho de Tom Curry com sua segunda esposa (que era uma humana normal), Orm morria de inveja do seu heroico e superpoderoso meio-irmão, e acometido por problemas psiquiátricos ele se tornou um terrorista que tinha como objetivos de vida tomar para si o trono da Atlântida e dar fim a vida o Senhor dos Sete Mares. Muito mais misterioso que o Mestre dos Oceanos era o Arraia Negra, um pirata tecnológico de identidade desconhecida também criado por Bob Haney em 1967 na revista Aquaman #35 e que estava destinado a ser o mais famoso inimigo do herói aquático.

Capa de Aquaman #35, que mostra o Aquaman enfrentando de forma simultânea o Arraia Negra e o Mestre dos Oceanos. Arte de Nick Cardy.

O elenco de apoio do Senhor dos Sete Mares meio que se completou com as aparições de Tula, a Aquagirl (a heroica namoradinha do Aqualad) em Aquaman #33 e de Nuidis Vulko, um conselheiro e melhor-amigo-mais-velho do Senhor dos Sete Mares que deu as caras pela primeira vez em The Brave and The Bold #73. Porém… por mais espertos que fossem os roteiros de Bob Haney e do então novato Steve Skeats… por mais belos que fossem os traços de Nick Cardy e de Jim Aparo, o seu substituto… infelizmente a série do Aquaman foi cancelada em 1971 após o lançamento da sua quinquagésima sexta edição. Mas isso não significou o fim da linha para o personagem. Muito pelo contrário!

Dos Quadrinhos para Tevê e de volta aos Quadrinhos

Entre 1971 e a primeira metade de 1974 as aparições do Aquaman ficaram restritas ao gibi da Liga da Justiça e a participações especiais ali e acolá nas outras revistas da DC Comics, entretanto em 3 de setembro de 1973 as tevês americanas foram atingidas em cheio pela estreia dos Superamigos, um desenho animado produzido pela Hanna-Barbera Productions que trazia uma versão infantil e quase educativa da Liga da Justiça. Como membro destacado da principal superequipe da DC Comics o Senhor dos Sete Mares fez parte do elenco de Superamigos, mas essa não era a primeira participação dele em uma animação televisiva!

Model sheet do desenho animado Superamigos que retrata o Aquaman. Arte de Alex Toth.

Entre 1967 e 1970 Arthur Curry foi uma das estrelas de The Superman/Aquaman Hour of Adventure, um fraquinho (porém adorável!) show de animação criado pela Filmation Associates que trazia aventuras de vários heróis da DC Comics, com roteiros muitas vezes escritos por profissionais dos quadrinhos como Bob Haney e Mort Weisinger. O Aquaman protagonizou trinta e seis segmentos deste programa e precisamos destacar que estes episódios foram exibidos na tevê brasileira entre os anos setenta e oitenta, onde graças aos estúdio de dublagem Herbert Richers o Senhor dos Sete Mares ganhou o proverbial nome de… Herói Submarino! Mas, voltando a falar dos Superamigos

Aquaman e Aqualad cavalgam cavalos marinhos, em uma das cenas da animação The Superman/Aquaman Hour of Adventure.

O sucesso mundial da animação da Hanna-Barbera impôs para a DC Comics a necessidade de tirar proveito do hype, e assim em 1974 o Aquaman voltou a ter histórias próprias, que passaram a ser publicadas em Adventure Comics, a sua antiga “casa” dos anos cinquenta.

O Senhor dos Sete Mares recolhe o corpo do seu filho morto em cena extraída de Adventure Comics #452.Arte de Jim Aparo.

Talentos como Steve Skeats, Mike Grell, Bob Rozakis, Jim Aparo, Paul Levitz e David Michelinie produziram boas aventuras para o Aquaman neste período, com especial destaque para “Dark Destiny, Deadly Dreams” (“Destino Sombrio, Sonhos Mortíferos”, em uma tradução livre), publicada em Adventure Comics #452 e onde dois fatos surpreendentes ocorreram: o Arraia Negra removeu pela primeira vez o seu elmo e revelou ser um homem negro, fato relativamente impactante nos anos setenta; e por fim, o Aquababy foi barbaramente assassinado pelo vilão, incidente que estremeceu por muito tempo o relacionamento entre Aquaman e Mera.

Capa de Aquaman #62, onde Mera culpa o Senhor dos Sete Mares pela morte do seu filho. Arte de Jim Aparo.

As histórias publicadas em Adventure Comics obtiveram um certo sucesso e isso motivou a DC Comics a relançar em 1977 a série bimestral do herói aquático a partir do número #57, entretanto uma série de problemas editoriais e mercadológicos (hoje mais conhecidos como “Implosão DC”) fez com que a revista fosse cancelada após sexagésimo terceiro número em 1978. Novamente o Aquaman estava sem uma revista para chamar de sua…

Líder

O Senhor dos Sete Mares começou os anos oitenta da mesma forma que na década de setenta: somente aparecendo na Liga da Justiça e nos gibis de outros heróis. E aí em 1984 na revista Justice League of America Annual #2 O escritor Gerry Conway decidiu dar um “sacode” no principal time da DC Comics, mandando quase todos os heróis clássicos da equipe para a rua da amargura e fazendo o Aquaman recriar e liderar a Liga da Justiça como um grupo cheio de super-heróis principiantes.

Capa de Justice League of America Annual #2, onde o Aquaman lidera uma nova geração de heróis. Arte de Chuck Patton e Dick Giordano.

A Liga da Justiça de Detroit (como ficou conhecida esta formação da Liga) não foi exatamente um sucesso de crítica e público, mas pelo menos serviu para dar algum destaque ao Aquaman, que se tornou uma espécie de “professor” para jovens heróis como Gládio, Vibro, Cigana e Vixen. Posteriormente em Justice League of America #243 o Senhor dos Sete renunciou ao seu posto na Liga para se dedicar a reconstrução do seu casamento com Mera.

Capa da primeira edição de Aquaman, minissérie onde o Senhor dos Sete Mares veste um uniforme camuflado. Arte de Craig Hamilton.

Em 1986 o editor e roteirista Neal Pozner (um dos primeiros profissionais assumidamente homossexuais da Indústria Americana de Quadrinhos) e o desenhista Craig Hamilton uniram forças e produziram uma minissérie em quatro partes do Aquaman, onde eles retrataram uma espécie de “duelo final” entre o herói aquático e o Mestre dos Oceanos. Belamente ilustrada por Hamilton, o grande destaque desta aventura vai para o uniforme que “camuflava” o Senhor dos Sete Mares em meio as correntes oceânicas, e que infelizmente foi pouco usado nos anos seguintes. E, já que falamos de “anos seguintes” podemos afirmar que eles reservaram enormes mudanças para o Aquaman.

Nova origem

O megacrossover “Crise nas Infinitas Terras” virou de ponta-cabeça a mitologia da DC Comics em 1985 e abriu as portas para o reboot dos principais personagens da editora. Logo de cara Superman, Batman e Mulher-Maravilha foram recriados respectivamente por John Byrne, Frank Miller e George Pérez, entretanto no caso do Aquaman a sua nova origem foi construída aos poucos, em várias histórias publicadas na segunda metade dos anos oitenta e no início dos noventa.

Capa de The Legend of Aquaman #1, que iniciou o processo de reboot do Senhor dos Sete Mares no Universo DC Pós-Crise. Arte de Curt Swan.

Tudo começou no ano de 1989 em The Legend of Aquaman #1, revista escrita por Robert Loren Fleming e Keith Giffen que contou com a clássica arte de Curt Swan. Nela foi revelado que o Aquaman nasceu na Atlântida e ainda bebê foi abandonado a própria sorte por causa de uma superstição atlante que considerava os seus cabelos loiros uma perigosa maldição. Crescendo livre e solto nos oceanos, no início da adolescência o jovem herói encontrou um faroleiro chamado Arthur Curry, que o criou com se fosse o seu filho e lhe ensinou os fundamentos da civilização humana. Posteriormente o faroleiro sumiu da sua vida e o jovem adotou o seu nome, e depois de um bom tempo andando (ops, nadando!) por aí ele descobriu a localização da Atlântida. E descobriu também que era o filho de Atlanna, a falecida herdeira do trono da lendária cidade.

Ainda em 1989 Fleming, Giffen e Swan se reuniram novamente para criar uma minissérie dividida em cinco capítulos que explorou a posição do Aquaman em relação a Atlântida e seu o conturbado relacionamento com Mera. Porém, maiores detalhes sobre o nascimento do Senhor dos Sete Mares seriam revelados em outra série fechada.

Capa da primeira edição de Atlantis Chronicles, minissérie que detalha a história da Atlântida. Arte de Esteban Maroto.

Ao lado do renomado artista espanhol Esteban Maroto o escritor Peter David produziu em 1990 Atlantis Chronicles, uma série em sete edições que detalha a história da Atlântida, tendo como um dos protagonistas Atlan, um poderoso e quase imortal mago e guerreiro. Entre intrigas palacianas, guerras e o grande desastre que submergiu a lendária cidade foi revelado para os leitores que Atlanna ficou grávida do Aquaman após ser seduzida misticamente por Atlan, e que o seu bebê foi abandonado para morrer por causa da já mencionada “maldição dos cabelos loiros”.

Cena de Atlantis Chronicles #7, que mostra a “concepção quase mística” do Aquaman. Arte de Esteban Maroto.

Peter David considera Atlantis Chronicles um dos seus melhores trabalhos e estava ansioso para escrever histórias para o Aquaman, entretanto divergências com o editor Kevin Dooley (que não gostou da “concepção quase mística” do personagem imaginada por David) fizeram com que o roteirista Shaun McLaughlin fosse designado para a nova revista mensal do herói aquático, que foi lançada em 1991. O trabalho de McLaughlin talvez não seja brilhante (tanto que a série durou apenas treze edições), porém coube a ele revelar que na tenra infância o Senhor dos Setes Mares foi criado por Porm, um golfinho fêmea que era considerado como uma mãe pelo herói.

Capa da primeira edição de Aquaman: Time and Time, minissérie que mostra várias passagens da vida do Senhor dos Sete Mares. Arte de Kirk Jarvinen.

Finalmente em 1993 Peter David (junto com o desenhista Kirk Jarvinen) pôs as mãos no Senhor dos Sete Mares na minissérie em quatro edições Aquaman: Time and Tide, que mostrou vários momentos da vida do personagem. Merecem destaque a revelação de que o nome atlante de Aquaman é Orin, o período em que ainda criança o herói viveu com golfinhos e o breve tempo em que ele morou no Ártico em uma aldeia inuíte. Ah, e já que falamos em inuítes precisamos nos lembrar que esta história revelou que o Mestre dos Oceanos era filho de Atlan com uma mulher desta etnia ou seja, o vilão ainda continuava irmão de Aquaman por parte de pai.

Radical

Como quem não quer nada uma nova série mensal do Aquaman chegou nas comic shops americanas no segundo semestre de 1994, contando com os scripts de Peter David e a arte de Martin Egeland e Jim Calafiore e… uma revolução se estabeleceu na vida do personagem!

No transcorrer da sua carreira editoral o Senhor dos Sete Mares quase sempre era retratado como um homem as vezes ingênuo, porém sempre nobre. Peter David decidiu radicalizar as coisas, transformando o herói em um sujeito cabeludo e barbado que não levava desaforo pra casa. E para “meter o pé no acelerador” logo na segunda edição o Senhor dos Sete Mares perdeu a sua mão esquerda, que foi substituída por um arpão retrátil, e posteriormente teve seu clássico uniforme laranja trocado por um traje no estilo “gladiador romano”. Resumindo tudo: David adequou o Aquaman aos anos noventa, um período marcado por personagens “radicais” como o Wolverine e o Justiceiro, que não tinham pudores em bater pesado e até mesmo em matar seus adversários.

Capa de Aquaman #17: o Senhor dos Sete Mares se torna um cara durão! Arte de Jim Calafiore.

Peter David escreveu quarenta e seis edições do gibi do Aquaman e abandonou o titulo em 1998, mas aprontou poucas e boas antes da sua saída: ele revelou que Arthur Curry tinha um filho chamado Koryak (gerado com uma namoradinha inuíte na época em que ele viveu no Ártico) e o colocou em um relacionamento romântico com Delfim, uma obscura heroína aquática criada em 1968. Porém, muitos devem estar se perguntando: como ficou o simpático Aqualad em meio a tudo isso?

Capa da quarta edição de Tempest, minissérie que conferiu uma nova identidade e novos poderes ao antigo parceiro juvenil do Aquaman. Arte de Phil Jimenez.

Praticamente toda a rapaziada da Turma Titã passou por mudanças de uniforme e de identidade nos anos oitenta e noventa, e a vez do Aqualad ocorreu em Tempest, uma série em quatro partes publicada em 1996 e produzida integralmente por Phil Jimenez. Nela, após passar por um período de treinamento com Atlan (sim, o já citado papai do Aquaman) o jovem herói ganhou novas habilidades místicas, que o permitiam emitir raios energéticos e controlar a água. O fato do novo traje de Garth ser parecido com a roupa “camuflada” usada pelo Aquaman nos anos oitenta não foi uma mera coincidência, tanto que Jimenez dedicou este projeto quadrinístico a Neal Pozner, que foi seu namorado e que infelizmente faleceu em 1994.

Habitante das Profundezas

Após a saída de Peter David a revista mensal do Aquaman perdeu fôlego e, por fim, foi cancelada em 2001. Mas ele não ficou muito tem sem um lar, já que em 2003 a DC Comics apostou novamente no herói aquático, botando nas comic shops estadunidenses mais uma série regular protagonizada pelo personagem. Inicialmente de forma esperta o roteirista Rick Veitch associou o Senhor dos Sete Mares as lendas arturianas (Rei Arthur, Arthur Curry, sacaram?) e com o passar do tempo o escritor Will Pfeifer o transformou no protetor de Sub Diego, uma versão submersa da cidade americana de San Diego.

Capa de Aquaman #12: percebam que a mão decepada do herói foi reconstruída com águas oriundas do lago onde supostamente foi abandonada a espada do Rei Arthur. Arte de Howard Porter.

No rastro do crossover “Crise Infinita” em 2006 a partir da edição #40 o gibi do Senhor dos Sete Mares foi rebatizado como Aquaman: Sword of Atlantis, e nele a dupla Kurt Busiek e Jackson Guice apresentaram Arthur Joseph Curry, uma nova e rejuvenescida versão do herói, cuja origem guardava notáveis semelhanças com a do Aquaman da Era de Ouro. No transcorrer da série foi revelado que com o propósito de salvar Sub Diego o antigo Aquaman fez um pacto com deuses ancestrais e foi transformado por eles em uma bizarra criatura chamada Habitante das Profundezas.

Capa de Aquaman: Sword of Atlantis #40, onde um novo herói passou a usar o título de Aquaman. O antigo Senhor dos Sete Mares aparece ao fundo, vestindo um manto e empunhando um tridente. Arte de Jackson Guice.

O Habitante das Profundezas se tornou uma espécie de mentor para o herdeiro do seu velho nome, mas as boas ideias imaginadas por Kurt Busiek não prosperaram, e a série foi encerrada em 2007 após a publicação da quinquagésima sétima edição, com o desaparecimento de Arthur Joseph Curry e com a morte do antigo Aquaman. Entretanto, os antigos fãs sabem que nada é mais relativo do que a Morte no Mundo Encantado dos Quadrinhos, não é mesmo?

Um novo Aqualad

Publicada entre 2009 e 2010, a saga “A Noite Mais Densa” foi marcada pela ressurreição de vários personagens falecidos, e obviamente entre eles estava o bom e velho Aquaman, que na sequencia foi um dos protagonistas de “O Dia Mais Claro”, uma série semanal dividida em vinte e quatro partes que apresentou ao mundo em seu quarto capítulo… um novo e surpreendente Aqualad!

A história do novo Aqualad começa com um sujeito chamado David, que em uma viagem de turismo foi sequestrado junto com sua esposa grávida pelas forças armadas de Xebel, aquela dimensão aquática onde Mera nasceu. Ao chegar lá David foi barbaramente torturado e viu sua esposa morrer ao dar a luz ao seu filho, que foi modificado geneticamente pelos cientistas de Xebel. Condoída com a situação Mera levou o bebê (que foi batizado como Kaldur’ahm) para o mundo da superfície e o entregou para um casal, solicitando que o recém-nascido ficasse o mais afastado possível de qualquer oceano. A criança recebeu dos seus pais adotivos o nome de Jackson Hyde e vivia uma vida sossegada, até que seu legado finalmente o alcançou e o fez se tornar aliado do Senhor dos Sete Mares. Ah, um fato um tanto quanto relevante: o tal “David” era ninguém mais ninguém menos que o Arraia Negra, o assassino do filho de Aquaman e o mais famoso inimigo do super-herói aquático.

Cena de O Dia Mais Claro #16, onde Jackson Hyde assume o manto de Aqualad. Arte de Ivan Reis.

Com o tempo o novo Aqualad se revelou como membro da comunidade LGBTIQA+ e se tornou um importante símbolo da luta pela igualdade de direitos entre os fãs de quadrinhos que compartilham orientações sexuais “diferentes” daquilo que é considerado “normal” por pessoas preconceituosas e, já que estamos falando de “pessoas preconceituosas”…

As crianças que cresceram assistindo The Superman/Aquaman Hour of Adventure e Superamigos nos anos setenta e oitenta viraram adultas no século XXI, e por razões desconhecidas tornaram o Aquaman um dos alvos favoritos de suas galhofas. Tudo em relação ao herói era tratado com deboche, desde a sua suposta “inutilidade” longe dos oceanos quanto o seu “estranho” hábito de cavalgar cavalos marinhos, golfinhos e até mesmo peixes voadores! E, acreditem: até a representação visual da sua comunicação com a fauna marinha (a famosa sequencia progressiva de círculos que saía da sua fronte, que foi criada nos anos sessenta por Nick Cardy no gibi Aquaman #20) era motivo de piadas.

O Homem Sereia e uma cena de O Show de Aquaman & Seus Amigos: O Senhor dos Sete Mares era alvo de constantes paródias.

Para termos uma vaga ideia do nível da “zoeira” basta assistirmos O Show do Aquaman e seus Amigos (programa do canal a cabo Cartoon Network que tirava sarro da mitologia dos Superamigos) e Bob Esponja, animação da Nickelodeon que em vários episódios trazia o indefectível Homem Sereia, uma espécie de “tributo” ao Senhor dos Sete Mares. Entretanto, uma indagação deve estar acometendo a todos que estão lendo este texto: por que estamos falando tanto sobre as paródias do Aquaman? Ora, fazemos isso porque de certa forma essas “paródias” determinaram o tom de uma nova e interessante direção para o personagem!

Um personagem contemporâneo e respeitável

Em 2011 ocorreu “Os Novos 52”, um evento quadrinístico e marqueteiro que tinha como objetivo reposicionar as revistas da DC Comics no mercado, e as portas para o reboot dos maiores heróis da editora foram novamente reabertas. E ai pintou na área o desenhista brasileiro Ivan Reis.

Reis colheu vários elogios pela maneira como desenhou o Senhor dos Sete Mares em “A Noite Mais Densa” e em “O Dia Mais Claro”, todavia quando questionado pelos editores da DC Comics sobre quais projetos futuros seriam do seu interesse ele surpreendeu a todos quando escolheu… o Aquaman!

Capa de Aquaman #1: a origem do Aquaman é novamente recontada. Arte de Ivan Reis.

Ora, Reis tinha plena consciência de que o Aquaman não era considerado um personagem de primeira linha e que nos últimos tempos ele era mais lembrado como uma piada do que como um super-herói sério, mas justamente esses fatores motivaram Reis a encarar o desafio de recriar o Senhor dos Sete Mares como um personagem contemporâneo e respeitável ao lado do roteirista Geoff Johns.

Cena de Aquaman #1, onde de forma “delicada” um fã questiona o herói sobre as piadas que fazem sobre ele. Arte de Ivan Reis.

Tendo como uma improvável influência visual o Flash Gordon de Alex Raymond o quadrinista brasileiro revitalizou o uniforme clássico do Aquaman, e assim a revista Aquaman (a quinta série regular do personagem em sua história editorial) foi lançada no final de 2011. Sem muitas delongas Johns e Reis jogaram na cara do herói aquático as piadas que durante muito tempo o vitimizaram, mas um gibi mensal não se sustentaria somente com isso, né?

Cena de Aquaman #10, onde o herói aquático mata o pai do Arraia Negra. Arte de Ivan Reis.

No desenrolar da série Johns e Reis trabalharam o relacionamento de Arthur com Mera e reaproximaram o Senhor dos Sete Mares da origem concebida por Robert Bernstein e Ramona Fradon em 1959, ou seja: o herói voltou a ser fruto do relacionamento do faroleiro Tom Curry com a Rainha Atlanna. Mas as mudanças não pararam por aí: o Mestre dos Oceanos passou a ser filho de Atlanna com um membro da guarda real da Atlântida e a rivalidade mortal entre o Arraia Negra e o Aquaman se estabeleceu quando na juventude ao tentar vingar um ataque feito a Tom Curry o super-herói aquático acidentalmente matou o pai do vilão.

Um oceano sem fim

Atualmente no Mercado Americano de comic books as revistas em quadrinhos periódicas possuem ciclos de publicação intencionalmente curtos, e assim o gibi do Aquaman criado por Geoff Johns e Ivan Reis teve apenas cinquenta e duas edições, com o sua meta de resgatar a respeitabilidade do Senhor dos Sete Mares plenamente atingida. Logo na sequencia em 2016 o herói aquático ganhou uma nova série regular e quadrinistas como Dan Abnett, Brad Walker, Scott Eaton, Philippe Briones, Kelly Sue DeConnick, Robson Rocha e outros deram prosseguimento a missão de criar novas aventuras para o Senhor dos Sete Mares. E então… em 2017 Arthur Curry foi parar nas telas grandes.

Poster do filme Aquaman, onde o Senhor dos Sete Mares e Mera são vividos respectivamente por Jason Momoa e Amber Heard.

O filme “Liga da Justiça” não agradou gregos e troianos, porém nele Jason Momoa deu vida a uma versão brutamonte e gaiata do Aquaman (visualmente parecida com aquela que era retratada nas histórias de Peter David) que certamente caiu no gosto de quase todos os fãs. Como resultado do desempenho de Momoa em 2019 o Senhor dos Sete Mares ganhou um longa-metragem solo que além de boas críticas teve excelentes números de bilheteria mundo afora. Ah, é claro, por causa do sucesso do filme hoje em seus quadrinhos o personagem apresenta uma “leve” semelhança com o ator que o viveu nos cinemas. Afinal de contas, é sempre necessário aproveitar o hype!

Capa de Aquaman #43: nos gibis o herói passou a guardar muitas semelhanças com Jason Momoa. Arte de Robson Rocha.

E assim chegamos no término deste artigo. Muitas coisas aconteceram nos oitenta anos de vida do personagem e muitas outras coisas acontecerão no futuro. Não sabemos como ele será retratado em vindouros quadrinhos, filmes, animações ou videogames, mas sabemos que durante muito tempo ele continuará nadando… por um oceano sem fim.

E, como diria o poeta:

E TENHO DITO!

P.S.: quando eu estava finalizando este texto tomei conhecimento do passamento do grande quadrinista brasileiro Robson Rocha, que nos últimos tempos demonstrava o seu enorme talento nas páginas da revista do Aquaman. Infelizmente ele não se encontra mais entre nós, mas a sua arte persistirá por muito tempo, e este artigo é dedicado a ele e a sua família.

Para saber mais:

Wikipedia: Aquaman

DC Fandom: Aquaman

Guia dos Quadrinhos: lista de aparições do Aquaman no Brasil

Mike’s Amazing World of Comics: Aquaman

DCU Guide: Cronologia do Aquaman

Twomorrows: Alter Ego #69 (revista dedicada ao Aquaman)

Comic Book Resources: a estreia da comunicação telepática

Comic Book Resources: o surgimento de Quisp

Comic Book Resources: o casamento de Aquaman e Mera

Comic Book Resources: a concepção mística de Aquaman

Grand Comics Database: Aquaman (primeira série — 1962)

Grand Comics Database: Aquaman (segunda série — 1991)

Grand Comics Database: Aquaman (terceira série — 1994)

Grand Comics Database: Aquaman (quarta série — 2003)

Grand Comics Database: Aquaman Sword of Atlantis

Grand Comics Database: Aquaman (quinta série — 2011)

Grand Comics Database: Aquaman (sexta série — 2016)

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Claudio Basilio
sobrequadrinhos

Apenas um rapaz latino-americano que gosta de falar de Quadrinhos e Cultura Pop. E de outros assuntos também!