Dylan and ‘The Breakups’

Leobaldo Prado
5 min readFeb 1, 2015

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Para refletir sobre o fim de um relacionamento você precisará de um sofá confortável, do disco “Blood on the Tracks” e de 51 minutos.

Tangled up in Blue’, ou: bem-vindo à poeira da estrada.

Comece pelo começo, com “Tangled up in Blue”, o melhor filme que John Cassavetes não fez. Sinta-se infeliz desde os primeiros acordes, eles anunciam a sua nova vida: você está sozinho. Enquanto Dylan reconta a enésima história de mais um amor desencontrado, desconexo, desmembrado em centenas de bares escuros à margem de rodovias sem nome, procure se lembrar de como tudo começou. Foi o sorriso dela? Foram os seus olhos desviados para o chão? Não há nada mais trágico que um amante tímido.

Simple Twist of Fate’, ou: a nostalgia pode ser excruciante.

Essa ‘motel story’ vale por todos os filmes tristes que você já viu e verá. Uma vida inteira compilada num único encontro, aquela noite em que você sentiu que estrelas observavam vocês dois, intrigadas com a intensidade de dois pequenos corpos reluzindo, desde lá da Terra. Como é que algo assim pôde acabar?

‘You’re a Big Girl Now’, ou: você é melhor do que eu, e nós sabemos disso.

É sempre melancólico quando um homem implora por qualquer coisa, mas é ainda mais quando se implora por aquilo que não existe mais. Não tente entender e, principalmente: não tente mudar. Deixe o sofrimento tomar conta dos seus ossos, e algum dia você ficará bem. Enquanto isso, finja que está nas páginas d’O Príncipe Feliz, de Oscar Wilde, onde as pessoas são tolas, mas, pelo menos, existe a generosidade.

Idiot Wind’, ou: um pouco mais de amargura, por favor.

Não é uma separação se a ira não escorrer pelos cantos da casa, pelos cantos da boca. Não há paz de espírito, meu bem. Não há refúgio, nem compaixão, nem nada, só esse vento estúpido soprando por entre os restinhos de vocês dois. Feche a porta, sim?

‘You’re Gonna Make Me Lonesome When You Go’, ou: aquela foto ainda me encanta.

Em algum momento, entre espasmos de raiva e negação, um ou dois pensamentos ternos começam a preencher a sala. Permita-se sentir saudade. Observe aquele estranho casal na fotografia! Eles olham de volta pra você e estão tão felizes! Ouça a música, ouça os conselhos de Bob Dylan, ele parece ter vivido bastante. (você está mais pra Verlaine ou Rimbaud?)

Meet me in the Morning’, ou: um blues decente é tão importante quanto plantar uma árvore.

Ainda não inventaram jeito melhor de reclamar do que o blues. E tome slides modorrentos, safados, arrastados como um padre confessando seus crimes. Pouco conteúdo e muitas queixas fazem de você um chato, mas o que se pode fazer? Beije a moça na fotografia e deixe o navio afundar, e talvez alguém te redescubra daqui alguns anos, mais molhado e mais sábio.

‘Lily, Rosemary and the Jack of Hearts’, ou: uma historinha bem gostosa de se ver.

Se John Ford fosse David Lynch, e Bob Dylan fosse uma pessoa acessível, esse seria o western definitivo. E você estaria a salvo por algumas horas, assistindo a uma reprise pela TV. Não pense demais, não sinta demais, não seja demais! As coisas são como são, e suas boas intenções são tão efetivas quanto água morna num dia quente.

If You See Her, Say Hello’, ou: perdoar ganha de qualquer antiácido.

Liberdade”, de Jonathan Franzen. (…) Eu sei. Se pudesse, você também faria tantas coisas de outro jeito, não é? And yet, você e ela ainda estão aí… (“And though our separation, it pierced me to the heart… She still lives inside of me, we’ve never been apart”. Esse Dylan é um demoniozinho cruel…) Saiba disso: se você não perdoá-la, é estatisticamente provável que tenha hemorroidas. E se não for perdoado, daqui alguns anos acordará numa segunda-feira, 15 de março, gostando de molho rosê e Sidney Sheldon. A raiva afeta o estômago e o senso estético.

Shelter From the Storm’, ou: o amor é um cobertor quente.

Mais um conto sobre redenção e ruína, nesta ordem. O pobre homem pensa que terá, enfim, um ponto/corpo de referência, para que não precise mais vagar por aí, mas está enganado. Promessas quebradas são tudo o que resta, e quando alguém pergunta “o que deu errado”, você se sente tão constrangido quanto aquele sujeito que cortou o dedo numa afiada folha de papel.

‘Buckets of Rain’, ou: sempre que chover, vou me lembrar de você.

O bom de ficar velho é poder chorar sem motivo aparente e não ter de chegar a nenhuma conclusão sobre coisa alguma. Apenas deleite-se com as metáforas simples e a beleza desse violão algo desafinado, enquanto a água bate no vidro da janela. “Life is sad… Life is a bust… All ya can do is do what you must”…

Post-scriptum

Diálogo imaginário entre John Cassavetes e Bob Dylan:

John: Bob, é incrível essa sua ‘Tangled up in Blue”.

Bob: Bom, cara, se você achou que era minha, então não entendeu nada…

John: Não foi você quem compôs?

Bob: Ela é tão minha quanto é do meu lápis, cara, essa canção pertence ao mundo. São apenas sulcos numa folha branca…

John: Perfeito! Poderei economizar no roteiro, você sabe que cinema independente não rima com grana, certo?

Bob: Bom, cara, um homem tem de comer… Fale com meu empresário.

John: Foi o que pensei.

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Leobaldo Prado

Jornalista, locutor / narrador. Produtor e apresentador do podcast de literatura ‘Verso da Prosa’