Uma notícia mal contada é um assalto a mão armada

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4 min readSep 2, 2016
Editorial desta sexta-feira da Folha de S. Paulo

Em um editorial criminoso, o jornal Folha de S. Paulo deu carta branca para a violência policial contra manifestantes e imprensa. Parece que eles não aprenderam absolutamente nada após ver seus funcionários sendo vítimas da repressão em 2013; e pior do que isso, transformam uma notícia mal contada em um assalto a mão armada.

Por Francisco Toledo

Não existe melhor música para explicar o contexto em que vivemos nesta semana do que ‘Multi Viral’, da banda Calle 13.

“Tudo começa com uma fagulha
Quando soltamos chamas por nossos olhos
Eles querem impedir o incêndio que se propaga
Mas há incêndios que com água não apaga”

Começa a canção.

A fagulha, no caso, é o processo de impeachment anti-democrático e sem participação popular que sofreu a presidente Dilma Rousseff. Mas erra quem pensa que trata-se apenas disso.

Assim como em 2013, o aumento das passagens no transporte público foi apenas uma fagulha do que viria a ser uma legítima revolta popular, insatisfeita com a classe política que já não a representava mais. Com os desvios da corrupção, com a injustiça social na periferia e no campo, com a transformação da democracia em um estado policial.

Foto: Gustavo Oliveira/Democratize

E quem deseja impedir que esse incêndio se propague?

A imprensa tradicional. Mais uma vez.

Assim como em 2013, os jornais Folha de S. Paulo e O Globo publicam nesta sexta-feira (02) editoriais completamente criminosos, caracterizando a multidão que tem ocupado as ruas de várias capitais do Brasil contra o presidente Michel Temer (PMDB) como “fascistas”, “baderneiros”.

Mesma prática foi adotada durante os protestos de 2013. E o que aconteceu?

Foi dada uma carta branca para a violência policial. No dia 13 de junho, manifestantes foram encurralados pela Polícia Militar em São Paulo. Mais de 200 presos, dezenas de feridos — inclusive uma repórter do próprio jornal Folha de S. Paulo, que quase ficou cega.

Um ano depois, o mesmo jornal lança um documentário sobre os protestos de 2013. Hipocrísia ou tentativa de lucrar em cima de uma manifestação legítima da sociedade, a qual o próprio jornal havia tanto criminalizado?

“Se a imprensa não fala
Nós damos os detalhes
Pitando as paredes
Com spray nas ruas”

Continua a música.

E a imprensa não tem falado absolutamente nada, de fato.

Foto: Gustavo Oliveira/Democratize

Enquanto uma jovem fica cega, fotógrafos são agredidos e presos, além de ter o equipamento danificado por policiais, a grande mídia prefere focar em vidros quebrados, ou em barricadas com fogo no meio de avenidas. Marginalizam o sentido da violência política praticada nas manifestações, como se fosse uma espécie de terrorismo, se negando a entender o sentido por trás de tais ações.

Afinal, se explicarmos qual o sentido dessas ações “violentas” para a população, como conter uma revolta ainda maior?

Por isso a música continua e diz:

“Uma notícia mal contada é um assalto a mão armada”

Em seu editorial, a Folha diz que “esses soldados da arruaça se infiltram em protestos de esquerda, cujas lideranças têm medo de repudiá-los”. Pior do que isso, afirmam que os manifestantes mais radicais “agridem a polícia com o objetivo de provocar retaliação”.

Nas quatro manifestações que sofreram repressão nesta semana em São Paulo, em nenhuma delas a iniciativa de violência partiu dos manifestantes — mesmo dos mais radicais. Na maioria dos casos, uma barricada em uma avenida (seja na Consolação ou na 9 de Julho) foi o suficiente para ouvirmos bombas de efeito moral.

“Quem financia e treina essas patrulhas fascistoides? Está mais do que na hora de as autoridades agirem de modo sistemático a fim de desbaratá-las e submeter os responsáveis ao vigor da lei”, completa o terrível e criminoso editorial da Folha.

Aqui, eles pedem simplesmente para a polícia intensificar seu trabalho repressivo. Dão carta branca para a PM, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) e o próprio Michel Temer agir no sentido de abafar as manifestações, as tornando uma espécie de carnaval fora de época.

Não lemos nenhum editorial em 2015 contra os manifestantes que exigiam intervenção militar nos protestos contra Dilma Rousseff. E não se enganem: não se tratava de um pequeno grupo, como a meia dúzia de fascistas acampados em frente ao prédio da Fiesp. Do último protesto em março, onde mais de 1 milhão de pessoas ocuparam a Avenida Paulista, pelo menos 1/5 defendiam a intervenção das Forças Armadas no processo político democrático brasileiro. Tinham caminhões de som, faixas, bandeiras, estrutura montada.

A Folha não questionou de onde veio o dinheiro que financiou tudo aquilo.

Da mesma forma como não questiona a violência da PM contra os manifestantes. Da mesma forma como permite que seus funcionários se tornem alvo fácil da repressão policial.

Na música Multi Viral, o ativista Julian Assange do WikiLeaks tem uma participação onde diz:

“Suas mentiras nos disseram a verdade, e vamos usar contra vocês”

E isso também vale para este caso em específico.

As mentiras contadas pela mídia serão utilizadas contra ela. Pode não ser hoje ou amanhã. Mas um dia, o fracasso do velho jornalismo não terá mais fuga.

Francisco Toledo é co-fundador e escritor pela Agência Democratize em São Paulo

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