Aberto o processo de impeachment de Dilma. Mas, e o do Alckmin?

eDemocratize
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8 min readDec 3, 2015
Foto: Fernando DK/Democratize

No final da tarde de ontem, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, enfim acolheu o pedido de impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Mas e o do governador Geraldo Alckmin? Mentir para a população sobre um projeto e articular ações violentas contra estudantes menores de idade não é o suficiente para nos espantarmos e indignarmos?

Não sejamos ingênuos: o governador Geraldo Alckmin não vai cair. Pelo menos não com uma Assembleia Legislativa composta por uma gigantesca base de apoio ao governo estadual, de partidos reacionários como DEM até pseudo-esquerdistas como o PPS. Em um mundo justo e realista, as ações tomadas pelo governador já se consideraria motivo suficiente para que tais partidos tomassem decisões drásticas sobre manter-se em um governo que aponta armas para adolescentes. Mas não estamos em um mundo — ou melhor, em um estado justo e realista. Estamos no Tucanistão.

Ou seja, por vias legais o governador dificilmente será atingido. De qualquer forma, sua imagem tem sido preservada ao máximo pela mídia tradicional, que exibe sem cansaço a figura do secretário da Educação, Herman Voorwald, como o idealista do projeto de reorganização. O governador só apareceu recentemente para fazer aquilo que ele mais sabe: defender as ações truculentas da Polícia Militar. Ironias da vida: os policiais militares tiveram na gestão de Geraldo Alckmin os piores anos no sentido de direitos e trabalhista nas últimas quatro décadas. Aumento de 0% na folha de pagamento, rechaço contra possibilidade de greves, entre outros.

A única via provável de queda de Alckmin é através das ruas. E para as ruas devermos ir, ao lado dos secundaristas, mas sem tirar seu belo protagonismo já exibido em nível internacional, recebendo recente apoio do sociólogo marxista David Harvey.

Mas por que Geraldo Alckmin não merece mais ser o governador de São Paulo?

Foto: Reinaldo Meneguim/Democratize

Vamos em partes.

Primeiro tragédia

O anunciado projeto de reorganização do ensino, que fechará mais de 90 escolas ao redor de todo o Estado e mudará a vida de mais de 300 mil estudantes, foi decretado sob a bandeira de um possível novo modelo de ensino, que tem como objetivo melhorar a qualidade e o nível escolar do estado, colocando alunos em escolas de ciclo único.

Como argumento de defesa contra um possível revés político, a Secretaria da Educação informou que todos os alunos serão enviados para escolas com no máximo 1 quilômetro de distância de suas casas.

Claro, o governo não levou em conta o valor de pertencimento que o aluno, estudante do colégio desde a primeira série, tem com o local, professores, funcionários e demais colegas. Existe para o aluno que terá sua escolha fechada algo sentimental que os políticos do alto escalão tucano provavelmente não entendem — ou simplesmente ignoram. A escola, assim como seu local de trabalho, é onde você passa praticamente a maior parte do seu dia. As pessoas que você encontra todos os 5 dias da semana, as conversas nos corredores, o futebol na quadra, o tio da cantina, a tia inspetora que não deixa você ficar 5 minutos a mais fora da sala de aula durante o intervalo. Ou até mesmo aquele professor mais zoeiro, que fica no seu pé o dia inteiro, brincando com seu novo corte de cabelo.

Ignorando esse sentimento, existe a impressão de que o projeto de reorganização do ensino não quer melhorar a qualidade da Educação no estado, e sim criar robôs. Máquinas programadas para fazer o que foi dito, separadas em níveis diferentes. Mas calma, tudo isso é só impressão.

Foto: Fernando DK/Democratize

Se fosse realmente um projeto focado na melhoria ou mudanças estruturais na área educacional do Estado, pelo menos o mínimo diálogo teria sido feito. E não foi.

Os alunos, professores e pais não foram sequer consultados. É a mesma coisa que você, locatário de um imóvel no qual você mora faz 8 anos com sua família, tendo uma convivência diária com seus vizinhos do bairro, ficar sabendo através de uma notificação ou por terceiros que sua casa será transformada em um salão de eventos, e você tem até tal dia para sair de lá. Mas calma, a casa onde você viu seus filhos crescer vai ser trocada por outra, só que umas oito quadras acima. Coisa pequena, meia hora andando a pé apenas.

Tudo indica claramente que o projeto de reorganização do ensino na realidade foi um plano de fachada para economizar gastos no caixa do governo estadual. E isso é grave. Não porque o governador resolveu cortar gastos — o que é preocupante, mas não indica má índole. É grave pois o governador mentiu sobre tudo isso, utilizando da máquina do Estado para propagar a reorganização como algo positivo e que tem como foco apenas melhorar o ensino de nossos filhos, quando na realidade foi apenas uma pasta escolhida para cortar gastos e suprimir as necessidades do governo.

Trata-se de uma mentira. E pior: ele ainda insiste nela, se utilizando do dinheiro público para criar e vincular propagandas de TV e rádio sobre o que é o projeto. É uma farsa, amigos.

Isso já é o bastante para ele cair. Alckmin maquiou um pacote de austeridade, simulando um projeto de educação que não existe. Não consultou a população, e sim empresários e economistas. Diz que os prédios das escolas que serão fechadas continuarão servindo para a educação pública, sendo que o governador Mário Covas (PSDB) prometeu o mesmo nos anos 90. E olha lá: a E.E. Caetano de Campos, na Aclimação, que teve sua creche desmontada pelo projeto dos anos 90, assiste faz mais de 20 anos o espaço antigamente utilizada para cuidar e educar nossos filhos mais novos completamente abandonado, com uma mata gigante no entorno do prédio. Curioso mesmo é que a E.E. Caetano de Campos terá o ciclo fundamental excluído pelo novo projeto de reorganização.

Mas calma. A parte mais grave ainda está por vir.

Depois a Farsa

Não demorou muito para que os secundaristas percebessem o plano do governo. E eles foram pra rua.

A primeira fase da mobilização dos alunos foram com protestos bem dispersos, em cantos diferentes do estado. A Apeoesp começou a articular manifestações com maior impacto, chegando a colocar mais de 90 mil pessoas nas ruas de São Paulo em outubro.

Apesar disso, nenhum sinal de arrego por parte do governo estadual. Ai começaram as ocupações.

Primeiro Diadema, depois a Fernão Dias Paes em Pinheiros. A partir dai, foi como um tsunami. Doze escolas, vinte escolas, sessenta escolas, cem escolas, duzentas escolas. Tudo em questão de três ou quatro semanas. Escolas foram ocupadas na periferia, no centro, em bairros nobres, no interior e até no litoral. Sorocaba era a segunda cidade do estado com mais escolas ocupadas até o fim de semana passado: mais de 19, atrás apenas da capital paulista.

O governo tentou por variadas vezes então uma liminar para reintegração de posse de todas essas escolas. Vetado uma vez, duas, três vezes. A Justiça negou ao governo pois, assim como a maioria da população, acreditava que tratava-se de um direito básico do cidadão que, em uma democracia, pode e deve exigir o diálogo e melhores condições em um setor público tão importante como a educação.

Mas não demorou muito para que o governo tucano começasse a instrumentalizar uma outra tática perversa de desmobilização: a criminalização através de ações suspeitas, que seguem um único padrão.

Começou em Sorocaba, quando uma das escolas ocupadas foi invadida por homens encapuzados e armados. Ameaçaram os alunos, vandalizaram a escola, acabaram com a ocupação. Depois, a PM chega ao local e acaba determinando que para a segurança dos estudantes, a ocupação deveria acabar. No mesmo dia em que isso ocorreu, uma reunião entre membros da secretaria do ensino ocorre. Nela, a nova tática do governo é aplaudida por seus membros, que decretam uma guerra contra os alunos. O áudio vazado explícita o quão surreal foi tudo isso.

Na segunda-feira, a vítima da vez foi a E.E. Coronel Antonio Paiva, em Osasco. A escola foi invadida novamente por homens encapuzados, que expulsaram os alunos de lá após vandalizar o prédio, tacar fogo em uma das salas e roubar alguns equipamentos. A polícia chegou horas depois, e voltou a impedir a entrada dos alunos novamente. A ocupação foi desfeita.

A nova vítima foi a E.E. Salvador Allende. Mesmo padrão: homens encapuzados, ameaças, etc. Mas, desta vez os alunos ficaram.

Já ficou meio óbvio: trata-se da mesma tática, do mesmo padrão adotado. São escolas distantes dos olhos da mídia e com difícil acesso. Ou seja, lá pode tudo. E eles fizeram.

A partir dai existe uma séria acusação que, não só derrubaria governadores, secretários e funcionários de um governo, como também os colocaria na cadeia. O padrão adotado nessa série de casos lembra — e muito — as chacinas cometidas recentemente na Grande São Paulo. E todos os acusados, até então, são policiais militares. É preciso investigar e não permitir que isso caia em esquecimento. No México, o governo e os cartéis de droga utilizam desse tipo de acordos e pactos para eliminar oposicionistas, ou desmobilizar um movimento. Por que aqui seria diferente?

Foto: Wesley Passos/Democratize

Agora, com a guerra declara, os secundaristas resolveram também partir para o ataque. Trancando vias públicas de forma criativa, mandam uma mensagem clara para a população: é preciso abrir os olhos e ver o que o governo comete com a educação, um crime.

A polícia entra novamente na história, mas desta vez como agente repressor legal. Prendendo estudantes adolescentes, jogando bombas de efeito moral, dando socos e pontapés em menores de idade. Tudo em nome da ordem. Tudo em nome da popularidade e estabilidade de um governador que os utiliza como policiais particulares, e não oficiais da lei. Um governador que não faz questão de que o policial militar tenha qualidade de vida e uma condição financeira digna. Mas, o militarismo cega.

A farsa de Geraldo Alckmin, mais que escancarada, deve ruir em breve. Seu plano não funcionou, e mesmo com pressão da mídia tradicional, parece que a opinião pública não deve mudar de lado. E sabe por que não mudaremos de lado? Porque são nossos filhos que estão lá. Nossos irmãos e irmãs mais novos. Nossos sobrinhos e primos. Nossos amigos. Não se trata mais de um protesto pela redução da passagem, nem por melhores condições de trabalho para uma categoria, ou até mesmo contra um evento internacional no país. Agora, o papo é outro. Estamos falando de pessoas, jovens, crianças. E são muitas.

O governador tem duas opções: ou determina, enfim, a suspensão imediata e definitiva do projeto de reorganização do ensino, ou se prepare para ruas lotadas e mais escolas ocupadas em 2016. Cabeças podem cair até lá — de Voorwald até Padula, e quem sabe Alexandre de Moraes. Mas, caso tudo o que foi dito nesta matéria seja comprovado, é a cabeça do governador que deve ser tirada do pedestal.

Cabe a nós, como sociedade civil, demonstrar apoio aos secundaristas contra a reorganização e exigir o fim da brutalidade policial e da violência velada pelo governo contra as ocupações e alunos. Temos em mãos a história, e podemos mudá-la.

Texto por Francisco Toledo, co-fundador e fotojornalista da Agência Democratize

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