Linha 9-Esmeralda da CPTM: 4 críticas estruturais
A ligação metroferroviária do vetor sudoeste da capital paulista é marcada por falta de integração com outros meios de transporte e por possibilitar acesso a apenas uma das margens do rio Pinheiros.
Introdução
A Linha 9-Esmeralda é compreendida por uma ligação oeste-sul entre Osasco e São Paulo, contendo 18 estações ao longo de 31,8 km de extensão. A movimentação da Linha 9 era de 567,3 mil passageiros em média por dia útil, segundo os dados mais recentes, obtidos em 24/04/2015.
Observação: para consultar os dados de demanda das linhas da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos, basta acessar uma área específica do site da CPTM.
Já discutimos no COMMU que, mesmo diante de sua importância para o “cluster empresarial” da Marginal Pinheiros, algumas redações parecem ter dificuldade em enxergá-la. Foi o caso quando criticamos uma série especial feita pela Folha de S.Paulo.
A importância da Linha 9 da CPTM não pode esmaecer diante de seus problemas ou de sua invisibilidade para a grande mídia: sem a linha, como estariam hoje as empresas ao longo da Marginal Pinheiro e entorno?
Pretendemos discutir aqui as principais arestas que ainda permanecem na Linha 9-Esmeralda, mesmo após o projeto de dinamização que resultou na construção da maior parte das estações entre Osasco e Santo Amaro.
Buscaremos, como temos feito, explorar algumas possibilidades para mitigação ou solução dos problemas. Mais do que apontar dificuldades, é preciso pensar em como resolvê-las.
Críticas
Antes de começarmos, vale mencionar que fizemos alguns comentários sobre a Linha 9-Esmeralda em nosso artigo voltado ao fomento de uma linha similar ao longo da Marginal Tietê, uma leitura recomendada. O processo de dinamização da então Linha Sul é citado no texto.
→ Como se a capilaridade fosse supérflua numa das regiões mais rodoviaristas da metrópole, uma vez que a linha se insere entre um rio e uma rodovia urbana…
I) Os terminais de ônibus foram praticamente esquecidos
De acordo com informações da própria Companhia Paulista de Trens Metropolitanos, as seguintes estações contam com terminais de ônibus: Osasco, Pinheiros, Berrini, Morumbi, Jurubatuba e Grajaú, ou seja, seis das dezoito estações contam com terminais, deixando doze delas sem uma maior facilidade de integração entre trens metropolitanos e ônibus.
Para prosseguir, existem algumas particularidades que devem ser pontuadas para as estações mencionadas pela CPTM:
- Estação Osasco: existem baias para ônibus localizadas nas proximidades da estação. Não há integração física, ou seja, inexiste conectividade entre a estação e as paradas de ônibus;
- Estação Pinheiros: o terminal já era previsto nos projetos da Fepasa (Ferrovia Paulista Sociedade Anônima), porém, sua construção foi feita décadas depois, sendo inaugurado ainda sem operar pelo então prefeito Gilberto Kassab em 2012;
- Estação Berrini: o terminal de integração mencionado pela CPTM consiste apenas num ponto vizinho à estação, instalado na Rua Guilherme Barbosa de Melo;
- Estação Morumbi: o terminal não é integrado e se encontra distante da estação, para uma rápida comparação, sua proximidade é comparável com a distância a ser percorrida a pé entre a Estação Santo Amaro e o Terminal Santo Amaro;
- Estação Jurubatuba: estruturalmente falando, não há terminal, os ônibus param ao redor da praça localizada nas proximidades do acesso à estação;
- Estação Grajaú: conta com o único terminal verdadeiramente integrado da linha. O paradigma adotado pelo Metrô há mais de 30 anos foi seguido, assim o terminal foi construído em conjunto com a estação, sendo posteriormente entregue para operação ao município (SPTrans).
A situação dos terminais da Linha 9 se agrava à medida que os terrenos são ocupados por empreendimentos corporativos de padrão elevado (triple-A ou AAA na terminologia do mercado imobiliário). Se não existem terrenos próximos às estações, que são minimalistas em concepção, como os ônibus poderão parar e manobrar? Além disso, se não existem passarelas e módulos com bilheterias na margem oposta, como será feito um bom atendimento para quem precisa de ônibus na outra margem do rio?
No caso da Estação Berrini, por exemplo, existe um posto de gasolina vizinho à estação que, se desapropriado, pode dar lugar a um terminal de ônibus bem integrado com a estação.
Na Estação Morumbi, um dos piores casos, não existe solução fácil, pois não há espaço físico e os imóveis ao redor são sofisticados e de alto valor, sendo eles: Shopping Market Place, Rochaverá Corporate Towers e MorumbiShopping. É preciso que os governos estadual e municipal busquem uma solução de caráter mais troncal para vias como as avenidas Engenheiro Luís Carlos Berrini e Doutor Chucri Zaidan, preferencialmente sobre trilhos, como um VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) com paradas no canteiro central, incluindo uma parada verdadeiramente próxima da Estação Morumbi.
O caso mais otimista da Linha 9 está no Terminal Pinheiros, um dos mais novos de toda a cidade de São Paulo. A principal intervenção a ser realizada ali estaria no término da modernização da estação da CPTM, incluindo a devolução da funcionalidade da antiga passarela, hoje fechada e desconectada, que poderia ser modificada para dar acesso ao terminal de ônibus.
Além dos apontamentos para terminais existentes, restam ainda mais de dez estações sem qualquer terminal integrado, com diferentes graus de falta de conectividade com o entorno. A questão da má capilaridade da Linha 9 na região do Itaim Bibi, envolvendo estações como Vila Olímpia e Cidade Jardim, por exemplo, foi abordada por nós aqui.
Observação: na Estação Santo Amaro (antiga Largo Treze de Maio), como o Terminal Santo Amaro da SPTrans não contou com um projeto sinérgico e, apesar de ser acessível a pé, este se encontra vizinho à Estação Largo Treze da Linha 5-Lilás do Metrô.
→ Ainda que a outra margem tenha uma quantidade menor de pontos de interesse, seu isolamento não é justificável…
II) As estações da Linha 9 só permitem fácil acesso a um lado do rio Pinheiros
Recentemente um candidato a uma vaga de estágio em uma grande empresa com escritório localizado nas proximidades do Shopping Cidade Jardim, pedia ajuda em uma rede social. Conforme as interações foram ocorrendo, verificou-se que o estacionamento tinha custo proibitivo (diária de R$ 45) e que a utilização da CPTM era desafiadora pela inexistência de qualquer tipo de ponte ou passarela nas imediações. Ao candidato foram sugeridas por mais de uma pessoa a utilização de um táxi entre a estação e o escritório para fazer a entrevista, outros sugeriram também a utilização de vans disponibilizadas pela empresa. Houve até quem desabafasse, um dos opinantes revelou ter pedido demissão após a mudança do escritório para aquela localidade.
Ao olhar para apenas uma das margens, a linha não só ignora as empresas que estão instaladas no lado sem acesso às estações, ignora também a maior facilidade de atendimento aos bairros ali existentes, vários deles residenciais — a maioria de padrão elevado, é verdade, porém que ainda assim precisam de aculturamento para o uso do transporte coletivo, o que só pode vir quando há oferta de transporte coletivo.
Estações com pontes e/ou viadutos próximos:
- Villa Lobos-Jaguaré;
- Cidade Universitária;
- Hebraica-Rebouças;
- Cidade Jardim;
- Santo Amaro (a estação do Metrô serve como passarela, contudo, existem limitações para aqueles que apenas querem passar de um lado para o outro, uma vez que poderá ser necessário pagar a tarifa para cruzar);
- Socorro.
A Linha 9-Esmeralda precisa de um projeto integrado, que desenvolva sua conectividade com as margens, incluindo também a construção de qualquer outro tipo de infraestrutura adicional, como uma segunda ciclovia e trilhos para um serviço expresso (vide o Expresso Oeste-Sul, comentado mais abaixo).
Utilizar os viadutos para atravessar de um lado para o outro pode ser uma opção que, além de perigosa, é insatisfatória. Apenas uma meia dúzia de estações possui viadutos com alguma proximidade. Como a região é carrocêntrica, o passageiro se vê obrigado a fazer trajetos fora da escala humana, o que aumenta a fadiga, funcionando como forte desestímulo à utilização da CPTM.
→ Mesmo após cinco anos de sua inauguração, a ciclovia da Marginal Pinheiros conta com poucos acessos…
III) Transformaram uma via de serviço em ciclovia, porém, esqueceram da importância de dotá-la de boa conectividade
A ciclovia na Marginal Pinheiros foi inaugurada no ano de 2010, sendo então composta de 14 km para uso compartilhado por bicicletas e veículos de serviço entre as estações Autódromo e Vila Olímpia, conforme podemos observar numa notícia do G1.
A implantação se deu por meio de convênio entre e a CPTM e a EMAE (Empresa Metropolitana de Águas e Energia S/A). O documento para o convênio de número 872309409100 pode ser lido aqui.
O Vá de Bike possui um texto que trata dos acessos da ciclovia e a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos também fornece informações em área específica de seu site, da qual citamos o seguinte trecho:
Horário de funcionamento da Ciclovia: das 05h às 18h30min.
Com 21,5 km, a Ciclovia Rio Pinheiros é uma alternativa para o deslocamento diário, proporcionando uma vida mais saudável.
Existem seis acessos para a ciclovia (…)
Observamos então que a ciclovia tem horário de funcionamento bem restrito se comparado com o sistema da CPTM, uma vez que o horário da operação comercial é das 4h até 0h (1h aos sábados). Apenas duas estações possuem acesso direto à ciclovia, sendo elas Santo Amaro e Jurubatuba, enquanto as estações Vila Olímpia, Cidade Universitária e Autódromo contam com acessos em vias ou viadutos (caso das duas primeiras) próximos.
A ciclovia é mais um aspecto da Linha 9-Esmeralda que pode ser corrigido por meio de um projeto completo e único, evitando novos tropeços.
Observação: dez estações dispõem de bicicletários, conforme informações oficiais da estatal.
→ Aparentemente o projeto de dinamização da Linha Sul não previu forte crescimento da demanda a partir de 2000…
IV) Estações minimalistas: subdimensionamento e falta de visão futura?
As estações do “miolo” da Linha 9-Esmeralda foram projetadas por Luiz Carlos Esteves. Extraímos de uma notícia de 22 de junho de 1998 os seguintes fragmentos:
Até o final de setembro, a população que freqüenta alguns dos edifícios comerciais mais modernos da cidade, situados na avenida das Nações Unidas, zona sul paulistana, vai passar a contar com uma opção de transporte coletivo. Trata-se das sete novas estações de trem que a CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) está instalando entre as estações Pinheiros e Largo 13, pertencentes à linha C, que liga Osasco a Jurubatuba.
(…)
Luiz Esteves, arquiteto da Harza Hidrobrasileira Engenharia e Projetos, empresa responsável pela concepção e projetos de dinamização da linha Sul, aponta a segurança do usuário como um dos pontos de maior importância das novas estações. “Colocamos a área de bilheteria e catracas junto da calçada dos prédios. Dessa forma, a passarela que leva à plataforma de embarque, do outro lado da marginal, se torna uma área pagante, o que inibe a ação de delinqüentes”, explica.
Outro fator que norteou o projeto, segundo Esteves, foi o urbanismo da região. “Evitamos interferir com o landscape da avenida, projetando estruturas leves e transparentes.” Componentes metálicos fechados com vidro e brises de alumínio garantiram a leveza necessária. O concreto aparece apenas em alguns momentos da estrutura, como a caixa onde serão instaladas duas escadas rolantes, uma escada fixa e um elevador para deficientes. A passarela sobre a marginal também será construída em metal, na forma de uma elipse.
Na altura, o investimento mencionado foi de US$ 220 milhões, além disso, Esteves também deu detalhes das estações, então uma novidade.
A inauguração das primeiras estações ocorreu apenas nos primeiros anos do novo milênio, como podemos observar em outra notícia, esta de 30 de abril de 2002. Por se tratar de clipping especializado, são fornecidos ainda mais detalhes das estações, conforme evidenciamos nos fragmentos abaixo:
Compostas de três módulos distintos: edifício de acesso, passarela sobre a avenida e plataforma de embarque, as estações não apresentam interferências entre funções, pois o edifício de acesso é a única área com circulação irrestrita de pessoas. A passarela e a plataforma só são acessíveis para quem compra o bilhete e vai usar realmente o trem, explica Clayton Alfredo Nigro, gerente de arquitetura da CPTM. Também não há grandes vazios ou áreas comerciais. O fato de as estações contarem com apenas uma entrada também foi preponderante para a formatação do projeto.
(…)
O edifício de acesso, implantado em pequenas áreas junto à Avenida das Nações Unidas, agrupa, além das áreas de bilheterias e bloqueios, o conjunto de salas técnicas, todas no nível térreo. No nível superior estão localizados sanitários públicos e salas operacionais. O acesso do térreo para o superior é feito por escadas fixas, com desníveis nunca superiores a seis metros, à exceção da Estação Socorro que conta com duas escadas rolantes e uma fixa. Todas as estações dispõem ainda no edifício de acesso de um elevador para portadores de deficiência física. A criação deste edifício cumpre dois objetivos básicos: primeiro, livrar do corpo da estação (plataforma) o maior número de funções, simplificando o sistema construtivo. Em segundo, a colocação de bilheterias e bloqueios junto ao acesso, ao nível da rua, permite um maior controle e segurança na área da passarela sobre a Avenida Nações Unidas.
Preocupada com a evasão de renda (aspecto que observamos nas duas notícias), a CPTM parece ter ignorado os princípios adotados pela sua “prima”, a Companhia do Metropolitano: na Zona Leste, todas as estações da Linha 3-Vermelha do Metrô (Barra Funda-Itaquera) atuam como forma de transposição, dando acesso aos dois lados e evitando que o pedestre tenha de usar viadutos para cruzar a Radial Leste. Mesmo durante o fechamento das estações, é possível ir de um lado a outro. Exemplo: no Tatuapé, bairro que possui na face sul da estação a boêmia Rua Coelho Lisboa, é possível observar jovens e adultos aguardando a abertura da estação homônima ao longo da passarela.
Outra característica que se destaca na notícia de 2002 é a de que a estatal eliminou qualquer chance de explorar receitas não-tarifárias com a locação de espaços, implantando estações sem áreas livres. Quanto terá custado a decisão até o momento? Quão forte é a indução do comércio ambulante graças à decisão da CPTM?
Como os módulos com bilheterias são enxutos, filas se formam muito facilmente durante o horário de pico, principalmente por volta das 18h. Dependendo das condições climáticas (como chuvas), as estações diminutas também podem tornar inconveniente a utilização dos serviços. Devido à arquitetura das estações, é um desafio melhorar a capacidade dos módulos, a solução talvez passe pela construção de novos módulos de acesso, estes por sua vez dotados de uma segunda passarela e dimensões mais confortáveis, infelizmente, a ocupação do solo ao longo da Avenida das Nações Unidas limita bastante tal solução.
O acesso à outra margem do rio em momento algum parece ter importância. Graças ao projeto do Expresso Oeste-Sul, mencionado por nós em outubro de 2014, se houver a instalação de um par de vias na outra margem (que possui maior espaço disponível), a Linha 9 poderia dialogar melhor com a região na qual se insere.
No concurso 3 Estações da USP Cidades a proposta para a Estação Berrini foi particularmente interessante. Observando a quarta prancha, vemos o produto final das intervenções sugeridas:
Além de um pavilhão comercial criando um corredor mais amigável entre a estação e a Avenida Berrini, são notáveis a presença de ciclopassarela, transporte fluvial, serviço expresso de ônibus rápidos (BRT) e uma ciclovia na outra margem. Com o Expresso Oeste-Sul, talvez o BRT não seja necessário, contudo, as outras sugestões são valiosíssimas e demonstram o potencial desperdiçado até os dias atuais.
Conclusão
É preciso lutar para que a CPTM retome suas obrigações quanto à dinamização da Linha 9-Esmeralda, o que significa:
- Melhorar a oferta de lugares, mediante cronograma e transparência nas obras e ações a serem engendradas;
- Conectar a ciclovia com as estações e o entorno;
- Conectar as estações com as duas margens do rio;
- Divulgar maiores informações sobre o Expresso Oeste-Sul, iniciativa de serviço expresso louvável e necessária, que rearticula o acesso ferroviário entre o vetor sudoeste da capital e a sub-região oeste da Região Metropolitana de São Paulo;
- Buscar uma melhor intermodalidade (integração das estações com outros meios de transporte), principalmente com os ônibus, em vista do tipo de tecido urbano no qual a linha está inserida.
Com a demanda crescente, precisamos lutar por um horizonte objetivo e inteligente para a linha, que respeite sua importância para os mais de 500 mil passageiros que diariamente passam pelas suas estações.
Se você ainda não acompanha o COMMU, curta agora mesmo nossa página no Facebook e acompanhe a gente pelo Twitter. Para uma leitura mais confortável no smartphone, instale o app do Medium (para Android e iOS).
Agora você também pode apoiar nosso trabalho, visite nossa página no Apoia-se!
por Caio César