Um ano, quinze músicas

Julli Rodrigues
9 min readDec 27, 2015

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Meus comentários sobre as faixas que mais escutei em 2015, segundo o last.fm

Sim, eu ainda uso o last.fm e acho que ele foi uma das maiores invenções da humanidade, junto com as mantas de microfibra, o presunto sem capa de gordura, o som estéreo, o queijo cheddar, o e-reader, o sistema Android e tantas outras coisas que adoro. Em 2015 ele ganhou uma importância extra, servindo de registro da minha experiência de escutar um álbum por semana. A rigor, ele só passou a registrar as audições feitas a partir de abril/maio, já que escutei muitos álbuns via YouTube (ou usando o bom e velho mp4 player do meu pai). Por isso, várias faixas que lembro de ter repetido incessantemente, como “White Teeth Teens”, da Lorde, e “Waiting on Words”, do The Black Keys, não têm tanto destaque na lista. Mas já dá pra ter um parâmetro.

Pra quem quiser ter acesso à lista completa deste ano (e dos anos anteriores, ainda que eu tenha falhado em fazer scrobble em diversos momentos), ou ver classificações de álbuns e cantores em vez de faixas, basta visitar last.fm/user/bluejulli. Estou aceitando novos seguidores e boas indicações musicais baseadas no que está registrado lá. Agora, vamos aos comentários.

15 - Destino e Desatino de Severino Nonô na Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro (Oh Yeah!) - Wilson Simonal - 1970

Uma faixa que considero marcante e interessante, a começar pelo nome quilométrico. Gosto muito de letras de música com um estilo "narrativo", e essa, em especial, tem um ar bem irônico e malandro, para além de todas as problematizações possíveis com elementos da letra. Lembro bem da sensação que tive ao escutar e do pensamento que passou pela cabeça: “olha só que onda”. O arranjo, como praticamente todos que levam a assinatura de César Camargo Mariano, é muito bom, um funk com pitadas de baião. Gostaria muito que o trabalho de Simonal tivesse embarcado de vez nessa onda mais soul/funk. Quer dizer, a tendência da época era que isso acontecesse, segundo a biografia escrita pelo Ricardo Alexandre, mas o destino quis contrariá-lo.

14 - Like 'em Young - Tove Lo - 2015

Meu coração é da MPB, mas sempre tive certa atração pelo pop. Principalmente por esse pop não tão mainstream. Por essa razão, ouvi o álbum da Tove Lo, que já me pareceu interessante por ser um trabalho conceitual — com foco nas fases de um relacionamento, da paixão ao término — , e essa música, a segunda do disco (terceira, se a gente contar a vinheta “The Sex”), me pegou logo de cara. Principalmente porque comecei a entender a letra enquanto escutava e achei engraçada. O conteúdo me lembrou as coisas que eu mesma escrevia quando era criança e inventava bandas pop. Bem besta, despretensiosa, com uma certa picardia e a subversão do discurso mais comum: sim, as mulheres também podem preferir os novinhos.

13 - Sensual - Belchior - 1978

No princípio eu detestei essa música. Achava brega, arrastada, tosca. Aos poucos, porém, ela foi se tornando mais uma das poucas faixas que se salvam do álbum “Todos os Sentidos”, na minha opinião. Fui percebendo que ela se encaixava perfeitamente em alguns dos meus moods, principalmente os momentos reflexivos e apaixonados. Fui aprendendo a gostar do duplo sentido requintadíssimo presente nela. Cheguei ao ponto de ouvir a versão do Ney Matogrosso e não gostar: embora Ney seja, inegavelmente, um cantor mais agradável de se ouvir, não senti a força, a visceralidade, a verdade que a interpretação de Belchior tem.

12 - Moro no Fim da Rua - Wilson Simonal - 1970

Outra música com a inegável pegada soul/funk/black que começava a ganhar espaço nessa época. Aliás, gosto muito do ar despretensioso e renovado desse álbum de Simonal, o primeiro trabalho pós-pilantragem, mas que conservava as características básicas do movimento: um som com swing, comunicativo, porém sem deixar de ter qualidade musical. “Moro no Fim da Rua”, composição de Luiz Vagner e Tom Gomes que me faz lembrar dos sucessos de Paulo Diniz, também tem arranjos do César e uma letra suave, deliciosa de ouvir, uma historinha do cotidiano. Recomendo fortemente.

11 - Feels Like We Only Go Backwards - Tame Impala - 2012

A música que me aproximou do trabalho do Tame Impala e me levou a escutar todos os discos de estúdio da banda. Psicodelia inspirada nos anos 60/70, a voz do Kevin Parker soando parecida com a do John Lennon segundo nove entre dez ouvintes, tudo aquilo que já sabemos. A letra também merece destaque: quem nunca esteve numa situação de incerteza amorosa, na qual você está só esperando a outra pessoa dar o sinal positivo pra você se jogar, mergulhar, chafurdar no sentimento? Como canta Pablo, "sim é a única palavra que eu preciso ouvir". Kevin canta "But that’s the way it seems to go when trying so hard to get to something real". A sofrência é a mesma.

10 - Banho de Espuma - Rita Lee - 1981

2015 foi o ano no qual me despi de diversos preconceitos musicais. Entre eles, a aversão infantil à obra pop de Rita Lee. Vivia dizendo que só a fase do Fruto Proibido prestava, e blá-blá-blá. Até que escutei os álbuns de 1979, 1980 e 1981 e gostei bastante do que ouvi. Talvez seja porque agora estou tentando encarar a vida de forma mais leve, e o som de Rita nessa época é exatamente isso: leve, dançante e de boas. Gosto de “Banho de Espuma”, em particular, porque acho genial a programação de bateria tipicamente oitentista somada aos metais que dão certo "molho" ao som. Acho que essa combinação soa muito bem. Palmas para o Lincoln Olivetti. (Curiosidade: Leo Gandelman participa desta faixa.) E "em plena vagabundagem, com toda a disposição" é uma ótima frase pra botar na bio do Twitter. Inclusive já fiz isso.

09 - Love is Magick - Letuce - 2015

Uma das várias músicas que descobri graças ao estágio. Tudo começou nos primeiros dias de dezembro, quando tive que escutar o álbum "Estilhaça" pra selecionar músicas e fazer uma gravação com a Letícia Novaes, vocalista do grupo (spoiler: em breve no Especial das Seis). Já conhecia a gravação original do Raul Seixas, mas fiquei realmente apaixonada por essa versão, que é dotada de toda uma força lancinante. O resultado é esse aí: em um mês, repeti “Love is Magick” o suficiente pra ela constar no meu top 15 do ano.

08 - Echoes in Rain - Enya - 2015

O retorno de Enya foi um dos eventos mais aguardados por mim para o mês de novembro. “Echoes in Rain” foi a primeira música liberada do novo disco, “Dark Sky Island”, e sempre que eu acho que enjoei dela, me surpreendo e me apaixono outra vez. Ela cumpre bem a proposta de ser uma “continuação” para “Orinoco Flow”, a música que catapultou Enya para o sucesso há vinte e sete anos. Nunca esqueço de um dia no ônibus, indo para a faculdade, no qual senti toda uma onda de júbilo e satisfação enquanto escutava essa música, de manhã cedo. Não conseguia parar de repeti-la. Alleluia, alle, alle, alleluia. O clipe é um show à parte, com uma orquestra (cenográfica) inteiramente composta por mulheres. Seria lindo ver Enya fazendo concertos ao vivo com essa orquestra. Vamos aguardar, né.

07 - Seus Olhos - Baby Consuelo - 1982

Escutei essa música pela primeira vez numa ocasião marcante. Estava no ônibus, após me despedir de minha mãe (tínhamos ido juntas para algum lugar e eu peguei o ônibus pra ir pro estágio), e coloquei o Baby Sucessos pra tocar. Nossa. Não sei se foi a introdução apoteótica ou a letra (uma declaração de amor de mãe para filho, pelo que li em algum lugar), mas comecei a chorar dentro do ônibus. Ainda mais porque sempre fico nostálgica quando me despeço de minha mãe nessas condições. Pouco depois, vi o show da Baby com o Pepeu no Rock in Rio — cuja faixa de abertura foi justamente “Seus Olhos — e me apaixonei mais ainda.

06 - Durango Kid - Milton Nascimento - 1970

A princípio eu não dava nada por essa música. Quando escutei o álbum, estava fissurada por "Para Lennon e McCartney" e pela faixa bônus "O Homem da Sucursal", que é basicamente "Caxangá" com outra letra. Com o passar do tempo e das audições, porém, “Durango Kid” passou a me encantar. Ela carrega uma delicadeza, uma sensibilidade, toca meu coração de maneiras inexplicáveis. Fenômeno semelhante acontece quando escuto outras composições de Milton, como "Pablo", "Ponta de Areia" e "Olho d’Água".

05 - Sá Marina - Wilson Simonal - 1968

Uma obra-prima. Uma música que todo mundo já deve ter ouvido em algum momento da vida. Meu primeiro encontro consciente com ela foi quando assisti ao documentário "Simonal - Ninguém Sabe o Duro que Dei", em 2014. Até que neste ano eu assinei o Spotify e fui correndo procurá-la, o que me levou a escutar os quatro álbuns "Alegria, Alegria" e o LP “Simonal” (do qual falei antes). Acho essa música irretocável, sério. Já houve vezes de eu repeti-la o tempo todo como trilha sonora das minhas voltas pra casa. Além disso, ela também me traz uma sensação de conforto, de alegria fraternal, de "volta pra casa", de festa com os entes queridos.

04 - You Don’t Know Me - Caetano Veloso - 1972

Essa história começa na última sexta-feira de maio deste ano e envolve o filme "O Vendedor de Passados", o qual assisti acompanhada de alguém que já se foi (não no sentido de eufemismo para morte). A música ficou associada às lembranças desse dia, foi a trilha dos dolorosos dias subsequentes e seguiu me acompanhando. Corta para uma quarta-feira de agosto. “You Don’t Know Me” volta a surgir em outros timbres, outros risos, sendo cantada a plenos pulmões num carro do ano às 22h, em meio à balbúrdia de mais um jogo do Bahia. Mais memórias felizes que precederam memórias tristes. Em ambos os casos, ao lado de pessoas que eu nunca conheci de verdade. “Bet you’ll never get to know me”. Enfim. À parte isso tudo, porém, trata-se de uma música esplendorosa, riquíssima, que vai crescendo, ganhando corpo e te arrebatando. Não sou exatamente fã de Caetano, mas essa música me diz algo.

03 - Comportamento Geral - Gonzaguinha - 1973

Outra vez, uma descoberta musical influenciada pelo estágio na rádio. Um dos primeiros programas que editei foi um especial em homenagem a Gonzaguinha, apresentado pelo seu filho, Daniel Gonzaga, que gravou um disco só com canções do pai. Uma delas é justamente essa. Desde a primeira vez que ouvi o cover de Daniel, a música bateu bem fundo em mim e me levou a buscar a versão original. Um verdadeiro tapa na cara. Uma aula de ideologia do sistema capitalista. Arrebatadora, pessimista e pesada como deve ser. Um choque de realidade, alguém sacudindo os ombros e mostrando como as coisas realmente são. Até hoje tenho vontade de sair colando trechos da letra nos ônibus e nas ruas de Salvador.

02 - Let it Happen - Tame Impala - 2015

"Uma faixa de sete minutos não assusta quem cresceu ouvindo Kraftwerk", pensei, assim que coloquei o álbum “Currents” pra tocar pela primeira vez. Logo que escutei essa música, fui tomada por uma certa surpresa. Era diferente do que eu já conhecia do grupo (só o “Lonerism”, de 2012, já que enrolei bastante pra ouvir o “Innerspeaker”). Mergulhei nos novos timbres, na densidade sonora eletrônica, entendi alguns trechos da letra e captei a mensagem geral de sufocamento interior, de dificuldade de adaptação às mudanças. "I heard about a whirlwind that’s coming round, it’s going to carry off all that isn’t bound", dizem os versos que pra mim são os mais marcantes da letra. Lembro que "viajei" (ainda se usa essa gíria?) no ~efeito de CD arranhado~ que casou muito bem com a idéia geral da faixa. E viajei mais ainda no clipe. Foi a primeira vez em muito tempo que a experiência de ver um clipe me trouxe a catarse, esta velha conhecida, esta sensação "mind-blowing". Ei-lo:

01 - The Less I Know The Better - Tame Impala - 2015

Rainha absoluta das minhas playlists. Não tem como não amar essa música. Seja pela batida oitentista, pelo arranjo cheio de sintetizadores, pela melodia repetitiva e grudenta ou pela letra. Aliás, a letra merece destaque. Sofrência de primeira. Claro que me identifiquei com a história do cara que tenta superar o término mas não consegue esquecer a amada. A premissa do "quanto menos eu souber, melhor" é muito verdadeira na minha vida. "I was doing fine without you, ‘til I saw your face". Quantas vezes me vi nessa onda. Realmente me identifico, exceto pelo fato de que o eu-lírico se propõe a esperar pela moça até por dez anos. Eu não espero, moço. Sinto muito. Agora o momento polêmico: não gostei do clipe. Quer dizer, é bem produzido, tem uma estética interessante, é ousado, é dinâmico, mas não me prendeu muito. Meu coração é do clipe de “Let it Happen”, que traduz muito bem a música e todas as suas vibes. Mas, pra não ser injusta, aqui está:

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