Como o MBL passou de um “grupo apartidário” para quase um partido político

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6 min readSep 11, 2016

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Foto: Gabriel Soares/Democratize

Se antes o Movimento Brasil Livre se vangloriava de não ter partidos políticos por trás do seu trabalho, hoje a situação é diferente. Nas próprias redes sociais do grupo, ex-seguidores resolveram questionar a atuação política do MBL pós-impeachment. Acabaram sendo bloqueados.

Por Francisco Toledo

Para quem nasceu do grito “sem partido” nas ruas, o Movimento Brasil Livre hoje segue uma dinâmica completamente diferente daquela defendida pelo grupo no ano passado.

Com as eleições municipais chegando, o MBL resolveu dar as caras e apoiar publicamente todos os candidatos que fazem parte do seu núcleo em nível nacional. A maioria filiada em partidos políticos que carregam nas costas uma longa lista de investigações por corrupção: DEM, PMDB, PSDB, entre outros.

O mais notável da lista é Fernando Holiday, que é candidato para vereador pelo DEM em São Paulo. Apadrinhado pelo deputado federal Pauderney Avelino, do mesmo partido, o rapaz já foi diversas vezes questionado por seguidores do grupo sobre a ética por trás da sigla escolhida. Foram ignorados.

Mas desta vez, os seguidores resolveram pegar no pé do MBL.

Na página principal, em uma das postagens mais recentes, um dos seguidores resolveu questionar sobre o possível apartidarismo apresentado pelo grupo nas primeiras manifestações a favor do impeachment em 2015.

Em resposta ao seguidor, o grupo diz: “Nunca falamos que éramos apartidários. Você não me parece muito bem informado”.

Bastou uma pesquisa nas postagens mais antigas da página, além de outros sites através do Google, para desmontar a versão apresentada pelo MBL contra seu seguidor.

As postagens de maio de 2015, tanto no Twitter quanto no Facebook, mostrava exatamente o oposto. No texto dos posts, o grupo diz: “O MBL é um movimento apartidário, mas de forma alguma apolítico. Buscamos canalizar o clamor popular em direção a medidas práticas que tornem o Brasil um país mais livre, justo e próspero”.

O seguidor que questionou a posição do MBL foi bloqueado da página — algo que acontece de forma generalizada contra qualquer usuário da rede que tente debater sobre a postura do grupo. As demais postagens antigas que falam sobre o “apartidarismo” do MBL foram todas apagadas das redes sociais, incluindo Facebook e Twitter.

A verdade é que após o impeachment de Dilma Rousseff, o grupo preferiu focar na campanha eleitoral e no lobby político em defesa do presidente Michel Temer do que na luta contra a corrupção propriamente dita.

E isso tem irritado profundamente os seguidores mais “despolitizados” do grupo, que estão não apenas insatisfeitos com a política apresentada pelo Partido dos Trabalhadores, como também pela corrupção generalizada em siglas que hoje fazem parte da base do MBL, como o próprio PMDB e demais partidos de centro e direita.

Isso tudo não é novidade

Em reportagem, o UOL denunciou o fato de partidos como PMDB e PSDB “investirem” nas manifestações promovidas pelo MBL contra a presidente Dilma Rousseff entre os anos de 2015 e 2016.

Por exemplo: o panfleto “Esse impeachment é meu”, distribuido pelo grupo em manifestações ao redor do país, foi custeado pela Fundação Ulysses Guimarães, do PMDB — conforme afirmado pelo presidente da Juventude do partido, Bruno Júlio. Foram exatamente 20 mil panfletos com valor desconhecido, sendo utilizados para os protestos do dia 13 de março deste ano.

Em uma gravação de áudio, é possível ouvir uma das lideranças do grupo, Renan Santos, afirmando que “tinha fechado com partidos políticos para divulgar os protestos do dia 13 de março usando as máquinas deles”.

Isso acontece mesmo com o grupo recebendo doações de seguidores.

Doações que, sem transparência, levantam questionamentos ainda piores.

Mas quem financia tudo isso além dos partidos?

Recentemente, o MBL se envolveu em mais uma polêmica após dar o “calote” nos seguidores que investiram em uma campanha feita pelo grupo. O MBL participaria do protesto marcado para o dia 31 de julho na Avenida Paulista — mas de última hora resolveu cancelar a presença.

O problema é que o grupo já havia arrecadado cerca de R$11 mil até aquele momento.

Muitos que doaram ficaram revoltados com a postura e falta de transparência do grupo, questionando o calote nas redes sociais.

Posteriormente, o grupo afirmou nas redes sociais que utilizaria o valor arrecadado para uma próxima manifestação no mês de agosto, em torno do dia 21.

O problema é que não houve qualquer protesto articulado pelo MBL nos últimos dias. Pelo contrário: ao invés de utilizar a verba para articular manifestações com seus seguidores, o grupo preferiu organizar duas “festas” para celebrar o impeachment de Dilma Rousseff, nos dias 30 e 31 de agosto em São Paulo.

Mas não é de hoje que a falta de transparência se torna uma característica chave das ações do MBL.

Logo no seu começo, muitos questionavam de onde vinha o dinheiro para um grupo recém-formado se articular nacionalmente com tanta rapidez.

Na realidade, o MBL é um grupo criado pelos Estudantes pela Liberdade, uma célula brasileira do Students for Liberty, organização norte-americana que tem como objetivo “espalhar ideais liberais ao redor do mundo” — com um foco bem claro em países de terceiro mundo, com democracias em estado de fragilidade.

“Quando teve os protestos em 2013 pelo Passe Livre, vários membros do Estudantes pela Liberdade queriam participar, só que, como a gente recebe recursos de organizações como a Atlas e a Students for Liberty, por uma questão de imposto de renda lá, eles não podem desenvolver atividades políticas. Então a gente falou: ‘Os membros do EPL podem participar como pessoas físicas, mas não como organização para evitar problemas. Aí a gente resolveu criar uma marca, não era uma organização, era só uma marca para a gente se vender nas manifestações como Movimento Brasil Livre”, disse Juliano Torres, diretor executivo do EPL e um dos fundadores do MBL em reportagem para a Agência Pública em 2015.

Após as manifestações de 2015, o budget do EPL no Brasil cresceu de forma absurda: “No primeiro ano, a gente teve mais ou menos R$8 mil, o segundo foi para R$20 e poucos mil, de 2014 para 2015 cresceu bastante. A gente recebe de outras organizações externas também, como a Atlas. A Atlas, junto com a Students for Liberty, são nossos principais doadores”, relata Juliano, após afirmar na reportagem que o grupo só em 2015 havia alcançado R$300 mil em doações de ONGs estrangeiras.

O futuro

Diante de um governo Temer que pretende privatizar e colocar em prática diversas reformas defendidas pelo MBL e pelas organizações por trás do grupo, o trabalho deles é garantir que seus interesses permaneçam intactos — mesmo com as eleições em 2018. Para isso, o MBL fortalece a imagem de suas lideranças neste ano, abandonando as ruas e ocupando as urnas.

Utilizando uma bandeira para conseguir apoio mais amplo e geral, o MBL conseguiu milhares de seguidores, e vai se tornando aos poucos praticamente um partido político.

Para aqueles mais ingênuos, fica o recado: o MBL não deve sair nas ruas caso Michel Temer se torne cada vez mais alvo da Operação Lava Jato, tão glorificada pelos seus integrantes.

Interesses que foram muito complicados de se conseguir estão em jogo — e colocar aquele que tornou tudo isso possível na fogueira é um risco muito grande. Não por acaso, toda a criminalização contra as manifestações dos últimos dias pelo ‘Fora Temer’ e todo o lobby político apresentado em prol da figura do novo presidente da República.

No final das contas, de apartidário o Movimento Brasil Livre nunca teve nada.

Assim como falta transparência financeira ao grupo, a ética nunca foi algo muito bem detalhado internamente. E ainda querem o seu voto. Vale a reflexão.

Francisco Toledo é co-fundador e escritor pela Agência Democratize em São Paulo

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