Capítulo II

Os primeiros encontros

J Lobo
6 min readAug 12, 2016

No contato inicial, a linguagem provou-se um desafio para o Exército Brasileiro. Falavam bastante, alguns fonemas comuns, outros irreproduzíveis. Não se notou F, nem L, o de lua, mas não o de mal, nem o R fraco, de rato e arroz. Os Perolianos eram amistosos e suas expressões indicavam que estavam felizes em se tentar comunicar com os oficiais. Não se podia fazer mímica de uma coisa ou forma comum na Terra e esperar que eles entendessem, assim como os gestos deles também eram estrangeiros aos terráqueos. Um deles, em meio a uma sequência de gestos, coçou a cabeça e o abdome ao mesmo tempo, como se imitasse um macaco, só que muito sério e ereto. O clima era um misto de confusão, atenção e humor. Só se entendia o que era apontado e foi notado que eles apontavam com o dedo médio, derrubando o mito da universalidade do significado do gesto.

Foi montado um acampamento ao redor da nave no mesmo dia e eles não pareceram se incomodar.

O incidente com os caças americanos foi superado. Era uma comitiva, preocupada com a segurança do mundo. Garantidores da paz e da liberdade. O governo dos Estados Unidos celebrou rapidamente um convênio com o Brasil para a pesquisa e contato com os visitantes, cláusula de exclusividade por 10 anos, o que enfureceu muitos outros países, especialmente a China, forte aliada comercial do Brasil.

Após uma semana os progressos já eram notáveis. Eram comerciantes! Vinham de muito longe! Uma equipe conjunta formada por cientistas da NASA e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais mostrou mapas estelares, eles examinavam e pareciam entender os mapas, mas sua estrela não estava ali. Mostrou então nosso modelo de galáxia, quatro braços espiralados. Eles pareceram gostar dos mapas, sorriam. Pero deslizou seu dedo médio descrevendo um arco do Sol até uma região num braço externo do outro lado da galáxia, na direção de Águia, à Noroeste, tomando o centro galáctico como Norte. Queriam ir para outra, também no extremo, na direção das estrelas de Norma, no Nordeste. E para isso queriam dar a volta na Via Láctea, gesticularam que estavam impedidos de passar pelo “norte”, rota obviamente mais curta. Algo ou alguém os impedia. “Xiral”, disse.

Numa visita à nave (e às outras duas que chegaram após o primeiro contato) alguns controles supostamente foram identificados pelos engenheiros da Terra, um manche em formato de Y, ativadores de propulsão e sensores gravitacionais. De resto tudo era novo. O interior da nave era composto de um imenso e complexo compartimento de carga e de diversos saguões, além da pequena sala de controle e das salas de armas. O casco liso da nave nada mais era que um escudo, ora sólido, ora transponível. Um simples giro de botão fazia com que todas as moléculas do metal se reorganizassem do sólido para o gasoso como que por mágica. O casco da nave propriamente dita era cheio de reentrâncias e desníveis, apesar de manter o formato de charuto. Havia diversos canhões nas laterais, outro grande na proa e dois na popa.

Num dos diversos saguões da nave, um retângulo luminoso surgiu no ar, acima de todos, e logo imagens apareceram. Seres semelhantes surgiram na tela: era o lar deles! Pérola! Palácios enormes, todos feitos de luz, tudo era luz! Luzes de várias cores, mas o branco e o laranja predominavam na arquitetura. Até as estradas, estreitas, eram também feitas de luz. Que tecnologia! O céu deles era vermelho e a estrela branca que os iluminava ocupava uma circunferência menor que a do Sol no nosso céu. Havia plantas em grande variedade, muitas delas frondosas e imponentes, mas suas folhas eram negras e opacas, provocando um contraste belíssimo com os feixes de luz que edificavam as cidades.

Estupefatos. Todos. As imagens eram tão vívidas que pareciam caminhar pelas ruas de Pérola. Nenhuma tecnologia de cinema da Terra poderia criar algo tão bem feito, era divino!

O “líder” deles, que veio em uma das outras naves, se apresentou como Truxto. Não usavam sobrenomes. Truxto era sério e observador, não permitia a nenhum peroliano ficar sozinho com um terráqueo. Sempre em pelo menos dois, ainda que as conversas estivessem caminhando com alegria.

Alegria e generosidade! Ao longo das semanas muitos presentes foram trocados. O cubo de gelo que não descongelava foi sensação absoluta: gelava a bebida sem deixá-la aguada ao final, “Ótimo para uísques”, frisou o Major Vieira. Deram também retalhos do tecido azul que revestia seus trajes. Os cientistas americanos concluíram que o tecido estava, de certa forma, vivo. Um bio-traje, que se alimenta de células mortas, suor e calor humano. Mantinha temperatura e pressão internas e monitorava, através de um emaranhado de circuitos e sensores, os sinais vitais de quem o usava. Virtualmente impossível de rasgar e tão elástico quanto uma teia de aranha. Os coletes de Kevlar estavam com seus dias contados caso dominassem aquela tecnologia.

Eles, por sua vez, gostaram das frutas brasileiras. Manga, abacate, caju, banana. Comiam de tudo.

Ao fim de 7 semanas, Truxto informou ao Major Vieira (que era sempre procurado como representante da Terra, causando ciúmes nos generais e desconforto na comitiva americana) que precisavam partir. Tinham que chegar até o outro ponto. Ma-i, como diziam. Pediram frutas para viagem e prometeram voltar. O planeta deles já havia sido informado sobre o nosso e estavam todos muito entusiasmados com a descoberta.

Carregadas as naves, partiram sem demora. A frota seguiu acompanhada por milhares de lentes da Terra em direção a Netuno, atravessou o cinturão de asteroides e simplesmente sumiu.

Não entendiam como, mas isso não importava. Havia muito o que se fazer.

No dia seguinte à partida, o Conselho de Segurança das Nações Unidas foi convocado extraordinariamente. Russia e China exigiam participação nos assuntos perolianos, alegavam que era de interesse de toda a população do planeta, ou mesmo da raça humana como um todo. Os EUA estavam irredutíveis. Afirmavam ser a nação mais desenvolvida e, portanto, detentora do dever de proteger e resguardar a paz do planeta, principalmente em assuntos interplanetários.

— Podem ser predadores! Saqueadores! Escravagistas! Podem se alimentar de humanos pelo que sabemos! Ainda que pacíficos, não sabemos quais doenças o contato pode nos trazer. Tudo que nos deram está em quarentena, os militares que fizeram contato também! Fechamos um acordo de cooperação com o Brasil e temos exclusividade na pesquisa por dez anos. Esse tratado internacional deve ser respeitado por este conselho! — Afirmou o diplomata americano.

— Dispense a propaganda aqui, meu camarada! Que escolha tinha o Brasil? Iriam negar o convênio? Aposto que nenhuma cláusula sequer foi discutida. Unilateral, como todas as suas ditas cooperações com outras Nações. — o diplomata russo limpou os óculos e continuou — A Rússia contribuirá de forma positiva para a humanidade ao colaborar com estas pesquisas. Todas as potências deste conselho irão.

— A nossa posição é definitiva. Temos exclusividade na pesquisa e qualquer tentativa de qualquer país de sabotar ou ter acesso aos laboratórios será entendido como agressão aos Estados Unidos da América.

Em 22 de dezembro voltaram. Oito naves com o mesmo design voltaram a visitar a Terra. Seis em solo, na mesma região do primeiro pouso, e duas em órbita, mas dessa vez não estavam de passagem, queriam trocar muitos presentes!

Já conheciam um pouco de língua portuguesa e de inglês, eram bons nisso!

Mostraram pequenos discos espelhados, que lembravam um DVD, mas que, quando retirada a sua embalagem, se tornavam porosos e expandiam velozmente atingindo até dois metros de diâmetro, mas mantendo o pouco peso.

Explicaram que eram filtros de ar. Deveríamos colocar nas chaminés das usinas e indústrias e aquilo coletaria a poluição.

Os engenheiros levaram para examinar mas os perolianos não gostaram. Queriam nos ver usando os presentes!

Ao todo foram 687 discos instalados em usinas de cana em São Paulo, Minas Gerais e Alagoas. Alguns poucos foram extraviados para os Estados Unidos para análises detalhadas, mas, ao cabo, não conseguiram desvendar a tecnologia prontamente. A fumaça, ao passar pelos discos, se tornava um vapor frio e puro de respirar, sem nenhum CO2 ou qualquer outro gás tóxico. Uma maravilha!

Ao fim de 3 meses coletaram os discos de volta. Agora pesados, era preciso 8 soldados para carregar cada um dos discos para dentro das naves. Os viajantes pareciam satisfeitos.

Tão logo as naves foram carregadas eles partiram. Eram homens de negócios, não vinham aqui para ficar. A Terra ganha, eles ganham e todos ficam contentes. Bons negócios eram assim e esses homens do espaço eram bons e generosos.

Em fevereiro de 2019, uma comitiva de três naves foi vista se aproximando. Um pouco diferentes. Menores, menos opacas. Mas nenhum alarde, só apreensão.

A primeira delas pousou ao lado do colossal monolito Uluru, no deserto australiano.

As outras duas pousaram em território russo: ao sul de Volgogrado, próximo à disputada fronteira com a Geórgia, o que transformou o discurso soviético de colaboração entre as nações em um profundo e irônico silêncio sobre tudo o que ocorria.

O silêncio, no entanto, foi quebrado pelo bombardeio devastador lançado por um indetectável B-2 americano sobre uma base militar russa na fronteira com o Cazaquistão, perto do local do pouso.

Começava a Terceira Guerra Mundial.

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