heart-shaped star: estrela cadente vii (i)

jornada no fantástico mundo da ansiedade: pare de correr, garotinho lindo parte i

Henrique S.
heartshaped star
23 min readSep 12, 2017

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enquanto houver um coração batendo aí dentro você está vivo. saiba que está vivo. saiba que o silêncio não indica morte, indica o recolhimento da alma para reparos. deseje o silêncio. deseje estar só.

às vezes.

não viva só.

se me perguntar quando comecei minha jornada completamente só eu não saberia lhe dizer. a verdade é que, em torno de tralhas e tralhas de bondade, sou uma pessoa de um ego muito grande. muito, muito grande. me atrapalha muito que as pessoas considerem ego algo ruim. me atrapalha muito o que as pessoas consideram num geral. me atrapalham muito as pessoas num geral.

ego grande.

a verdade é que existe muito pouco de mal absoluto no mundo. o ego não é um mal absoluto, mas você pode desejar que seja, você pode torcer para que seja e, envolvido nessas expectativas, se tornar o contrário do que é. o ego é perigoso. apenas perigoso. nada mais que perigoso. não acredite em quem diz que você deve crucificar o ego porque não deve, você deve crucificar a carne num geral, não dê exclusividade ao ego achando que se tornará uma pessoa melhor por isso. é do próprio ego condenar as partes aprazíveis para esconder a condenação das que deveriam de fato estar sendo condenadas.

eu não sou um coração esquizofrênico e talvez nem mesmo seja depressivo. eu sei viver a esquizofrenia quando se faz necessário sair da sanidade, porque o mundo não está composto apenas de sanidade e muito do que acontece nas nossas vidas só se resolve caso você entre no mundo dos números complexos, ou dos números imaginários. nas doutrinas religiosas chamamos de mundo espiritual. é mentira, estou superpondo símbolos para me divertir. eu quis viver a sanidade absoluta por anos e me tornei uma pessoa completamente insana, esfaqueada pela esmagadora presença do sobrenatural no meu espírito e no espírito das pessoas que influenciavam a minha vida. Deus não esperou o david hume da minha cabeça se converter para me converter, que se dane david hume, o único cientista capaz de me influenciar é meu pai.

mesmo assim, eu tenho um defeito aparentemente incorrigível da época da insanidade: eu não sei me comunicar com as pessoas. eu nunca estou de fato comunicando o que gostaria de estar comunicando. é necessário me confrontar e me fazer a pergunta várias vezes, obter várias respostas e fazer uma síntese entre elas para chegar ao que quero de fato dizer, não porque estou mentindo mas porque estou falando a verdade absoluta e a verdade, sendo eterna e portanto imutável, não pertence ao tempo e portanto muda de forma em qualquer intervalo. não me peça para dizer a você o que quero dizer, me peça para cantar. meu tom de voz diz mais do que minhas palavras. honestamente, até o formato do meu sorriso diz mais do que minhas palavras. eu sei fazer diversos sorrisos. muitos deles na verdade não avisam coisas boas.

eu não possuo uma forma gramatical. esses textos aqui são músicas. leia-os como cadeias de palavras e você não entenderá nada, leia-os com os olhos tentando colocá-los diretamente em sua mente e nada acontecerá, eles são feitos para tocar no seu coração. não, não é minha intenção. é minha sentença, é meu castigo. é quem eu sou. não tenho uma personalidade, sou um agrupamento de várias, alternando-as conforme a música que está tocando na minha mente. eu não suporto uma única personalidade, existem elementos demais na minha mente, muitos deles contraditórios e todos querendo se impôr. eu escolho quem se impõe. satisfaça-se com isso ou me condene por ser portador de múltiplas personalidades, trate-me como um completo louco embora eu muito provavelmente faça mais sentido cosmológico que você. eu sou uma estrela: faço mais sentido que qualquer ser humano mais-ou-menos racional, tudo o que não faz sentido eu faço fazer. bem-vindos à minha astrologia.

Deus porta múltiplas personalidades. já percebeu que Deus é imutável mas é pessoal, comunica-se com todas as pessoas que ele criou levando em conta todas as suas particularidades? nenhuma das personalidades de Deus contradiz sua natureza divina e santa mas, devido a sua total flexibilidade de forma, ele pode conversar com pessoas como você, como eu, pessoas que moram no japão, qualquer homem e qualquer mulher. ele usa o que quiser para conversar com as pessoas, sem limitações. quem somos nós para limitarmos os outros e nós mesmos? quem somos nós para acreditarmos que um mundo totalmente contraditório aos nossos olhos não vai nos tornar contraditórios, não vai nos fazer questionar quem somos? é muito difícil definir quem você é, o meu ponto-de-partida é que sou imagem e semelhança de Deus e por uma questão material não sou exatamente Jesus Cristo mas tenho certeza que por uma questão espiritual cada dia estou mais próximo dele. o resto é o resto. eu não sou a mesma pessoa que era ontem e você talvez se espante com a profundidade dessa afirmação, tenho a capacidade de acordar pensando tudo ao contrário, tenho a capacidade de odiar tudo aquilo que gostava ontem. exceto pessoas. pessoas não são objetos, eu gosto de quem eu gosto e não gosto de quem não gosto e isso não vai mudar. tá, talvez eu consiga começar a gostar de pessoas que não gostava até ontem; quando as pessoas me agridem profundamente eu deixo de gostar delas temporariamente mas sempre fico refletindo na razão disso ter acontecido e concordo que ela é tão vítima das circunstâncias quanto eu, então não tenho motivos pra não gostar dela, mas talvez essas circunstâncias sejam mais danosas do que posso suportar e portanto me impeçam de continuar convivendo com ela; deixar de gostar, mesmo, nunca.

a flexibilidade da minha mente é assustadora. aprendo tudo com uma facilidade que poucas pessoas entendem. mudo as regras do jogo da minha vida conforme as novas informações vão aparecendo sem compromisso nenhum de manter as regras antigas, não porque sou uma pessoa flexível mas porque é o meu estado natural. resistir às transformações é um trabalho enorme pra mim. se fosse flexível eu conseguiria resistir às transformações, eu seria um homem completo então. bom, quem sabe eu não seja e esteja escondendo isso de você?

eu sou uma estrela tímida. ou era. caminhar por esse terreno me fez perceber que algumas coisas na minha superfície precisam mudar, as pessoas estão passeando na minha superfície e pisando em vários espinhos, em várias rochas que poderiam ter sido removidas mas não foram.

não posso mais ser tímido. minha timidez confunde as pessoas. mais ainda, a timidez não só me confunde como me apaga. eu me apaguei de propósito. essa é uma história de como eu, heart-shaped star, como josé do antigo testamento da bíblia, fui atirado na prisão e lá permaneci por anos, ocasionalmente tentando enviar mensagens aos faraós sobre a bondade e a diversão de dirigir em alta velocidade e fazendo serviços que ninguém viu que eu estava fazendo. e agora estou voltando para governar esse país.

nada na minha vida foi normal. eu preciso assumir isso pra mim mesmo e para os outros. preciso assumir muitas coisas pra mim mesmo e para os outros. mas a principal é essa: nada na minha vida foi normal porque eu não quis que fosse normal, eu não tinha a capacidade de fazer com que fosse normal, sempre tive que ver tudo de maneira extraordinária. não, não é por conta do meu ego enorme, mas por conta do que está por trás do meu ego enorme.

aos cinco anos de idade eu já tinha um ego. eu já sabia me ofender e ofender os outros, eu já sabia a definição da palavra “responsabilidade”.

entrei na escola e aprendi tudo o que eles tinham pra mim muito rápido. o diagnóstico era o de uma criança superdotada, o que hoje em dia chamam de “habilidades especiais”. com dois anos de idade eu aprendi a ler. sabia me localizar na pequena londres porque tinha o mapa da cidade na cabeça ainda nesses arredores dos dois ou quatro anos, eu simplesmente amava desenhar trajetos de x a y com a caneta, que eu sabia manusear bastante bem; isso explica a razão de, mesmo hoje, eu ter a essência da cidade impressa em mim. nunca estou perdido aqui. posso me perder para achar casas, eventos, mas nunca acredite que não vou conseguir chegar até o lugar desejado porque eu vou, não acredite que não sei onde estou porque sempre sei. eu tenho a discografia do steely dan e do the pillows na cabeça e, como outro personagem deve ter explicado escrevendo sobre as noites aqui, essa é a trilha sonora da minha cidade.

isso pode ser visto, a princípio, como algo bom. mas eu particularmente quase sempre vi ou vivi de maneira horrível. como disse: aos cinco anos eu tinha um ego, sabia o certo e o errado, tinha ansiedades de adolescente, vocabulário avantajado, sabia me portar em público, tinha interesses em assuntos de gente grande. e tinha cinco anos. a estrutura emocional de uma criança de cinco anos vivendo tudo isso me fez muito mal. ninguém nunca me contou que eu enxergava as coisas de um ponto de vista anormal, que o tipo de atitude que eu cobrava das outras crianças não condizia com a idade delas, que eu era a pessoa fora do contexto. sentia pressões estranhas que não entendia, expectativas das pessoas que esperavam que eu me tornasse um gênio ou que resolvesse todos os problemas do mundo, que eu fosse a pessoa de destaque por conta da minha eloquência. eu chamava atenção de todas as meninas mais bonitas do lugar onde estava. isso, no começo, vinha das outras pessoas mas conforme o tempo passava foi criando raízes: as expectativas passaram a vir de dentro de mim, geraram uma confusão enorme.

eu, como qualquer criança, não me interessava pelo que estava sendo ensinado na escola. fazia o melhor possível para me livrar de tudo aquilo e ir desenhar ou escrever, minha imaginação sempre foi um terreno fértil porque é natural da mente desenvolvida compreender que, quando algo acontece, existem milhares de coisas por trás que criaram o terreno para esse acontecimento, então um dos meus passatempos era criar cenários e hipóteses para tudo. eu assistia desenhos e inventava meus próprios episódios, jogava jogos e inventava minhas próprias fases e cantava no meu cantinho trilhas sonoras que eu mesmo inventava para essas fases.

engana-se quem acredita que, por eu ter descoberto o rock na adolescência, meus pensamentos passaram a se organizar musicalmente aí ou que minha mente foi deformando pelos meus abusos e se tornando uma só com a música. engana-se porque a scrap brain zone do sonic the hedgehog e a música da primeira fase do double dragon, ambos do master system, ressoavam com um bocado de sentimentos meus. não tinha problema que meu pai passasse as fases pra mim, ver o jogo acontecendo e a música tocando ao fundo era agradável o suficiente, embora a música ainda não fosse assim tão indispensável. era só algo que eu gostava demais mas se, por algum motivo, o volume da televisão tivesse que ser abaixado, não ficaria triste ou deixaria de jogar por isso. hoje em dia não jogo mais sem trilha sonora, a não ser que o silêncio seja a trilha sonora. eu respeito o silêncio como trilha sonora.

eu joguei centenas de jogos do mega drive e do super nintendo no emulador, e fangames de sonic quando chegou a internet em casa, e confesso que não sei de onde vêm todas as músicas da minha mente. teria de sair vasculhando todas as roms e o sonic fangames hq (será que existe esse site ainda?) e ver se encontro tudo. não quero fazer isso. se você já ouviu algum trecho das minhas músicas em algum lugar desculpa, tem esse risco. tem também o fato de que já faz dez anos que ouço música, coloco tudo numa planilha e pelas contas eu já ouvi mais de oito mil discos. isso não é aquela piada de dragon ball que em algum momento fez sucesso e hoje todos desprezam, mas alguns que eram muito arrogantes na adolescência como eu e não gostavam de “se misturar” nunca gostaram. eu ouvi mais de oito mil discos. quantas músicas existem dentro de mim? quantas pessoas me cantaram seus problemas, expuseram a mim seu mundo interior, me ensinaram coisas certas e erradas?

com o tempo eu tive que aprender a filtrar e não ouvir certas coisas. eu já ouvi música pra caramba, acredite em mim quando digo que o hellhammer por mais sincero e humano que seja não te leva a lugares bons. e igrejas, por favor, não vou teimar se querem manter doutrinas bem rígidas sobre esse assunto e delimitar a imaginação dos seus membros, eu sei como isso é importante numa igreja. mas sejam ainda mais rígidos e cortem certas músicas cujos códigos melódicos dizem “não estou falando nada pra Deus e aliás nem pra ninguém, só gosto de estar aqui em cima com uma galera me curtindo, espero que me dê grana um dia”, e que querem dizer outras coisas tão mesquinhas quanto também. aquelas porcarias de metal que ouvi na adolescência querendo ser obediente à igreja ouvindo apenas músicas “cristãs” muitas vezes me perturbaram mais que um iron maiden. e iron maiden nem é assim perturbador, é até bem gostoso pra falar a verdade, só é cheio de ansiedade. não faz bem ouvir um solo do dave murray na adolescência, acreditem em mim nisso também; mas eu perdôo se não quiserem, todo mundo na adolescência musical quer ouvir um solo do dave murray justamente porque é a perfeita descarga de ansiedade que a representa, um adolescente nunca vai preferir ouvir seu pai falando “semana que vem tudo isso já passou” mesmo que seja uma verdade inquestionável visto que os próprios solos do dave murray passam bem rápido.
só vai ser meio difícil para a igreja fazer esse filtro sem alguém capaz de distinguir o certo e o errado no universo musical. alguém que não só tenha feito aulas de teoria musical ou mesmo uma graduação, mas saiba ouvir algo e perceber o que está sendo comunicado ali dentro. às vezes até sem o conhecimento de quem está fazendo. ou alguém aqui acha que o som, algo feito por Deus, está submisso ao homem? eu só vou descobrir o que estou cantando quando se torna algo concreto, antes disso não tem como. é difícil imaginar a música como a unidade sonora que ela se torna no fim, e impossível cantar com essa unidade porque você é capaz de, se muito habilidoso com a boca, fazer um instrumento e a percussão ao mesmo tempo mas às vezes nem isso e às vezes sua voz não atinge as notas necessárias e você precisa adaptar. no céu toca música porque a música não vem do homem, vem de Deus.

honestamente? eu acho um negócio meio islamismo fazer esse filtro, é difícil demais. mas é mentira, não é difícil demais: é difícil demais para quem explorou possibilidades demais como eu, eu ouvi coisas demais. para o jovem de igreja médio isso é muito fácil.

então havia esse problema.

eu não me distraía brincando com as outras crianças, me distraía criando coisas para me entreter sozinho. isso é visto pelas pessoas como arrogância atroz, “por que você não depende de nós pra se divertir? você se acha melhor que a gente, é isso?”. eu criei muitas inimizades com pessoas que não conseguiam atingir suas expectativas e viam alguém como eu, que não tinha razão nenhuma para atingi-las, atingindo. filhos de pastores invejaram minha conduta moral, pessoas que estudavam fissuradas porque os pais botavam muita pressão disputavam nota comigo e se sentiam horríveis quando perdiam ou ganhavam por poucos pontos e eu dizia que tinha investido meu tempo todo em videogame porque a matéria era um saco. eu também ensinava técnicas matemáticas para amigos que queriam tirar nota fácil, eles tiravam, e quem estudava de verdade ficava muito bravo; ah, isso eu confesso que era divertido, valeu muito a pena fazer.

na escola eu vivi aquela história clichê de ter a amiguinha “super-nerd”, ver ela quebrar porque tinha tirado nota baixa, e aí tentar confortar e ser retaliado ouvindo “você não entende quanto tempo eu me dedico pra tirar uma nota boa. você não sabe o que é estudar. eu odeio você”. faz pouquíssimo tempo que entendi o que isso significava pra ela. essa história aconteceu há dez anos.

pra mim eu estava vivendo normalmente, com os meus próprios problemas. pra mim eu era uma criança como qualquer outra. e maior parte do tempo eu era, mesmo. quando conto essas histórias, talvez por histórias sempre focarem nos aspectos inconvencionais das nossas vidas, me sinto falando que era uma pessoa completamente alienígena que não sabia fazer nada além de ser maluco, mas nada é bem assim. eu era bem sociável, antes de me tornar complexado era mais sociável que o comum também. a minha fraqueza é a coordenação motora, meu corpo não consegue acompanhar os meus pensamentos então eu tenho insegurança até pra pegar um copo de café; se escrevo maior parte das coisas de caneta é porque sei o quão importante pra mim é segurar objetos e manter essa coordenação motora domesticada, quando era pequeno eu tinha dificuldades para copiar do quadro porque perdia muito tempo tentando escrever as letras perfeitamente e também porque minha cabeça acreditava que estava no fim do quadro e um segundo depois eu, muito frustrado, notava que estava ainda no começo.

minha mente sempre está a frente de tudo. eu sou bastante feminino pra relacionamentos: me assusto com a minha cabeça montando cenários onde estarei casado, encarando entre quatro paredes os problemas da intimidade dela que já identifiquei em três dias de conversa e imaginando como seriam nossos filhos e, pra evitar esse tipo de coisa, eu guardo meus sentimentos a sete chaves e convivo como se nada tivesse acontecido. por dias. por meses. por anos. a única maneira de tirar isso de mim é provocando minha ansiedade então se um dia eu já me declarei pra você o problema é você e eu sei disso (shhhhhh… ninguém precisa saber que eu sei. mulher odeia que você “saiba” e não faça nada, não dê a cara a tapa. mas, como disse, sou feminino pra relacionamentos, precisa se aventurar pra achar meu sentimento primeiro. minha declaração não é o fim, é o começo).

eu vou passar por tudo isso ainda. isso é só uma síntese de tudo o que tenho pra falar. acredita? é, minha cabeça é lotada de coisas. cheia, cheia, cheia. tem de tudo aqui.

onde eu estava, mesmo? falando de como eu importunava as outras crianças sendo alguém que, às vezes, estava fora do contexto delas.

por mais que tenha comentado da inveja dos outros, eu não tenho espírito competitivo. por conta das expectativas em cima de mim a única pessoa capaz de competir comigo sou eu mesmo, não porque sou melhor que todos os outros, mas porque minhas expectativas acerca de mim mesmo foram se tornando monstros tão grandes que eu não tinha fôlego para disputar com os outros. eu, como pessoa, preciso atender os anseios da minha mente mas eu, como pessoa, não sou capaz disso. quando eu tinha cinco anos minha mente tinha o dobro, com treze anos eu tinha os conflitos existenciais das pessoas de vinte e, hoje, penso sobre assuntos sérios como uma pessoa de quarenta. como você pode querer que eu esteja interessado em ganhar de você se tenho que ganhar de uma pessoa de quarenta anos dentro de mim? se tudo o que faço nunca fica como imaginei que seria? o que me frustra quando “perco” pros outros não é que perdi, mas que sei que e como deveria ter saído melhor. eu levei dez anos pra começar a ficar satisfeito com as minhas próprias palavras e só ano passado comecei a perceber que não sentia mais que as músicas que fiz ficaram todas erradas, e também tinha uma mania estranha de achar que todas as pessoas reparariam os problemas de tudo o que faço como eu reparo e achariam qualquer obra minha horrível por conta disso e portanto, por insegurança, denunciava esses problemas ao apresentar as obras pra elas na esperança de que elas “relevassem”. a verdade é que elas nunca reparariam se eu não tivesse dito. eu sei porque, quando parei de dizer, elas pararam de reparar.

isso é um problema já avançado que, talvez, já compense começar a falar. ele é o centro da história dessa estrela cadente.

na adolescência, cansado de ser a pessoa de quem todos, inclusive eu mesmo, esperavam o melhor, decidi negligenciar o melhor. decidi deliberadamente não ser mais capaz. na quarta série eu quase morri porque me juntei a alguns amigos para zoar um gordinho e, como eu era a pessoa incapaz de mentir por razões morais, a culpa veio toda para cima de mim e meus pais foram chamados; na quinta série eu quase morri porque não fiz uma tarefa e um bilhetinho veio parar no meu caderno. na oitava série eu já estava destruindo sistematicamente a autoridade dos professores em sala e indo para a orientação onde a moça, muito simpática, olhava meus desenhos e histórias mórbidos e tentava, com carinho, dizer que eu não deveria ter uma visão do mundo tão cheia de morte, que eu deveria desenhar mais flores; tinha uma matéria onde eu chegava na sala, olhava pra professora e já dizia “eu não estou afim de ver sua matéria e você não está afim de lidar comigo. posso ir desenhar na orientação?”. (essa professora gostava de mim e eu dela. eu tive a oportunidade de ser aluno dela novamente no terceiro ano do ensino médio e deixar uma imagem melhor. e de, às vezes, encontrá-la no ônibus voltando da faculdade, conversar sobre coisas da vida e até construir uma amizade com ela. a vida foi muito generosa comigo nas oportunidades de consertar as minhas falhas)

eu não queria mais ser visto como um bom rapaz e não queria mais ser chamado de inteligente. queria que as pessoas não cobrassem mais da minha inteligência, queria ter o privilégio de ser uma pessoa burra a quem ninguém perguntaria nada, pediria nada. queria parar de sentir “eu deveria ter feito melhor” a cada cinco segundos, queria parar de prestar atenção se meus passos estavam compassados porque acreditava que todas as pessoas do mundo estavam observando meus passos. até as paredes tinham olhos, até o céu tinha olhos, até o sol tinha olhos. eu me refugiei na internet com amigos bem mais velhos, não só porque o assunto deles me interessava mais do que os assuntos da escola e da igreja, mas porque seria um lugar onde eu não me sentiria mais inteligente que ninguém; essa foi a pior coisa que já fiz na minha vida, excluindo os melhores amigos que fiz nesse período todas as “amizades” que fiz eram pessoas perversas que queriam usar minha mente como cobaia para as idéias insanas deles, porque eu levava tudo muito a sério pela ingenuidade no meu coração. eu contaminei a minha mente com muita coisa errada, algumas delas me custaram anos para me livrar; se querem saber, um personagem muito parecido comigo nesse ponto é o engenheiro do campo de tesla, estou acima dele na cadeia alimentar dos personagens do nosso escritor mas posso dizer que uma pessoa para quem ensinaram gilles deleuze na adolescência sabe muito bem as aflições da minha mente.

minha vida estagnou e eu estava satisfeito não precisando produzir resultado nenhum. minhas notas eram medíocres e ninguém esperava que eu tivesse a conduta de um super-inteligente. quando mudei de escola uma parte de mim ficou feliz porque eu poderia montar um personagem totalmente diferente e começar tudo do zero. eu era preocupado com a minha imagem nesse nível porque sabia que, se ninguém conhecesse meu passado, ninguém poderia cobrar de mim o potencial que tinham visto anteriormente.

o cenário mudou e alguns potenciais realmente não foram notados, mas as pessoas simplesmente sabiam que eu era inteligente. não teve como esconder isso mas pude conduzir para que acontecesse da minha maneira, eu pude inventar desculpas como “a escola antiga era melhor”, “a minha mãe é professora aqui, eu preciso tirar nota”, eu pude fingir que estudava bastante. além disso as matérias eram tão desinteressantes que às vezes eu tirava nota vermelha e aí poderia aproveitar isso para dizer que não era tão bom assim, eu acostumei as pessoas com o fato de que eu não era tão bom assim, eu me senti livre.

mas, estando na adolescência, o meu lado existencial e moral se sobressaiu muito. eu me tornei uma pessoa questionadora e insuportável. não acreditava em Deus da mesma maneira que pessoas da minha idade e também não tinha os desvios dessas pessoas, elas precisavam beber e usar drogas para provar algo pra alguém ou se aliviar, elas precisavam se relacionar porque a solidão era insuportável. eu não precisava dessas coisas, não sentia sequer vontade. então provocava a fé das pessoas perguntando como elas poderiam acreditar em Deus se faziam tudo errado, não media o quão constrangedor era esse questionamento (além de totalmente farisaico), e não entendia por que algumas pessoas queriam e até tentaram me bater por isso. pra mim aquilo era um debate gostoso e as pessoas da internet, que tinham seus dezoito anos enquanto eu tinha quatorze, gostavam também. por que essas pessoas não gostavam? essas mesmas pessoas, convivendo comigo por um tempo, foram descobrindo “falhas” no meu personagem e começando a me confrontar em questões parecidas.

eu não sabia explicar por que era uma pessoa tão moral sem a religião junto, porque cresci num lar cristão e sempre levei Deus muito a sério, então elas me perguntavam por que eu não enchia a cara e por que levava tão a sério a castidade se não acreditava em Deus e eu não sabia responder. inventei desculpas esfarrapadas como tomar antidepressivos que não me permitiam beber (???) e também me apeguei a meninas com quem eu jamais me relacionaria pra falar que “eu só gostava de quem não era pro meu bico”, o que em certo momento me causou um problema enorme porque uma dessas meninas resolveu brincar com os meus sentimentos, eu acabei caindo e não indo até o fim porque ela “não prestava” e minha mãe quase me matou por estar fazendo isso com a minha vida. foi a primeira vez que tive problemas de fato com meninas e eu nem entendi o que estava acontecendo, meus amigos levando tudo muito a sério, me perguntando se eu estava bem e eu respondendo que sim, normal, sem conseguir enxergar o estrago que tinha sido feito no meu coração porque uma mente de vinte anos não consegue enxergar os problemas de um coração de quinze a não ser que note que está com um coração de quinze. até ali eu não tinha notado nada. eu nem conhecia esse conceito de “idade”, até hoje é difícil pra mim me situar na juventude, eu estou constantemente vivendo de emoções pra não perder o referencial: “cérebro, preste atenção, eu tenho só vinte-e-três anos e farei as burradas que gente com vinte-e-três anos faz. conforme-se com isso. assinado: coraçãozinho infantil”.

eu já tinha esquecido completamente que tinha sido considerado “superdotado” um dia. todas as habilidades destacáveis de um superdotado já não eram mais destacáveis, já era uma pessoa que gostava de matemática mas não fazia coisas grandiosas com isso, ninguém poderia perceber que a complexidade das minhas questões interiores também eram fruto de uma mente super-fértil. eu terminei um livro de ficção científica aos quinze anos de idade, de uma série de vários, e meus pais queriam que eu publicasse mas preferi só continuar escrevendo a série. “você não vê como isso vai elevar seu conceito? um cara que escreveu um livro antes dos dezoito anos”, eu escrevi aquele livro porque tinha diversos personagens dentro de mim e não poderia viver nenhum deles, porque o meu personagem na escola era um nerd que jogava videogame e assistia desenho e nada mais que isso, não queria que fosse nada mais que isso. eu consegui desenvolver um horror pela notoriedade: tinha pavor das pessoas lerem minhas histórias e me elogiarem por elas, dizerem que eu deveria correr atrás de fazer aquilo virar um filme; não queria que ninguém me elogiasse, queria que elogiassem as histórias, queria que fizessem carinho no meu universo interior pelo que ele era e representava pra mim e não na minha pessoa porque isso mexeria com as minhas expectativas. no meu universo interior não existe expectativa, ele é o que é; e os meus personagens não podem despertar a minha ansiedade, eles podem não saber o que vou fazer com a minha caneta mas sou o Deus (com letra maiúscula, mesmo) do meu mundo, o que quer que eu faça sempre será o melhor porque não tem como ser de outro jeito.

se você não entendeu por que Deus é sempre bom agora você não vai entender nunca mais. você é um personagem do mundo dele, quem definiu o que significa “bondade” e o que significa “o melhor” foi ele, a você cabe aceitar ou rejeitar a definição mas isso só faz diferença pra você mesmo. se eu escrevo um personagem que odeia ter nascido não importa que ele me rejeite, até porque ele só me rejeita porque escrevi que ele me rejeita, e se eu determinar que ele morre amanhã esses sentimentos dele não vão poupá-lo da minha decisão. é cruel, não é? a abordagem de Deus como escritor das nossas histórias explica muito da nossa impotência e fecha uma metafísica perfeita, o nosso ponto como cristão não é provar que Deus criou um mundo perfeito onde tudo se encaixa porque só um animal irracional não descobriu que o mundo é perfeito e tudo se encaixa, isso é uma premissa científica, sem acreditar nisso você não faz ciência. o nosso ponto como cristão é espalhar que Deus é um escritor cheio de amor por cada personagem que escreveu ao ponto de ouvir seus anseios, divertir-se com eles e mudar de idéia pelo simples fato de que quer vê-los bem apesar das suas imperfeições. é isso que significa, para um escritor, o sacrifício de Jesus. isso se aplica a todas as pessoas do mundo. as pessoas odeiam suas próprias histórias porque elas estão cheias de falhas e capítulos horríveis inapagáveis, a vida delas muda quando elas começam a perceber que tudo isso está formando um lindíssimo livro no fim.

voltando ao que estava falando, eu queria que as pessoas gostassem do meu conteúdo sem passar pela minha superfície, mas as pessoas não são assim. adolescentes de quinze anos não estão interessados em ler livros de duzentas páginas (quinhentas no caderno), eles olham você escrevendo aquilo e o que importa é que você é maluco de escrever quinhentas páginas de história. “uau, você escreveu tudo isso”. expectativa. isso me machucou muito. as minhas histórias contém sentimentos implícitos que eu queria que as pessoas conhecessem, o meu coração ingênuo e infantil expressava como ele se comportava a respeito dos problemas adultos que minha cabeça estava criando no momento e eu queria que as pessoas soubessem tanto dos problemas adultos quanto do que eu sentia e me encorajassem nisso, não que elogiassem meus números.

as pessoas que olham expectativas me ferem. eu não me importo com isso. quando leio uma crítica não estou interessado em criar expectativas sobre o filme, o jogo, o disco ou o que quer que seja; estou interessado em você, escritor; quero saber mais de você, quero provar dos seus sentimentos, quero saber o que você considera importante. não foi sempre assim, como todo adolescente tive minha época dos “reviews”, mas isso mudou quando fui chegando nessa fase da vida da guerra às expectativas.

sim, guerra.

aos dezesseis redescobri meu amor pela matemática e logo em seguida veio a faculdade onde eu, como imagino que o senhor leitor já espera (há!), me destaquei com boletins recheados. eu amava cálculo, amava computadores e amava física, era como se tivesse nascido para aquilo. não consegui resistir ao impulso de me dedicar e me destacar nisso, assim que me acostumei com a pressão das notas numa faculdade de engenharia comecei a buscar revirar todas as bibliografias no anseio de dominar totalmente o assunto. eu li livros de todas as matérias do meu curso exceto os das matérias de ciências sociais, até pretendi ler essas coisas que a marilena chauí escreve para todas as matérias chamadas “ciências humanas para engenheiros” e não sei muito bem por que isso não aconteceu mas acho que foi bom não ter acontecido. ou não foi?

e sabe o que era mais divertido? eu estava tão interessado no assunto, tão envolvido na magia dos números e dos computadores, que nunca me enxerguei como aqueles personagens gênios de filmes que se trancam num quarto e escrevem equações nas paredes e no teto mas olhando hoje em dia era exatamente o que eu fazia. sobretudo porque eu estava afogado no meu coração partido dos dezesseis anos que não tratei, deixei o problema crescer e se tornar um monstro que devorou minha auto-estima, e nos dilemas existenciais que me assombravam dia e noite. saber que um dia as luzes se apagariam e não haveria aquele Deus que cresci conhecendo, me relacionando e falando para os outros dele, para me acompanhar por uma estrada eterna, me assombrava e eu não dizia pra ninguém que me assombrava porque era um ateu “convicto” e não queria ser vítima das piadas que cercam o território do “não existem ateus num avião caindo”. eu fui um cristão convicto, acreditava em tudo o que acreditava com muita firmeza porque eu queria acreditar, meu pai não era tão interessado em me manter na fé como um pastor é com seu filho, perder tudo isso criou um caos na minha mente lotada de conceitos morais que eu sempre entendi a lógica por trás e portanto não desmontaria por pura birra religiosa. afinal, “ser ateu é uma questão de lógica”.

foi aí que concluí a fuga total de quem eu era. foi nesse contexto, meu ouvinte, que fiz a sétima estrela. a primeira versão da sétima estrela: ela se chama “the runner”, “o corredor”. eu faria ela novamente, do jeitinho que era, algumas notas mudariam e os instrumentos teriam muito mais qualidade porque a fiz pela primeira vez aos dezoito com dois pianos e uma bateria e depois refiz aos vinte com mais instrumentos e uma coerência real. mas, quando fui revisitá-la na minha cabeça, percebi que as notas estavam remodeladas em outra música que eu não conseguia compreender. calma, eu chego lá.

a história estava grande demais então resolvi dividir em duas ou três partes. no momento em que escrevo isso já tenho o dobro do conteúdo e sei que haverá bem mais. espero que não se importem.

um abraço, não deixe sua estrela parar de brilhar.

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