O Dia Em Que o Morro Descer e Não For Carnaval!

Mariana Belmont
6 min readDec 11, 2017

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Em 2016 quando a bancada ativista nasceu, era só um experimento.

A gente já fazia política nas ruas, nos bares, na internet, em casa, na padoca. A gente já tinha uma dimensão e uma vontade incrível de mudança, de novas práticas, novas caras, talvez as nossas. E pq não dizer que estávamos beirando o desespero e a desesperança de uma cena completamente sucateada e abandonada por nós mesmos, como se a gente não tivesse nada com isso.

Nascemos.

Eu não vou contar pra você o processo, porque o intuito do texto aqui é outro, mas espia no site da bancada que tem tudo lá.

Vou partir de um assunto que muito tem me inquietado, as cidades. Eu nasci e cresci em uma periferia da cidade de São Paulo, da infância para a adolescência eu circulei pouco na cidade. Poucos encontros com outros modelos de território, outras formas de ver o mundo. Ficava muito no bairro, pegava pouco transporte público, minha vida era ali, e era já pra mim um mundaréu de coisas, a gente ia pra cachoeira no final de semana, tem o bar do Tio Hélio, tem os amigos da vida e tem política.

Calma! Não serei eu a romantizar a periferia, mas seria importante lembrar que os processos de construção de bem viver nesses territórios foram constituídos por política, eram os vizinhos na ajuda ali com a obra, a troca de ferramentas, “onde come um come três” e tantos outros processos incríveis de colaboração. O processo de autoconstrução transformou as periferias em locais que necessitam de demandas por serviços urbanos, participação política e, principalmente, direitos humanos, e nesse processo construíram as cidades.

”[…] Na raiz de sua mobilização política estava a condição de ilegal/irregular de suas propriedades e da situação precária de seus bairros, que as autoridades públicas nunca consistentemente atenderam com serviços e infra-estrutura, alegando exatamente sua situação irregular. Participantes desses movimentos, em sua maioria mulheres, eram novos proprietários que compreenderam que a organização política era a única maneira de forçar as autoridades municipais a estender a infra-estrutura e serviços urbanos para seus bairros. Eles descobriram que, como contribuintes, legitimavam o seu “direito a ter direitos” e o seu “direito à cidade”, isto é, os direitos de acesso à ordem jurídica e à urbanização (infra-estrutura, água encanada, esgoto, coleta de lixo, energia elétrica, telefonia, e assim por diante) já disponível no Centro”.

HOLSTON, James e CALDEIRA, Teresa, em “Urban Peripheries and The Invention of Citizenship”, Harvard Design Magazine, 2008

Que mais?

Mas e ai? Vou te explicar o contexto.

Bem, esse final de semana a gente, Bancada Ativista, colou no Ocupa Política, evento que criamos e organizamos juntos com as Muitas Pela Cidade Que Queremos, aqui em BH (essa hora já tô em SP, mas queria mesmo morar em BH pra sempre). O Ocupa foi um sonho, um papo, uma ideia, um desejo realizado por muitas mãos e de forma bem anárquica (diria Roberto Andrés), sem curadoria de convidados, sem pressão e disputas internas por personificação de pessoas, enfim, um processo incrível de reuniões semanais às 9h (obrigada por isso, pessoal, só que não). O Ocupa foi um dos passos para uma nova transformação da política institucional, a gente queria um encontro com redes e pessoas de todo o país. Pessoas que já estão nos gabinetes revolucionando a porra toda e mostrando que com resistência e vontade a gente muda se quiser.

Foi potente.

(Eu tô no avião escrevendo isso, depois de ler um texto do Roberto Andrés, das Muitas, sobre a importância do carnaval de rua para as cidades. Que texto! E ainda num processo genial de reflexão do que foram esses dias)

Foi potente mesmo.

Em todas as minhas falas eu lembro do típico político que entrega cesta básica, dentaduras e promete asfalto nas periferias da cidade, a clássica compra de votos. Parece chato repetir isso, mas é necessário, porque parte de um lugar da política que é a da barganha, a troca de favores, não é um processo de construção e entendimento de eleições e pertencimento com caminho de transformação real, na rua, na sua rua.

Continuamos marginalizados pela política institucional, a margem das construções, dos processos participativos. Felizmente uma grande parcela dos moradores e agentes periféricos fazem essa disputa de perto ocupando espaços e pressionando o sistema. Mesmo assim ainda é pouco perto do trator de homens brancos, machistas e ricos que comandam hoje as câmaras e assembleias do país.

E vale lembrar que as periferias sempre integraram movimentos sociais antes mesmo do nascimento de qualquer partido político na luta pelo básico: luz instalada, moradia digna, água encanada, rua asfaltada e criança matriculada na escola. A renovação política passa por esses processos de sobrevivência e resistência nas margens das cidades.

Ano passado eu refleti sobre alguma coisa que já começava a acontecer na na política. Suas bases estão ruindo e o castelo do poder intocável está quebrando, já não resiste, e precisa com urgência ser desmistificado. Há dinâmicas eleitorais que precisam ser desconstruídas, e a grande sacada é como fazer isso com real mudança, como trazer pessoas da sociedade civil, com perfis progressistas, para a política institucional?

Uma onda de insatisfação, que vem das ruas, das favela, das vielas e dos botecos das cidades, grandes e pequenas do país. E com essa não esperança de uma política estruturada e que construa políticas públicas pela redução da desigualdade social e todos movimentos de renovação política surgem com a intenção de ocupar espaços institucionais e participar dos processos eleitorais de 2018.

Mas vamos lá, está na hora de olhar para as subjetividades dos discursos de renovação política e observar com calma os processos, o conteúdo e a forma. Não interessa para a sociedade a renovação política que não perpassa pelas discussões aprofundadas de grupos organizados, como os movimentos negro, LGBT, agentes periféricos, mulheres e mulheres negras. Não faz sentido um processo sem a participação real de quem de fato constrói as cidades.

A política que a gente acredita é aquela feita de perto das pessoas, com leis e processos que dialoguem com quem de fato usa a cidade. Só se disputa de perto entrando nos territórios, participando de processos políticos pisando no chão e circulando pelos corredores das cidades. A potência singular e central está nas zonas urbanas e rurais, onde se acompanha a transformação humana e a luta pela conquista de direitos. E é isso que deve orientar grupos criados para uma suposta renovação política no país.

Pensando sobre isso a Bancada Ativista e o Muitas Pela Cidade que Queremos e diversos parceiros se juntaram em quatro dias em Belo Horizonte para discutir, trocar, aprender e potencializar as práticas que já existem em muitas cidades. Encontro de corpos potentes, que usam as cidades, que fazem política de fora para dentro, política que chegue perto das pessoas e que de fato esteja conectada com a realidade e as mazelas diárias da população.

Afinal, não há mais espaço para grandes mártires nos processos políticos, tivemos muitos líderes, colonizadores. É necessário ocupar os espaços institucionais da política, é urgente, mas são processos coletivos, humanos, de conhecimento de pessoas e territórios que precisamos ter. São espaços de confiança, afeto e realidade.

O Ocupa Política foi isso, vários corpos, várias cores, sorrisos, afeto e um sonho de potencializar a política na sua forma mais real. É urgente, e precisamos não ter medo de falar sobre ela, em qualquer espaço. E não ter medo e vergonha de querer estar nesse espaço, em construções política sérias e que de fato criem movimentos de mudança em bairros, casas, pessoas e espaços comuns. As ruas são a base da política, diariamente usamos elas para nos afirmar enquanto humanos e transformadores.

Então o Ocupa foi um chamado inicial para que a gente comece a se fazer presente nessa construção, foi um primeiro pé na porta, que precisa continuar com toda resiliência e resistência possível. E SIM, uma outra política é possível! Uma política transparente, conectada, aberta, inclusiva e democrática, que ousa enfrentar as estruturas da sociedade injusta e desigual em que vivemos.

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Mariana Belmont

acredita que manuel estava certo quando disse “acho que o quintal onde a gente brincou é maior do que a cidade”