O que aprendemos com o ativismo delicado de Allan Kaplan e Sue Davidoff?

Rogério Silva
PACTO organizações regenerativas
3 min readMay 31, 2018

"Prestar atenção significa prestar atenção ao todo. Significa estar sempre olhando para a integridade maior dentro da qual as partes encontram seu sentido. Significa simultaneidade mais do que causa e efeito… significa buscar sentido, significa encontrar interconectividade, relações, necessidades de transformação, dinâmicas de pertencimento e separação que vivem entre as coisas, assim como a atividade, o fluxo que as une".

Os trabalhos de Allan Kaplan já são conhecidos no Brasil há alguns anos. Fiz parte da equipe que traduziu e publicou Artistas do Invisível, em 2012, e trabalhei diversas vezes com Allan Kaplan no Brasil, além de ter sido seu aluno, na Cidade do Cabo. Sua nova publicação, escrita em parceria com Sue Davidoff, é mais uma contribuição a quem está comprometido em reinventar não apenas as organizações, mas a própria relação do homem com o campo social e com a vida na Terra.

Em O Ativismo Delicado: uma abordagem radical para mudanças, Allan e Sue irão apresentar duas linhas centrais de argumentação com grande potencial de ajudar gestores, técnicos e consultores a repensarem e reinventarem seus conceitos e práticas sociais. Em um texto breve e articulado a um interessante estudo de caso, as duas linhas de argumentos estão resumidas a seguir.

Na primeira, os autores nos convidam a pensar quão difícil tem sido construir espaços e dinâmicas consistentes e permanentes de reflexão sobre nossas práticas profissionais e políticas. Justificada pelo pouco tempo disponível para pensar, pela sensação de indulgência que acompanha os momentos de parada, pelas convicções de "se estar do lado certo" ou pelo esforço concentrado no front das lutas socioambientais, há sempre maneiras com as quais evitamos refletir, reexaminar e aprender nossos sucessos e falhas.

Para Allan e Sue, contudo, é elevado o preço que pagamos ao fechar os olhos ao próprio caminho e a suas marcas. Para eles, se os ativistas não se mantiverem "intencionalmente acordados, quase sempre acabarão por fortalecer os padrões e comportamentos que se comprometeram a mudar porque são pegos … por uma virada quase imperceptível da situação social que os deposita no lado errado da maré". E concluem "ativistas começam questionando muitas das normas que passaram a caracterizar seu mundo social, mas …acabam endossando uma das práticas normativas mais comuns em nossa cultura".

Na segunda linha de argumentos, nos oferecem uma perspectiva ética e metodológica nova para o ativismo. Ancorados na fenomenologia de Goethe, formulam um caminho no qual a observação ocupa o lugar de fonte das ações, se não o lugar a partir do qual formulamos as realidades. Se Goethe nos dissera que "o desenho começa no olhar", Allan e Sue convidam a mergulhar em um método que contempla distintos níveis de observação: percepção e reconhecimento, interpretação e estranhamento, compreensão e formulação. Para eles "a observação genuína e a atenção realmente focada em um fenômeno sempre revelam coisas que não havíamos visto ainda ou compreendido antes, independentemente de quanto contato já houvéssemos tido com ele até então".

Em tempos nos quais se tornou fácil reconhecer os limites do pensamento mecânico e cartesiano para nos revelar o mundo e para transformá-lo, Allan Kaplan e Sue Davidoff nos presenteiam com um texto inspirador e práticas coerentes. Um olhar para a realidade que nos permita reconhecê-la em suas luzes e sombras, um exame de nossos próprios padrões de observação e um gesto capaz de elevar nossa real capacidade de produzir organizações mais vibrantes e socialmente relevantes: "um ativismo radical demanda antes e durante todo o processo… que temos que enxergar o nosso próprio pensamento (e ações) como a verdadeira fonte de mudança".

Disponível no site do Instituto Fonte no sistema "pague o quando puder", a tradução de Ativismo Delicado é de Ana Paula P. Chaves Giogi e a publicação é da Proteus Initiative.

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Rogério Silva
PACTO organizações regenerativas

Sócio da Pacto, é doutor em saúde pública pela USP, psicanalista pelo CEP e consultor em avaliação, estratégia e cultura organizacional