Sobre as diferenças entre teorias de mudança e modelos lógicos

Rogério Silva
PACTO organizações regenerativas
3 min readOct 11, 2018

Em um evento recente, fui questionado a respeito das diferenças entre as teorias de mudança e os modelos lógicos (LogFrame), o que me levou a escrever este ensaio. Como alguns já devem saber, enquanto os modelos lógicos foram o principal conceito de planejamento vigente no campo social até os anos 2000, as teorias de mudança, ao lado de outras ferramentas consideradas mais leves, ganharam espaço nos últimos anos, tanto no Brasil como na comunidade internacional.

Se o marco lógico tem origem e bagagem teórica mais robusta, remetendo à profissionalização da cooperação internacional nos anos 1960 e 1970, bem como uma ampla comunidade de práticas, as teorias de mudança têm origem bem mais recente. Se não há sob elas uma plataforma teórica robusta, vale lembrar que as teorias de mudança surgiram em resposta à inadequação ou ineficácia dos modelos de planejamento hegemônicos até os anos 80, considerados burocráticos, rígidos, fechados e muito distantes da realidade.

São poucos os ensaios que comparam e diferenciam os dois conceitos e seus efeitos na realidade das organizações. Quando o debate se instala, alguns defenderão que as teorias de mudança e o marco lógico são a mesma coisa, enquanto outros saberão reconhecer suas relações de parentesco, mas também reconhecer suas diferenças de forma e de sentido, como procuro demonstrar a seguir. Para diferenciar os métodos, conto, em alguns tópicos formulados a partir de seu uso real, algumas diferenças sobre eles.

  1. Enquanto o marco lógico tem sido prioritariamente utilizado para o desenho de programas, as teorias de mudança têm sido utilizadas com três propósitos: (a) construir ou repactuar as expectativas de resultados de um programa, a partir do olhar para a experiência real de implementação, tornando muitas vezes viável uma avaliação; (b) formular resultados esperados a fim de criar melhores condições para eleger estratégias e então construir planos operacionais e ajustar modelos de gestão orientados para resultados; (c) preparar peças de comunicação para atividades de mobilização de recursos e de advocacy.
  2. As teorias de mudança têm estado mais atentas e permeáveis às reais condições nas quais um programa é construído, ou aos reais caminhos pelos quais as mudanças se dão. Elas têm permitido construções menos idealizadas do futuro, o que muitas vezes as diferencia dos modelos lógicos, mais projetivos e idealizados.
  3. Enquanto os modelos lógicos têm sido formulados mais como encadeamento de atividades, o que lhes traz um olhar detalhado para a teoria da ação (componente operacional de um plano), as teorias de mudança têm se concentrado nas cadeias de resultados, exigindo a formulação de evidências, pressupostos e determinantes que fundamentem as relações entre resultados de curto, médio e longo prazo.
  4. À medida que o marco lógico associa as etapas estratégica e operacional em seu exercício, é comum que o exercício perca força na projeção da cadeia de resultados para se concentrar no detalhamento operacional. Ao contrário, as teorias de mudança concentram-se no desenho de resultados, separando o exercício de planejamento etapas distintas e complementares: projeção de resultados e planejamento operacional + modelo de gestão.
  5. As teorias de mudança adotam inúmeros diagramas para evidenciar suas cadeias de resultado, sendo mais potentes na articulação entre eles e na produção de desenhos não lineares. Ao contrário disso, o marco lógico se baseia em diagramas lineares sempre na forma de matrizes, nas quais é quase nula a zona de criação de cadeias explicativas mais complexas.
  6. Ao requererem uma narrativa sintética que acompanha o diagrama, as teorias de mudança têm sido mais felizes em construir peças de comunicação simples e convincentes. Enquanto o instrumental do marco lógico tem um apelo “de escritório”, as teorias de mudança são desenhadas para se projetarem pela "janela das organizações", demonstrando os programas e seus possíveis efeitos para a sociedade.

No site da Better Evaluation há inúmeros materiais que favorecem a compreensão sobre teorias de programa, modelos lógicos e teorias de mudança. Aproveitem!

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Rogério Silva
PACTO organizações regenerativas

Sócio da Pacto, é doutor em saúde pública pela USP, psicanalista pelo CEP e consultor em avaliação, estratégia e cultura organizacional