Lima Barreto mostra que a fórmula da felicidade é uma mentira

Alessandro Padin
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3 min readAug 13, 2019

O jovem caminha em direção ao palco. Com o sorriso largo no rosto, vê os familiares aplaudindo, os amigos de jornada vibrando. Pega o canudo do diretor da faculdade e um novo mundo a ser conquistado se apresenta. Mundo não tão novo assim, no entanto.

A internet e seus canais de Youtube, os livros corporativos que leu no percurso, o estágio na empresa dos sonhos, tudo isso e outras coisas já tinham inspirado a confiança:

-Vou vencer!

Mas, no caminho, há sempre as quedas, as rasteiras. O mundo que quer conquistar não é o colo de mãe, o abraço do pai. O jovem vai sair da cidade, que não tem empregos, em busca do sonho na capital de ruas desconhecidas e faces novas, provocadoras.

Os cafonas memes com mensagens positivas

Vai perceber que é uma mentira dos diabos todos aqueles memes com mensagens positivas que entulham as redes sociais e o seu Whatsapp todas as manhãs. Vai sentir uma raiva quando perceber que aquele empreendedor de palco só quer vender mais livros e nada do que falou representa a realidade.

Quase ninguém vai lhe estender a mão no novo mundo e o sentimento será o mesmo do menino Isaías Caminha, na obra Recordações do Escrivão Isaías Caminha, de Lima Barreto.

Estudioso, Caminha, mestiço como o autor, partiu decidido do seu pequeno vilarejo para realizar os sonhos no Rio de Janeiro, onde uma recomendação endereçada ao deputado Dr. Castro lhe garantiria um futuro de sucesso.

Tive fome e dirigi-me ao pequeno balcão onde havia café e bolos. Encontravam-se lá muitos passageiros. Servi-me e dei uma pequena nota para pagar. Como se demorassem em trazer-me o troco reclamei: “Oh! fez o caixeiro indignado e em tom desabrido. Que pressa tem você?! Aqui não se rouba, fique sabendo?” Ao mesmo tempo ao meu lado, um rapazola alourado, reclamava o dele, que lhe foi prazenteiramente entregue. O contraste feriu-me, e com os olhares que os presentes me lançaram, mais cresceu a minha indignação. Curti durante segundos, uma raiva muda, e por pouco ela não rebentou em pranto.

Dr. Castro não estendeu a mão para Caminha e o preconceito com a sua origem mestiça, humilhações, decepções e o fantasma da pobreza foram tirando o brilho do jovem. Aos poucos, foi cedendo ao que hoje chamamos de procrastinação. A chama de Caminha foi se apagando em um meio de hipocrisias e aparências. O mundo dá rasteiras.

A fórmula da felicidade é uma mentira

O texto é um pouco azedo, reconheço, mas a intenção primeira é dividir uma angústia: não há receitas prontas para que eu e você conquistemos espaço neste mundo e que nele realizemos nossos sonhos. Com Isaías Caminha, Lima Barreto mostra que a vida é muito mais complexa que os dez passos para atingir o sucesso praticando mindfulness todos os dias antes da seis da manhã.

Em certo trecho da obra, parece que o autor viajou no tempo, pegou um smartphone, abriu uma conta no Facebook e começou a receber na timeline aquela avalanche de mensagens positivas cafonas. Arrisco dizer que ele escreveu o texto abaixo pensando nisso:

Os homens têm amor à utopia quando condensada em fórmulas de felicidade; e aqueles militares, funcionários, estudantes, encontravam naquelas afirmações, repetidas com tanta segurança e cuja verdade não procuravam examinar, um alimento para a forma de felicidade da espécie e um consolo para os seus maus dias presentes.

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Alessandro Padin
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Escritor, jornalista e professor universitário